Valor Econômico
Debate abordou vantagens e desvantagens da
adesão brasileira à organização
O economista Otaviano Canuto era secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda em 2003, no começo do governo Lula, quando foi convidado para uma palestra sobre o Brasil na sede da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris. “Lá eu me dei conta de que a grande razão do convite era me usar como veículo para mandar uma mensagem ao governo brasileiro”, relembra Canuto, que depois se tornou diretor- executivo do Banco Mundial e do FMI. Na época, o Chile estava postulando sua entrada. Seria o primeiro país sul-americano e o segundo da América Latina, na sequência do México. O então secretário-geral da instituição o chamou para uma conversa e abriu o jogo: “Nós dissemos para o Chile que preferiríamos o Brasil, mas agora precisamos saber se vocês têm interesse”.
De volta a Brasília e portador do recado,
Canuto fez consultas na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto.
Ouviu um não e transmitiu a resposta negativa para Paris. Não só o Chile, mas
Colômbia e Costa Rica entraram na OCDE. Anos mais tarde, no governo Macri, a
Argentina pleiteou uma vaga.
Simpático à adesão no Brasil, Canuto conta
ter sofrido com o fogo amigo. “O Itamaraty do período Lula, Celso Amorim, foi
muito peculiar. Não teve nada parecido. Eu não era bem-visto pela turma que
comandava o ministério. Recebi, pelo porta-voz informal deles, artigos na
imprensa que incluíam a mim e os ministros Roberto Rodrigues [Agricultura] e
Luiz Fernando Furlan [Indústria e Comércio] como quintas-colunas”, diz o
ex-secretário, com uma longa risada enquanto rememora.
Da rejeição inicial, o Brasil foi pouco a
pouco se aproximando da OCDE. Nada ocorreu de uma hora para outra, como às
vezes parece. O próprio governo Lula, em 2007, levou o país ao status de
parceiro-chave da entidade - junto com China, Indonésia, Índia e África do Sul.
Em 2015, ainda sob Dilma Rousseff, um acordo de cooperação previa o aumento da
presença brasileira nos comitês da OCDE e indicava um estreitamento das
relações.
Em 2017, Michel Temer enviou carta pedindo
formalmente para dar início ao processo de adesão. Por divergências entre
Estados Unidos e União Europeia sobre o ritmo de expansão da OCDE, não houve
avanços. Jair Bolsonaro dobrou a aposta. Transformou uma declaração de apoio da
Casa Branca no principal objetivo de sua visita oficial a Washington em 2019.
Sem entender bem as razões de tanta ansiedade, os auxiliares de Donald Trump no
USTR ainda arrancaram uma contrapartida de Paulo Guedes e Ernesto Araújo: o
Brasil abriria mão do tratamento como país em desenvolvimento na OMC.
Em janeiro, a OCDE aceitou finalmente
iniciar o processo de adesão, que demora sempre alguns anos. O Brasil
incorporou voluntariamente 104 dos 251 instrumentos recomendados ou exigidos
pela instituição para tornar-se membro pleno. Entre os seis países na corrida,
é quem está mais adiantado. Os demais candidatos são Argentina, Peru, Croácia,
Romênia e Bulgária.
Um debate sobre vantagens e desvantagens de
um ingresso na OCDE foi feito, na sexta-feira passada, pelo Conselho Federal de
Economia (Cofecon) - onde Canuto relatou aquele episódio. A discussão está
disponível no canal do Cofecon no YouTube.
Como preâmbulo, a fim de evitar um viés em
qualquer conversa sobre a OCDE, é pouco adequado usar o termo “clube dos países
ricos” - como muitos na imprensa e até na academia referem-se com frequência à
entidade. Com seus sócios da América Latina e do Leste Europeu, isso nem soa
mais tão verdadeiro. Mais preciso seria classificá-la como um clube de boas
práticas internacionais.
Isso posto, o debate sobre vantagens e
desvantagens da entrada na OCDE mistura-se com especulações em torno do que
ocorreria em um eventual governo Lula 3.0, pois o petista lidera as pesquisas
eleitorais. A ausência de um porta-voz para assuntos econômicos em geral torna
mais difícil ter uma ideia do que faria o PT. Amorim, um auxiliar ainda
bastante ouvido por Lula em política externa, já disse que não enxerga grandes
benefícios na entrada do Brasil.
Um dos participantes do debate no Cofecon,
Adhemar Mineiro - assessor do Dieese por 26 anos e pós-doutorando na UFRJ -
acredita que Lula de volta ao Planalto deixaria o processo de adesão à OCDE em
“banho- maria”. Mais ou menos como fez o peronista Alberto Fernández, na
Argentina, com o pedido que herdou de Macri. Para ele, há que se ter muito
cuidado com limitações a políticas nacionais.
Júlio Miragaya, ex-presidente do próprio
Cofecon e da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), vê
perigos. Ele teme que a entrada na OCDE incorra em restrições à futura
capacidade de fomentar conteúdo nacional em compras públicas, adotar
estratégias de substituição de importações ou políticas contracíclicas de
gasto.
Toma-se emprestado de Miragaya o
questionamento que intitula a coluna. Ele lembra a incorporação pela Otan de 14
países da Europa Oriental e a implementação de programas como o “Diálogo
Mediterrâneo” (Israel e países da África setentrional), a “Cooperação de
Istambul” (países do Golfo Pérsico), a cooperação ANZUS (Estados Unidos,
Austrália, Nova Zelândia) e até com a Colômbia.
“Se o propósito da ampliação da Otan foi
permitir a ação militar para além do Atlântico Norte (Iraque, Afeganistão,
Somália e Líbia) e ampliar o cerco sobre as duas potências rivais dos EUA
(China e Rússia), o objetivo de ampliação da OCDE é enquadrar as políticas
macroeconômicas dos países aderentes”, avalia Miragaya.
Para o ex-secretário Canuto, a preocupação
com limitações às políticas nacionais é exagerada porque as normas da OCDE não
são vinculantes e impeditivas de nada, como acordos com o FMI ou compromissos
no âmbito da OMC. De forma bem humorada, ele compara a instituição com os
Alcoólicos Anônimos, um grupo de suporte cujos membros vão compartilhando
experiências e estimulando políticas públicas exitosas. Mas não há que se falar
em restrição para nada, afirma Canuto, nem mesmo para recuos na democracia. Eis
que a Hungria de Viktor Orbán e a Polônia do PiS (Lei e Justiça) continuam lá
na OCDE, sem serem perturbadas.
Um aspecto prático: apenas 22 dos 186
fundos globais de investimento mais importantes do planeta já fizeram algum
desembolso no Brasil, segundo o Ministério da Economia. A maioria não pode, por
seus estatutos, aplicar em países fora da OCDE ou que não possuem o selo de
“investment grade”.
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