Folha de S. Paulo
Governo vai gastar de modo disfarçado,
fazer favores e reagir à maré de crise mundial
Os efeitos da desordem mundial vão bater no
Brasil pelo menos na forma de inflação
mais alta até às vésperas da eleição, perto de 9% ao ano até agosto.
Se a crise ou a inflação pararem por aí, vai sair barato. Mas Jair
Bolsonaro não vai ficar parado, como já deveria ser fácil perceber.
Por mais que não vá conseguir levar o
crescimento muito além do zero, pode salvar alguns votos que iriam pelo ralo
com uma recessão. Mais relevante, pode distribuir benefícios localizados,
"pessoais", que ao menos possam render uma boa impressão, ainda que
não dê conta da carestia e da queda dos salários.
Bolsonaro começa gastando R$ 20 bilhões em combustíveis, na verdade deixando de arrecadar tal valor de impostos a fim de baratear o diesel. Sabe-se lá quanto desse desconto vai chegar nos tanques, mas é um pequeno impulso fiscal (gasto do governo que estimula a economia) e um "gesto".
O governo pretende permitir saques do FGTS,
algo que pode colocar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões no bolso de pessoas
que vivem entre penúria e estresse. Não é gasto público. O governo abre o cofre
de uma poupança privada forçada. Mas é outro pequeno estímulo, de cerca de 0,3%
do PIB, que será certamente notado por quem receber o dinheirinho.
É possível ainda que antecipe
em seis meses o 13º pagamento de aposentados e pensionistas do INSS. Há um
pequeno gasto embutido aí, mas na maior parte se trata de antecipação de
despesa, que terá algum efeito na economia, ainda que logo se dissipe, passada
a eleição. É outra mensagem direta do governo, para uns 30 milhões de pessoas:
"Bolsonaro pensou em você". Haverá perdão de dívidas e crédito mais
barato para pequenas empresas.
Calcular o saldo político desses benefícios
é mera especulação: quanto disso vai compensar a revolta daqueles que ora
rejeitam Bolsonaro e as durezas novas da crise mundial? Difícil é dizer que não
terão efeito algum.
Ainda virá muita dureza. Em mais um de seus
comentários de imbecil de botequim sórdido, Bolsonaro fez piada com a queda do
preço do petróleo nesta terça, pedindo
que nossa "querida Petrobras" reduza preços. Foi calmaria
ilusória. Embora os melhores chutadores de preços estejam errando mais do que
nunca sobre petróleo ou o que seja, a guerra na Ucrânia já
soltou vírus bastantes para infectar
a economia mundial por muitos meses, mesmo que aconteça um milagre de
pacificação em breve.
Ainda que volte ao imediato pré-guerra, o
preço de petróleo, grãos e outros materiais continuará em níveis de pressão
inflacionária extra. Mesmo antes desse desastre, os bancos centrais dos EUA e
União Europeia previam algum aperto financeiro. Algum virá ou haverá inflação
mundial mais duradoura. Os BCs estão entre a cruz e a caldeirinha, risco de
estagnação ou mais inflação. Mas o crédito, na prática, na vida real, já ficou
mais caro no mundo rico.
A grande instabilidade de preços e de taxas
de juros é motivo de retranca de empresas e de risco aumentado de acidentes
financeiros. As estimativas de crescimento para EUA e Europa são revisadas para
baixo, embora ainda sejam muito boas.
Além da carestia de materiais básicos
(energia, comida, minérios), deve ainda haver desordem no transporte e
abastecimento de peças e outros insumos da indústria mundial. O problema
causado pela epidemia nem fora ainda resolvido, piora com a guerra e com a reação
chinesa a seus surtos de Covid.
Quanto mais problema houver, mais Bolsonaro
será tentado a gastar para comprar seus votos. Pode ser que faça isso de modo
menos grosseiro, com subsídios e redução de impostos. Pode até se implodir,
levando junto o país, inventando gastos de calamidade ou coisa que o valha. Mas
não vai ficar parado.
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