quarta-feira, 16 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Guerra aumentou desafio do BC no controle da inflação

O Globo

A inflação no Brasil segue em alta — o acumulado em 12 meses está em 10,54% —, e as perspectivas não são as melhores depois da invasão russa à Ucrânia. Entre 23 de fevereiro e 8 de março, preços de mercadorias cotadas em dólar no mercado futuro aumentaram de forma indiscriminada, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). O trigo subiu 45%. Petróleo, 34%. Milho, 10%. Açúcar, 5%. Alumínio, 4%. Na semana passada, a gasolina e o diesel sofreram reajuste nas refinarias.

É nesse contexto inóspito que o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelo presidente do Banco Central (BC) e por seus diretores, definirá hoje o novo valor da Selic, taxa básica de juros da economia. Desde o começo do ano passado, o BC vem elevando a Selic de forma consistente. Foram oito altas. Ela saiu de 2%, o menor nível da História, para os 10,75% anunciados em fevereiro.

Juros maiores encarecem o crédito, reduzem o consumo, diminuem a demanda e tornam os reajustes mais difíceis porque as empresas temem perder mercado. O BC precisa aumentá-los para, no jargão dos economistas, “ancorar” as expectativas do mercado. Traduzindo: evitar que empresas antecipem aumentos com base na presunção de mais inflação futura.

A escalada da Selic vinha surtindo efeito. No final de dezembro, as projeções de inflação para 2023 dos analistas ouvidos pelo BC estavam em 5%, bem acima da meta de 3,25%. Em 14 de janeiro, haviam caído para 3,40%. Mas aí eclodiu a guerra na Ucrânia, e as projeções saltaram para 3,70%. É provável que subam mais, a depender do desenrolar da crise.

A expectativa para 2024 também piorou desde que os tanques russos cruzaram a fronteira da Ucrânia. Com a deterioração do quadro, não está descartado um aumento da Selic bem acima do esperado até há pouco tempo. Mesmo assim, o impacto dos juros na queda da inflação demora (só atinge efeito máximo em seis trimestres). Por isso o mercado dá como certo que a meta deste ano, de 3,5%, não será atingida. A expectativa é que a inflação fique até mesmo bem acima do teto da meta, de 5%.

Todo o sufoco do BC para deter a alta dos preços teria sido muito mais fácil se o governo federal tivesse evitado a saída irresponsável do populismo econômico. Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas no ano passado, os repetidos ataques do Planalto ao arcabouço fiscal e seu desmantelamento pelo Congresso elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação.

A cada estocada no teto de gastos, a cada debate sobre uma nova mudança na Constituição para aumentar as despesas públicas, mais dúvidas inundavam os agentes do mercado sobre a capacidade de o governo honrar sua dívida no futuro. A instabilidade não tardou a contaminar o câmbio e alimentar a inflação.

Ninguém, obviamente, poderia prever o alcance da guerra na Europa. Mas um presidente mais preocupado com o bem-estar da população que com as suas chances eleitorais no pleito de outubro teria ajudado a preparar o Brasil melhor para eventuais riscos e emergências. Definitivamente, não foi esse o caso de Jair Bolsonaro.

Governo deve explicações sobre viagem de Carlos Bolsonaro à Rússia

O Globo

Há muitas dúvidas — e uma boa dose de especulação — sobre os motivos de o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) ter acompanhado o pai na missão oficial brasileira à Rússia dias antes da invasão à Ucrânia. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou informações a respeito, como agenda de compromissos e fonte de recursos para bancar a viagem. O senador oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP) exigiu uma investigação dos “seus reflexos sobre a integridade das eleições de 2022”.

Na visão dos oposicionistas, a presença na comitiva do filho Zero Dois do presidente Jair Bolsonaro, articulador de sua propaganda em redes sociais, e do assessor Tércio Arnaud, acusado de coordenar campanhas de desinformação por intermédio do grupo conhecido como “gabinete do ódio”, só pode ter uma explicação: a intenção de obter apoio externo para a estratégia eleitoral deste ano, tendo em vista o folclórico “know-how” russo em matéria de manipulação da opinião pública e do resultado de eleições mundo afora.

Sobre isso, só existem especulações. Do ponto de vista técnico, é inverossímil que as centrais de ataques digitais mantidas pelos russos — responsáveis, entre outras operações, pela invasão dos computadores do Comitê Nacional Democrata nas eleições americanas de 2016 —possam ter acesso ao sistema eleitoral brasileiro, que funciona numa rede própria, fora da internet.

As campanhas de desinformação, que fazem a fama da Rússia desde pelo menos os tempos de Catarina, a Grande, certamente ganharam vulto sem paralelo com a ascensão ao poder de Vladimir Putin, um ex-espião da KGB. Mas não parece haver muito que os asseclas de Putin possam ensinar ao tal “gabinete do ódio” em matéria de fake news, em particular as disseminadas por aplicativos de mensagens. Embora esteja documentado o interesse da militância bolsonarista por equipamentos de espionagem digital, as acusações da oposição padecem de substância concreta. Com razão, o governo as qualificou de “ilações”.

Isso não significa, contudo, que o caso esteja explicado. O presidente Bolsonaro afirmou que o filho dormiu em seu quarto. O Executivo informou não haver “registro de despesas” relacionadas à viagem, mas não quem as pagou. Tampouco apresentou agenda convincente para justificar a presença de Carlos e Arnaud na comitiva. O caso se torna ainda mais estranho porque, tendo como uma das principais pautas o fornecimento de fertilizantes ao Brasil, a missão nem contou com a presença da ministra Tereza Cristina, da Agricultura.

Ainda que Carlos tivesse ido apenas fazer turismo pagando do próprio bolso, a viagem de um vereador carioca na comitiva do presidente da República é injustificável. Com as suspeitas que pairam sobre ele e o “gabinete do ódio”, torna-se ainda mais relevante a apresentação de uma explicação plausível pelo governo, por Bolsonaro e por seu filho. Do contrário, só alimentarão e darão credibilidade às especulações.

Demagogia em alta

Folha de S. Paulo

Reajuste da gasolina agrava mal-estar econômico e suscita oportunismo político

O reajuste dos combustíveis causa indignação geral. É compreensível. A inflação está em alta agressiva desde o início de 2021 e em mais de 10% ao ano. O poder de compra do salário médio ainda é inferior ao registrado em fins de 2019. No ano passado, a renda per capita era similar à do distante 2010.

Programas de governo, leis e discussões deveriam ser condizentes com a gravidade da situação. É o que caberia exigir em particular da cúpula política, governante ou não. Entretanto o problema tem sido tratado com demagogia desinformada da esquerda à direita.

A começar por Jair Bolsonaro (PL), incapaz de se comportar como chefe de Estado. Segundo o presidente, a Petrobras, maior estatal do país, "não tem qualquer sensibilidade com a população". Seu principal adversário na campanha à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não ficou atrás, prometendo "abrasileirar o preço da gasolina".

O centrão também participou do alarido —a figura mais visível do bloco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), considerou o reajuste de preços um "tapa na cara" no país.

Há nas reações oportunismo político e, possivelmente, um tanto de convicções equivocadas que contribuíram para a deterioração econômica dos últimos anos.

Um mote comum foi o tabelamento de preços da Petrobras, que seguem cotações mundiais, como de resto ocorre com produtos básicos como carnes, grãos ou minérios —curiosamente, a carestia da comida não causa tanto escândalo.

Tal controle teria custos, imediatos ou em prazo mais longo. O lucro da Petrobras diminuiria, reduzindo a receita também do governo, que recebe um terço dos dividendos da companhia.

Tabelamentos inibem investimentos em aumento da capacidade produtiva, em eficiência ou em produtos alternativos, tanto os da Petrobras como de investidores privados, não apenas em energia.

Um eventual subsídio beneficiaria qualquer consumidor direto ou indireto de combustíveis. O governo faria mais dívida, pagando mais juros. É preciso debater, em caso de intervenção estatal, que alternativas serão socialmente mais efetivas, o que os críticos dos preços não parecem considerar.

No Brasil, o choque internacional de preços foi amplificado pela aguda desvalorização do real na epidemia. Endividamento público, desgoverno e prostração econômica contribuíram para tal quadro, e a guerra elevou a inflação.

Entretanto não será possível superar a crise com medidas que agravarão o problema maior da falta de crescimento. Há paliativos que podem atenuar a agrura dos mais pobres, mas mágicas com preços apenas vão piorar a situação.

Censura de volta

Folha de S. Paulo

Governo proíbe exibição de filme, em vez de debater classificação indicativa

Numa decisão que remete aos sombrios tempos da censura, o governo federal decidiu que os serviços de streaming devem suspender a exibição do filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A determinação, publicada no Diário Oficial da União nesta terça (15), partiu do Ministério da Justiça.

O motivo do veto é a alegação, insuflada por auxiliares e apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), de que a comédia, com a presença dos atores Fábio Porchat e Danilo Gentili no elenco, é obra pedófila e faz apologia do abuso sexual infantil.

A acusação se concentra numa cena em que o vilão da trama aborda dois estudantes e os convida a masturbá-lo, no que é refutado.

Entre os líderes da cruzada moralista contra o filme estão o secretário especial da Cultura, Mario Frias, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e sua colega Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

O responsável por deflagrar a polêmica nas redes sociais foi o deputado estadual pelo Ceará André Fernandes (Republicanos) —que se define como conservador, bolsonarista e armamentista.

Note-se que a comédia, só agora disponível em streaming, foi lançada nos cinemas em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB). Chamou pouca atenção na época, mas mereceu um elogio do pastor evangélico conservador Marco Feliciano, agora apagado na internet.

"Confesso que não me recordo da cena que faz apologia da pedofilia, devo ter saído para atender o telefone. Se tivesse visto, faria o que sempre fiz com outros filmes, teria denunciado", tentou explicar Feliciano, deputado federal pelo PL-SP.

No lançamento, o longa recebeu classificação indicativa para maiores de 14 anos. Segundo os manuais do site do Ministério da Justiça usados pela indústria audiovisual, conteúdos com indução de alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual não são recomendados para crianças e adolescentes abaixo dessa faixa.

Já no caso de cenas com atos de pedofilia, consta a indicação para maiores de 16 anos.

Pode-se, certamente, considerar legítima a divergência sobre a faixa indicativa (se 14 ou 16 anos) e a interpretação do conteúdo da cena, se seria indução a exploração sexual ou pedofilia. Inadmissível é o governo proibir a exibição do filme. Tal decisão, sem amparo constitucional, é um retrocesso obscurantista e precisa ser revertida.

O ‘papel social’ do dinheiro público

O Estado de S. Paulo.

Políticos cobram responsabilidade social da petrolífera, mas esquecem o papel social dos bilhões queimados no Orçamento

Pode custar R$ 27 bilhões a nova bondade proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, o corte de tributos cobrados sobre a gasolina. Dedicado em tempo integral à caça de votos, ele conduz a mais cara campanha eleitoral deste ano, provavelmente a mais cara da história brasileira. Empresas são proibidas de financiar candidaturas, mas limitações desse tipo são dificilmente aplicáveis ao Tesouro público. Parlamentares destinaram R$ 4,9 bilhões ao Fundo Eleitoral, multiplicando por 2,5 o valor aprovado para as últimas eleições. Pode ter sido escandalosa, mas foi uma decisão legal. Ações eleitoreiras de interesse do presidente podem ser ainda mais custosas, tanto pelos efeitos fiscais quanto pelas consequências econômicas mais difusas.

Populismo, irresponsabilidade e imediatismo têm marcado as ações do presidente Bolsonaro e da maior parte dos congressistas, no esforço de sedução de eleitores. Atacar a Petrobras, numa encenação de cuidado com os consumidores, tem sido quase um ritual obrigatório. Depois de manter preços inalterados por 57 dias, a estatal anunciou grandes aumentos, na semana passada, quando os efeitos econômicos da invasão da Ucrânia já atingiam as cotações internacionais do petróleo e de alimentos.

A decisão, normalíssima na atividade empresarial, criou o cenário para novas manifestações populistas. Segundo o presidente da República, faltou sensibilidade aos dirigentes da Petrobras. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aproveitou a ocasião para se mostrar preocupado com os consumidores, também qualificáveis, nessas ocasiões, como eleitores. O senador cobrou “responsabilidade social” da empresa e criticou seus lucros. A Petrobras, segundo ele, tem tido o triplo da lucratividade das concorrentes e tem distribuído dividendos bilionários.

“Óbvio que é muito bom que isso aconteça, mas não pode acontecer em prejuízo da população brasileira que abastece seus veículos ou que precisa de transporte coletivo”, disse o senador, numa divertida tentativa de equilibrismo.

Ele teria dado uma contribuição mais notável se houvesse explicado o tal “papel social” da Petrobras e os limites desejáveis de sua lucratividade. Poderia, talvez, ter ajudado a entender as condições da correta administração de uma empresa de capital aberto com as características da maior companhia brasileira do setor de petróleo.

O maior acionista da Petrobras é o Estado brasileiro, mas a maior parte das ações pertence, de forma pulverizada, a investidores domiciliados no Brasil e no exterior. Seria bom, talvez, o presidente do Senado explicar a esses acionistas se eles podem torcer legitimamente por altos lucros e gordos dividendos ou se deveriam, em atenção a seus interesses privados, aplicar dinheiro em outra empresa.

O Brasil ganharia muito mais, e perderia muito menos, se o senador Rodrigo Pacheco, seus companheiros e o presidente Bolsonaro cuidassem menos do “papel social” da Petrobras e pensassem mais no “papel social” do governo e do dinheiro público. Seriam muito mais comedidos ao programar o Fundo Eleitoral. Nunca teriam criado o infame orçamento secreto, uma forma de operar fora do controle dos pagadores de impostos e dos mais legítimos credores das atenções do poder estatal. Não destinariam bilhões, por meio de emendas, a interesses particulares, incluídos seus interesses eleitorais, tão privados quanto os de qualquer investidor do mercado de ações, porém às vezes menos legítimos.

Se pensassem mais no valor social do dinheiro público, buscariam, diante do surto inflacionário, formas de ajuda aos mais necessitados, por meio de programas bem desenhados e dirigidos a grupos bem definidos. Evitariam desperdiçar recursos e nunca pensariam em violentar os padrões federativos, interferindo na tributação estadual e na capacidade dos governos de Estados e municípios de prestar os serviços devidos a seu público. Para isso, no entanto, precisariam entender as obrigações, muito mais que as prerrogativas, de quem ocupa cargos públicos em Brasília. Quantos iriam tão longe?

Lula vai esconder o PT, de novo

O Estado de S. Paulo.

Como em outras campanhas, Lula deseja esconder o PT e seus escândalos do eleitor. Não cabe negacionismo histórico. Não há PT sem Lula, não há Lula sem PT

A cada nova eleição, mudam as circunstâncias políticas, mas a tática de Luiz Inácio Lula da Silva continua sendo a mesma de todas as disputas anteriores: esconder o PT do eleitor. A todo custo, deseja-se evitar que a população perceba a relação óbvia e inexorável entre a legenda e seus candidatos, como se o voto em um petista pudesse não significar apoio ao retorno do PT ao poder. O que é mais constrangedor – a revelar o alto teor tóxico da legenda, com seus múltiplos e indigestos escândalos – é que o próprio Lula, fundador e autocrata do PT, tenta esconder a legenda em sua campanha eleitoral.

Segundo relatou reportagem do Estadão, a ordem na campanha lulista para a Presidência da República é “investir na marca Lula, e não na imagem do PT”. Eis o instinto de sobrevivência política de Lula em funcionamento. Por mais que apareça em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, o líder petista tem consciência de sua fragilidade perante o histórico do PT. Não há espaço para ilusões ingênuas. A história da legenda é abundantemente conturbada para que alguém queira apresentá-la ou defendê-la na campanha. O atalho possível é tentar escondê-la.

Foi assim na campanha presidencial de 2018. O candidato Fernando Haddad – aquele que fez as vezes de Lula, então preso em Curitiba e inelegível por força da Lei da Ficha Limpa – tinha tanta vergonha do PT que não apenas escondeu o nome da legenda que o inventara como candidato a presidente da República, como ocultou, sempre que pôde, a cor vermelha do material de campanha eleitoral. Sem especiais pudores ideológicos e, principalmente, sem aquela relação de transparência que se espera que os candidatos tenham com o eleitor, Fernando Haddad trocou o vermelho petista por um comportado azul centrista. Mas, como se sabe, isso era apenas uma manobra para confundir o eleitorado. Fosse qual fosse a cor usada, Fernando Haddad era apenas e tão somente o poste lulopetista.

Nas eleições municipais de 2020, o PT usou a mesma tática, mas não teve jeito. Atento à filiação partidária dos candidatos, o eleitor deu à legenda petista um dos piores resultados eleitorais de sua história. No País inteiro, o PT conquistou apenas 182 prefeituras, ficando atrás, em número de prefeitos eleitos, de MDB (783 prefeitos), Progressistas (687 prefeitos), PSD (654 prefeitos), PSDB (521 prefeitos) e DEM (466 prefeitos). Esse é o apreço do eleitorado à agremiação que, sob a firme e incontestável liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, criou, entre outros feitos, o mensalão, o petrolão e a gestão Dilma Rousseff.

Agora, o líder petista recorre à mesma manobra, buscando que sua legenda não apareça no campo de visão do eleitor. A desfaçatez continua exatamente igual, apenas mudou a desculpa. Em 2022, Lula já não estaria interessado em apresentar-se como candidato de um partido à Presidência da República, e sim como – nada mais nada menos – a grande liderança de “um movimento para reconstruir a democracia”. Dessa forma, não seria necessário mencionar o PT na campanha.

Haja engodo. A vergonha de Lula de mostrar o PT ao eleitor é tratada como se fosse um gesto em defesa da democracia. Depois do embuste bolsonarista no governo federal, o País precisa de um mínimo de respeito com a população e com os próprios fatos. Não cabe negacionismo histórico. Não há PT sem Lula, como não há Lula sem PT.

A trajetória política de Lula é indissociável da história do PT. Os erros da legenda não são capítulos pretéritos que podem ser escondidos ou esquecidos. Lula tem muito a explicar ao País. Não basta dizer que suas ações penais prescreveram ou que a 13.ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar as denúncias contra ele. O PT tem um histórico de incompetência, irresponsabilidade, aparelhamento e corrupção a exigir esclarecimento.

Lula fala em democracia, mas usa táticas ilusionistas para evitar que o eleitor o responsabilize pelos escândalos de sua legenda. Democracia não é regime de esquecimento, e sim de memória e responsabilidade.

Conflito traz inflação maior e crescimento menor

Valor Econômico

O equilíbrio possível será instável e ruim: juros maiores com inflação resistente e acima das metas

O terremoto geopolítico da invasão da Ucrânia pela Rússia destruiu todos os cenários otimistas sobre o comportamento da economia global no futuro próximo. As ações políticas passaram a ter a primazia, ampliando em grau preocupante as incertezas em um terreno no qual os mercados financeiros navegam sem instrumentos confiáveis de direção. Assim, a possibilidade de uma recessão americana, por exemplo, ressurgiu nas expectativas dos investidores, embora com probabilidade menor, mas não desprezível. O efeito bumerangue do cerco financeiro à Rússia ainda não se manifestou e pode ser considerável.

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De imediato, o desenrolar da guerra em território ucraniano sugere que a Rússia poderá ocupar o país ou entregar seu comando a um aliado que garanta sua fidelidade aos desígnios de Putin. As falhas da invasão russa não a impedem de uma vitória sangrenta e de alto custo, mas de todo modo uma vitória. O preço dessa aventura Putin já paga com um cerco financeiro jamais visto na história, com o sequestro de metade de suas reservas de US$ 650 bilhões e seu cancelamento como parceiro comercial das principais economias desenvolvidas - exceto China.

A guerra potencializou todas as adversidades acumuladas em dois anos de pandemia e acrescentou novas. A inflação, que já vinha em alta desde antes da aventura militar russa, ganhou novo impulso, e talvez mais persistência, com o bloqueio financeiro à Rússia e às compras de petróleo e gás natural, das quais a Europa é dependente. O papel importante da Rússia na produção de fertilizantes e, com a Ucrânia, na produção de trigo, jogou para cima os preços das commodities agrícolas.

Como os infortúnios nunca vem sozinhos, a maior onda de covid-19 desde o início da pandemia percorre de volta o solo chinês. O governo de Xi Jinping segue com seu tratamento de choque e um dos principais centros da tecnologia e manufatura eletrônica, Shenzen, além de outras regiões, estão em lockdown. Os efeitos dessa paralisia sobre as cadeias de produção, que não haviam ainda se recuperado do baque sofrido com a pandemia, são preocupantes. O risco de paralisia dos portos de Xangai e Shenzen, o primeiro e o quarto maiores do mundo, com interrupção de fluxo vital de mercadorias, cresceu.

Os desafios para as economias desenvolvidas e emergentes tornaram-se parecidos. Os choques da guerra acirraram uma inflação que já se encontrava em nível nunca visto em quatro décadas nos Estados Unidos e Europa, e era alta mesmo para os padrões de alguns países emergentes, como o Brasil. A perturbação do comércio global, por seu lado, vai desacelerar o crescimento em toda parte.

Para um cenário pessimista, faltam as turbulências financeiras, que devem vir com um provável calote da dívida de governos e empresas da Rússia. O isolamento da Rússia do sistema financeiro deixa sem lastro em dólares todos os papéis russos negociados internacionalmente, o que espalhará prejuízos a boa parcela de investidores. A ajuda que a China prometeu à Rússia para mitigar os efeitos das sanções é crucial, mas insuficiente.

Os principais bancos centrais, o Fed americano e o BCE, postergaram o combate à inflação temendo incorrer nos erros anteriores de abortar a recuperação. Agora serão obrigados a enfrentar a alta dos preços em uma situação muito menos favorável, pois a desaceleração econômica será inevitável - tanto pelos efeitos da política monetária quanto pelos da guerra. Adicionalmente, juros em alta põe em dúvida a capacidade de pagamentos de países muito endividados, em um momento de incerteza generalizada e perdas para alguns segmentos do mercado.

É muito provável que os BCs tolerem inflação maior porque não lhes resta muita opção. Elevar muito os juros terá influência limitada sobre os preços, que estão sendo movidos por choques brutais de oferta de alimentos e energia, propagadores inflacionários por excelência. Como a economia global tende a desacelerar, uma parte importante da tarefa atribuída à política monetária não terá de ser feita. Mas o equilíbrio possível será instável e ruim: juros maiores com inflação resistente e acima das metas.

Esses são os problemas econômicos de curto prazo. Os de longo prazo são ainda mais intrincados e podem envolver uma ruptura do sistema global, com uma aliança entre Rússia e China consolidando um sistema multipolar em que a segurança política terá primazia na alocação da oferta global.

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