Valor Econômico
Governo tenta acelerar mudança do status da
covid-19
É preciso refletir com prudência se este é
o momento adequado para o Brasil flexibilizar o estado de emergência sanitária
decretado por causa do coronavírus.
O mesmo debate ocorre em outros países. É
verdade, também, que os números sobre contaminações, internações e mortes são
bem menores do que os observados num triste passado recente.
A vacinação avançou, e a cada dia mais brasileiros tomam a dose de reforço. Alguns municípios se preparam, inclusive, para aplicar a quarta dose na população mais idosa. Uma notícia positiva, diante do fato de que os casos graves e fatais têm se concentrado entre os pacientes com idades mais avançadas.
Existe, contudo, um componente político que
não pode ser desprezado. A ideia do governo federal é adotar essa medida até o
dia 31 de março, antevéspera do prazo de desincompatibilização dos ministros
que irão disputar algum cargo eletivo em outubro. Parece haver pressa.
Está prevista para os próximos dias uma
intensa agenda de atos públicos no Palácio do Planalto. Tudo planejado para que
os ministros que deixarão o governo possam participar de cada uma das
solenidades.
Todas as pastas estão sendo instadas a
acelerar as entregas, inclusive aquelas comandadas por quem está disposto a
permanecer com o presidente Jair Bolsonaro até o fim deste mandato. O clima é
de campanha eleitoral.
Além disso, como o prazo fixado pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a desincompatibilização é 2 de abril,
todo mundo no governo está correndo para fazer seus atos públicos até 31 de
março, uma quinta-feira. Dia 2 é sábado e deixar para divulgar algo polêmico no
1º de abril, dia da mentira, seria facilitar demais a vida da oposição.
Em relação ao Ministério da Saúde, o que se
vislumbra é algum anúncio que possa servir de contraponto às denúncias apuradas
pela CPI da Covid e às incontáveis críticas de especialistas e eleitores à
estratégia do Executivo para gerir a crise sanitária. Tarefa difícil -
integrantes do governo e aliados sabem que a maioria da população reprova o
desempenho de Bolsonaro nesta área.
Mas, isso não quer dizer que o ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, irá deixar o governo.
Já se cogitou que ele pudesse compor o
palanque de Bolsonaro na Paraíba como candidato ao Senado ou ao governo
estadual. Neste caso, seria natural que ele quisesse incluir em uma eventual
campanha o discurso segundo o qual desempenhou papel fundamental no combate à
mais grave moléstia desde a gripe espanhola.
Mais recentemente, contudo, essa
possibilidade passou a ser negada. O cenário local não é muito favorável para o
ministro.
Ainda assim, a medida poderia ser usada
politicamente pelo governo e aliados. Do ponto de vista simbólico, a flexibilização
do estado de emergência sanitária seria algo como rebaixar o status de pandemia
da covid-19 para endemia. Ou seja, considerá-la uma doença recorrente, mas para
a qual já foi dada uma resposta efetiva - algo que ainda precisa ser chancelado
pela comunidade científica e tornar-se palatável tanto no Congresso quanto no
Supremo Tribunal Federal (STF).
Queiroga já iniciou articulações nesse
sentido, mas tende a enfrentar resistências. Recente boletim da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) destaca, por exemplo, a necessidade de manutenção das
medidas de distanciamento social, uso de máscaras e ampliação da cobertura
vacinal.
O documento reconhece que a “terceira onda”
epidêmica no Brasil está em fase de descenso e há uma tendência de redução dos
casos graves de covid-19. Por outro lado, mesmo considerando a melhora de
alguns indicadores, o boletim alerta que seria preciso aguardar mais um pouco
para avaliar os efeitos das viagens e festas do período do Carnaval. Os efeitos
da flexibilização do uso de máscaras em diversas localidades também precisam
ser observados.
“Pode-se dizer que o ponto de mudança da
covid-19, de pandemia para endemia, que é definido apenas pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), será definido a partir de muitos indicadores, e um deles
é a letalidade”, sublinha o documento, recomendando cautela na adoção de
medidas de flexibilização. “Quando a ocorrência de formas graves que requerem
internação for suficientemente pequena para gerar poucos óbitos e não criar
pressão sobre o sistema de saúde, saberemos que se trata de uma doença para a
qual podemos assumir ações de médio e longo prazo sem precisar contar com
estratégias de resposta imediata.”
Isso sem contar o risco de surgimento de
novas variantes. O próprio ministro da Saúde revelou que já há dois casos da
variante deltacron registrados no Brasil, um no Amapá e outro no Pará. Segundo
ele, essa notícia requer monitoramento e evidencia a importância da aplicação
da dose de reforço.
Para uma autoridade que esteve ao lado do
presidente desde o início da pandemia, Bolsonaro errou ao não conseguir
verbalizar de forma clara que sua principal intenção era apenas assegurar que o
Brasil comprasse uma vacina segura. O problema, diz essa fonte, é que quando
ele entra numa polêmica não sai de jeito nenhum nem aceita recuar.
O argumento serve como subsídio para
entender o discurso que será adotado pelo campo governista, mas é inegável que
os erros de Bolsonaro e sua equipe vão muito além. Precipitar mais uma decisão
que deveria ser técnica em razão das eleições, ainda mais sem apresentar os
estudos que a embasam, será outro grave equívoco.
O argumento de Leite
Desde as prévias do PSDB, disputa da qual
saiu derrotado por João Doria, Eduardo Leite demonstra convicção sobre o fator
que será determinante na eleição presidencial deste ano: a taxa de rejeição de
cada um dos candidatos.
O argumento não foi suficiente para lhe
assegurar uma vitória na disputa interna do PSDB. Agora, poderá ser testado
novamente se as negociações com PSD avançarem.
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