O Globo / Folha de S. Paulo
Deve-se aos repórteres Artur Rodrigues e
Rogério Pagnan a revelação de que abriu-se a caixa-preta das maracutaias
envolvendo a concessão de rodovias de São Paulo. A Ecovias, uma das maiores
empresas do setor, reconheceu a existência de um cartel e propinas em 12
concessões entre 1998 e 2015. Em 2020, a Ecovias assinou um acordo cível com a
Promotoria paulista e aceitou devolver à Viúva R$ 650 milhões, dos quais R$ 400
milhões em obras e R$ 250 milhões em dinheiro. A empresa cobra os pedágios mais
caros do estado: R$ 30,20 para carros.
Nessa bocarra operavam pelo menos dez
parlamentares filiados a quase toda a extensão do arco partidário. Alguns deles
vendiam proteção numa comissão parlamentar de inquérito.
Dessa boa iniciativa resulta um detalhe inquietante: o Ministério Público e o Judiciário não revelam o nome do representante da Ecovias que fez um acordo de colaboração premiada. Mais: procurada, a Ecovias recusou-se a comentar a colaboração de seu representante.
Depois de ter passado pelas onipotências
lavajatistas da República de Curitiba, a turma que paga os pedágios é submetida
a um novo tipo de humilhação. Uma empresa reconhece que praticou ilícitos, topa
desembolsar R$ 650 milhões, mas não comenta. Vá lá, a paciência pública
aguenta.
Num outro patamar, o Judiciário e o
Ministério Público não revelam o nome do representante da empresa que confessou
as malfeitorias. Entre elas, o cidadão contou que, em 1º de agosto de 2014, deu
R$ 200 mil a um parlamentar. Se isso fosse pouco, vazam os nomes de pelo menos
dez parlamentares.
Quando a República de Curitiba aspergia
vazamentos seletivos, tinha a elegância de mostrar o nome do colaborador.
Ademais, havia uma certa proporcionalidade, dois terços eram empresários ou
servidores públicos, e um terço eram diretores de grandes empreiteiras. Afinal,
sem o lubrificante de empresários e dos diretores de empresas, as rodas da
corrupção enferrujam.
Em dezembro do ano passado, com autorização
da Justiça, a Polícia Federal fez uma espetaculosa operação de busca na casa do
ex-governador Ciro Gomes. O ato foi anulado pela instância superior do
Judiciário. Em janeiro, assistiu-se a outra operação de busca e apreensão em
casa de “pessoas ligadas” a Márcio França, candidato ao governo de São Paulo.
Ano eleitoral é assim mesmo, mas o que vem
aparecendo são reedições pioradas do lavajatismo que envenenou a maior
investigação de roubalheiras de sabe-se lá desde quando.
No caso da Ecovias, a curva é mais adiante.
Ela envolve as libélulas que farfalharam em torno da privataria das concessões
de estradas ao longo de pelo menos três governos de São Paulo, mais uma CPI pra
lá de esquisita. Tudo isso tramita no escurinho do andar de cima. A isso
somou-se a bizarrice do colaborador anônimo e de um vazamento que só identifica
nominalmente políticos. As empresas do cartel das concessões, bem como a
participação de cada uma delas, permanecem protegidas. Pelo que se vê, entre
1998 e 2015 havia um cartel, com seus jabaculês. Teria acabado graças à
intervenção do Arcanjo Gabriel.
Passaram-se 21 séculos desde os dias em que
o senador romano Catilina reclamava da insistência com que se abusava da
paciência alheia.
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