Folha de S. Paulo
Eles devem preservar o poder de compra, não
apenas os interesses eleitorais
Não há dúvidas de que este ano será muito
desafiador. Em primeiro lugar, o ano de 2021 deixa uma herança muito negativa
para 22 em diversas frentes, que já seriam obstáculos para o crescimento neste
ano.
Em segundo lugar, a guerra
na Ucrânia é um brutal choque nos preços de commodities que já estavam
muito pressionados. Os riscos de contaminação e disseminação da tendência de
longo prazo da inflação aumentou. A valorização cambial recente apenas atenua o
choque, mas não consegue evitar os aumentos de preços domésticos.
Consequentemente, o Banco Central tem menos espaço para baixar a guarda e ser
flexível na condução da política monetária.
Em resumo, será um ano de baixo crescimento e de inflação muito mais elevada, com uma composição mais desfavorável para as famílias de baixa renda. Em particular, a análise dos índices de inflação, calculado pelo Ipea, tem mostrado que, para as famílias de renda mais baixa, a maior pressão de preços nos últimos 12 meses reside no grupo de habitação, devido aos reajustes de energia elétrica e gás de botijão, e no grupo alimentação. Ambos explicam quase 60% da inflação de 10,5% acumulada em 12 meses até janeiro de 2022, o último dado disponível. Somando o grupo transporte, a contribuição chega a quase 80%.
Antes da guerra, havia uma expectativa de
algum alívio no poder de compra das famílias mais pobres. Porém, a única boa
notícia que se mantém é que as tarifas de energia elétrica serão bem negativas
este ano. Mas as boas notícias param por aí.
Além disso, pela definição do índice
apresentado, as famílias de renda muito baixa possuem renda domiciliar de até
R$ R$ 1.808,79 (junho de 2021), ou seja, um limite superior à renda das
famílias em situação de extrema pobreza (renda per capita de até R$ 100 por
mês) e de muitas famílias em situação de pobreza (renda per capita de até R$
200 mensais).
Consequentemente, seria importante ter um
índice de inflação que acompanhasse de perto o poder de compra das famílias em
situações muito vulneráveis.
Alguns anos atrás, coorientei uma
dissertação de mestrado que tinha como objetivo construir esse índice de
preços. Pelo estudo ficou evidente a vulnerabilidade dessas famílias às
flutuações dos preços dos alimentos —grupo que mais compromete seus orçamentos,
em torno de 40%— e de bens e serviços administrados.
Um índice como esse poderia ser um bom
instrumento de política pública, mas mais imune ao populismo. Em tempos de
crises inflacionárias como esta, poderia haver reajustes extraordinários, para
preservar o poder de compra e evitar uma crise social, mas não apenas os
interesses eleitorais.
*Economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre)
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