EDITORIAIS
Guerra aumentou desafio do BC no controle
da inflação
O Globo
A inflação no Brasil segue em alta — o
acumulado em 12 meses está em 10,54% —, e as perspectivas não são as melhores
depois da invasão russa à Ucrânia. Entre 23 de fevereiro e 8 de março, preços
de mercadorias cotadas em dólar no mercado futuro aumentaram de forma
indiscriminada, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). O trigo
subiu 45%. Petróleo, 34%. Milho, 10%. Açúcar, 5%. Alumínio, 4%. Na semana
passada, a gasolina e o diesel sofreram reajuste nas refinarias.
É nesse contexto inóspito que o Comitê de
Política Monetária (Copom), formado pelo presidente do Banco Central (BC) e por
seus diretores, definirá hoje o novo valor da Selic, taxa básica de juros da
economia. Desde o começo do ano passado, o BC vem elevando a Selic de forma
consistente. Foram oito altas. Ela saiu de 2%, o menor nível da História, para
os 10,75% anunciados em fevereiro.
Juros maiores encarecem o crédito, reduzem o consumo, diminuem a demanda e tornam os reajustes mais difíceis porque as empresas temem perder mercado. O BC precisa aumentá-los para, no jargão dos economistas, “ancorar” as expectativas do mercado. Traduzindo: evitar que empresas antecipem aumentos com base na presunção de mais inflação futura.
A escalada da Selic vinha surtindo efeito.
No final de dezembro, as projeções de inflação para 2023 dos analistas ouvidos
pelo BC estavam em 5%, bem acima da meta de 3,25%. Em 14 de janeiro, haviam
caído para 3,40%. Mas aí eclodiu a guerra na Ucrânia, e as projeções saltaram
para 3,70%. É provável que subam mais, a depender do desenrolar da crise.
A expectativa para 2024 também piorou desde
que os tanques russos cruzaram a fronteira da Ucrânia. Com a deterioração do
quadro, não está descartado um aumento da Selic bem acima do esperado até há
pouco tempo. Mesmo assim, o impacto dos juros na queda da inflação demora (só
atinge efeito máximo em seis trimestres). Por isso o mercado dá como certo que
a meta deste ano, de 3,5%, não será atingida. A expectativa é que a inflação
fique até mesmo bem acima do teto da meta, de 5%.
Todo o sufoco do BC para deter a alta dos
preços teria sido muito mais fácil se o governo federal tivesse evitado a saída
irresponsável do populismo econômico. Apesar do desempenho mais positivo das
contas públicas no ano passado, os repetidos ataques do Planalto ao arcabouço
fiscal e seu desmantelamento pelo Congresso elevaram o risco de desancoragem
das expectativas de inflação.
A cada estocada no teto de gastos, a cada
debate sobre uma nova mudança na Constituição para aumentar as despesas
públicas, mais dúvidas inundavam os agentes do mercado sobre a capacidade de o
governo honrar sua dívida no futuro. A instabilidade não tardou a contaminar o
câmbio e alimentar a inflação.
Ninguém, obviamente, poderia prever o
alcance da guerra na Europa. Mas um presidente mais preocupado com o bem-estar
da população que com as suas chances eleitorais no pleito de outubro teria
ajudado a preparar o Brasil melhor para eventuais riscos e emergências.
Definitivamente, não foi esse o caso de Jair Bolsonaro.
Governo deve explicações sobre viagem de
Carlos Bolsonaro à Rússia
O Globo
Há muitas dúvidas — e uma boa dose de especulação — sobre os motivos de o
vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) ter acompanhado o pai na missão
oficial brasileira à Rússia dias antes da invasão à Ucrânia. O ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou informações a
respeito, como agenda de compromissos e fonte de recursos para bancar a viagem.
O senador oposicionista Randolfe Rodrigues (Rede-AP) exigiu uma investigação
dos “seus reflexos sobre a integridade das eleições de 2022”.
Na visão dos oposicionistas, a presença na
comitiva do filho Zero Dois do presidente Jair Bolsonaro, articulador de sua
propaganda em redes sociais, e do assessor Tércio Arnaud, acusado de coordenar
campanhas de desinformação por intermédio do grupo conhecido como “gabinete do
ódio”, só pode ter uma explicação: a intenção de obter apoio externo para a
estratégia eleitoral deste ano, tendo em vista o folclórico “know-how” russo em
matéria de manipulação da opinião pública e do resultado de eleições mundo
afora.
Sobre isso, só existem especulações. Do
ponto de vista técnico, é inverossímil que as centrais de ataques digitais
mantidas pelos russos — responsáveis, entre outras operações, pela invasão dos
computadores do Comitê Nacional Democrata nas eleições americanas de 2016
—possam ter acesso ao sistema eleitoral brasileiro, que funciona numa rede
própria, fora da internet.
As campanhas de desinformação, que fazem a
fama da Rússia desde pelo menos os tempos de Catarina, a Grande, certamente
ganharam vulto sem paralelo com a ascensão ao poder de Vladimir Putin, um
ex-espião da KGB. Mas não parece haver muito que os asseclas de Putin possam
ensinar ao tal “gabinete do ódio” em matéria de fake news, em particular as
disseminadas por aplicativos de mensagens. Embora esteja documentado o
interesse da militância bolsonarista por equipamentos de espionagem digital, as
acusações da oposição padecem de substância concreta. Com razão, o governo as
qualificou de “ilações”.
Isso não significa, contudo, que o caso esteja
explicado. O presidente Bolsonaro afirmou que o filho dormiu em seu quarto. O
Executivo informou não haver “registro de despesas” relacionadas à viagem, mas
não quem as pagou. Tampouco apresentou agenda convincente para justificar a
presença de Carlos e Arnaud na comitiva. O caso se torna ainda mais estranho
porque, tendo como uma das principais pautas o fornecimento de fertilizantes ao
Brasil, a missão nem contou com a presença da ministra Tereza Cristina, da
Agricultura.
Ainda que Carlos tivesse ido apenas fazer
turismo pagando do próprio bolso, a viagem de um vereador carioca na comitiva
do presidente da República é injustificável. Com as suspeitas que pairam sobre
ele e o “gabinete do ódio”, torna-se ainda mais relevante a apresentação de uma
explicação plausível pelo governo, por Bolsonaro e por seu filho. Do contrário,
só alimentarão e darão credibilidade às especulações.
Demagogia em alta
Folha de S. Paulo
Reajuste da gasolina agrava mal-estar
econômico e suscita oportunismo político
O
reajuste dos combustíveis causa indignação geral. É compreensível. A
inflação está em alta agressiva desde o início de 2021 e em mais de 10% ao ano.
O poder de compra do salário médio ainda é inferior ao registrado em fins de
2019. No ano passado, a renda per capita era similar à do distante 2010.
Programas de governo, leis e discussões
deveriam ser condizentes com a gravidade da situação. É o que caberia exigir em
particular da cúpula política, governante ou não. Entretanto o problema tem
sido tratado com demagogia desinformada da esquerda à direita.
A começar por Jair Bolsonaro (PL), incapaz
de se comportar como chefe de Estado. Segundo o presidente, a Petrobras, maior
estatal do país, "não
tem qualquer sensibilidade com a população". Seu principal adversário
na campanha à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não ficou atrás,
prometendo "abrasileirar o preço da gasolina".
O centrão também participou do alarido —a
figura mais visível do bloco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), considerou o reajuste de preços um "tapa na cara" no país.
Há nas reações oportunismo político e,
possivelmente, um tanto de convicções equivocadas que contribuíram para a
deterioração econômica dos últimos anos.
Um mote comum foi o tabelamento de preços
da Petrobras, que seguem cotações mundiais, como de resto ocorre com produtos
básicos como carnes, grãos ou minérios —curiosamente, a carestia da comida não
causa tanto escândalo.
Tal controle teria custos, imediatos ou em
prazo mais longo. O lucro da Petrobras diminuiria, reduzindo a receita também
do governo, que recebe um terço dos dividendos da companhia.
Tabelamentos inibem investimentos em
aumento da capacidade produtiva, em eficiência ou em produtos alternativos,
tanto os da Petrobras como de investidores privados, não apenas em energia.
Um eventual subsídio beneficiaria qualquer
consumidor direto ou indireto de combustíveis. O governo faria mais dívida,
pagando mais juros. É preciso debater, em caso de intervenção estatal, que
alternativas serão socialmente mais efetivas, o que os críticos dos preços não
parecem considerar.
No Brasil, o choque internacional de preços
foi amplificado pela aguda desvalorização do real na epidemia. Endividamento
público, desgoverno e prostração econômica contribuíram para tal quadro, e a
guerra elevou a inflação.
Entretanto não será possível superar a
crise com medidas que agravarão o problema maior da falta de crescimento. Há
paliativos que podem atenuar a agrura dos mais pobres, mas mágicas com preços
apenas vão piorar a situação.
Censura de volta
Folha de S. Paulo
Governo proíbe exibição de filme, em vez de
debater classificação indicativa
Numa decisão que remete
aos sombrios tempos da censura, o governo federal decidiu que os serviços
de streaming devem suspender a exibição do filme "Como Se Tornar o Pior
Aluno da Escola", sob pena de multa diária de R$ 50 mil. A determinação,
publicada no Diário Oficial da União nesta terça (15), partiu do Ministério da
Justiça.
O motivo do veto é a alegação, insuflada
por auxiliares e apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), de que a comédia, com a
presença dos atores Fábio Porchat e Danilo Gentili no elenco, é obra pedófila e
faz apologia do abuso sexual infantil.
A acusação se concentra numa cena em que o
vilão da trama aborda dois estudantes e os convida a masturbá-lo, no que é
refutado.
Entre os líderes da cruzada moralista
contra o filme estão o secretário especial da Cultura, Mario Frias, o ministro
da Justiça, Anderson Torres, e sua colega Damares Alves, ministra da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos.
O responsável por deflagrar a polêmica nas
redes sociais foi o deputado estadual pelo Ceará André Fernandes (Republicanos)
—que se define como conservador, bolsonarista e armamentista.
Note-se que a comédia, só agora disponível
em streaming, foi lançada nos cinemas em 2017, durante o governo de Michel
Temer (MDB). Chamou pouca atenção na época, mas mereceu um elogio do pastor
evangélico conservador Marco Feliciano, agora apagado na internet.
"Confesso que não me recordo da cena
que faz apologia da pedofilia, devo ter saído para atender o telefone. Se
tivesse visto, faria o que sempre fiz com outros filmes, teria
denunciado", tentou explicar Feliciano, deputado federal pelo PL-SP.
No lançamento, o longa recebeu
classificação indicativa para maiores de 14 anos. Segundo os manuais do site do
Ministério da Justiça usados pela indústria audiovisual, conteúdos com indução
de alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual não são
recomendados para crianças e adolescentes abaixo dessa faixa.
Já no caso de cenas com atos de pedofilia,
consta a indicação para maiores de 16 anos.
Pode-se, certamente, considerar legítima a
divergência sobre a faixa indicativa (se 14 ou 16 anos) e a interpretação do
conteúdo da cena, se seria indução a exploração sexual ou pedofilia.
Inadmissível é o governo proibir a exibição do filme. Tal decisão, sem amparo
constitucional, é um retrocesso obscurantista e precisa ser revertida.
O ‘papel social’ do dinheiro público
O Estado de S. Paulo.
Políticos cobram responsabilidade social da
petrolífera, mas esquecem o papel social dos bilhões queimados no Orçamento
Pode custar R$ 27 bilhões a nova bondade
proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, o corte de tributos cobrados sobre a
gasolina. Dedicado em tempo integral à caça de votos, ele conduz a mais cara
campanha eleitoral deste ano, provavelmente a mais cara da história brasileira.
Empresas são proibidas de financiar candidaturas, mas limitações desse tipo são
dificilmente aplicáveis ao Tesouro público. Parlamentares destinaram R$ 4,9
bilhões ao Fundo Eleitoral, multiplicando por 2,5 o valor aprovado para as
últimas eleições. Pode ter sido escandalosa, mas foi uma decisão legal. Ações eleitoreiras
de interesse do presidente podem ser ainda mais custosas, tanto pelos efeitos
fiscais quanto pelas consequências econômicas mais difusas.
Populismo, irresponsabilidade e imediatismo
têm marcado as ações do presidente Bolsonaro e da maior parte dos
congressistas, no esforço de sedução de eleitores. Atacar a Petrobras, numa
encenação de cuidado com os consumidores, tem sido quase um ritual obrigatório.
Depois de manter preços inalterados por 57 dias, a estatal anunciou grandes
aumentos, na semana passada, quando os efeitos econômicos da invasão da Ucrânia
já atingiam as cotações internacionais do petróleo e de alimentos.
A decisão, normalíssima na atividade
empresarial, criou o cenário para novas manifestações populistas. Segundo o
presidente da República, faltou sensibilidade aos dirigentes da Petrobras. O
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aproveitou a ocasião para se mostrar
preocupado com os consumidores, também qualificáveis, nessas ocasiões, como
eleitores. O senador cobrou “responsabilidade social” da empresa e criticou
seus lucros. A Petrobras, segundo ele, tem tido o triplo da lucratividade das
concorrentes e tem distribuído dividendos bilionários.
“Óbvio que é muito bom que isso aconteça,
mas não pode acontecer em prejuízo da população brasileira que abastece seus
veículos ou que precisa de transporte coletivo”, disse o senador, numa
divertida tentativa de equilibrismo.
Ele teria dado uma contribuição mais
notável se houvesse explicado o tal “papel social” da Petrobras e os limites
desejáveis de sua lucratividade. Poderia, talvez, ter ajudado a entender as
condições da correta administração de uma empresa de capital aberto com as
características da maior companhia brasileira do setor de petróleo.
O maior acionista da Petrobras é o Estado
brasileiro, mas a maior parte das ações pertence, de forma pulverizada, a
investidores domiciliados no Brasil e no exterior. Seria bom, talvez, o
presidente do Senado explicar a esses acionistas se eles podem torcer
legitimamente por altos lucros e gordos dividendos ou se deveriam, em atenção a
seus interesses privados, aplicar dinheiro em outra empresa.
O Brasil ganharia muito mais, e perderia
muito menos, se o senador Rodrigo Pacheco, seus companheiros e o presidente
Bolsonaro cuidassem menos do “papel social” da Petrobras e pensassem mais no
“papel social” do governo e do dinheiro público. Seriam muito mais comedidos ao
programar o Fundo Eleitoral. Nunca teriam criado o infame orçamento secreto,
uma forma de operar fora do controle dos pagadores de impostos e dos mais
legítimos credores das atenções do poder estatal. Não destinariam bilhões, por
meio de emendas, a interesses particulares, incluídos seus interesses
eleitorais, tão privados quanto os de qualquer investidor do mercado de ações,
porém às vezes menos legítimos.
Se pensassem mais no valor social do
dinheiro público, buscariam, diante do surto inflacionário, formas de ajuda aos
mais necessitados, por meio de programas bem desenhados e dirigidos a grupos
bem definidos. Evitariam desperdiçar recursos e nunca pensariam em violentar os
padrões federativos, interferindo na tributação estadual e na capacidade dos
governos de Estados e municípios de prestar os serviços devidos a seu público.
Para isso, no entanto, precisariam entender as obrigações, muito mais que as
prerrogativas, de quem ocupa cargos públicos em Brasília. Quantos iriam tão
longe?
Lula vai esconder o PT, de novo
O Estado de S. Paulo.
Como em outras campanhas, Lula deseja
esconder o PT e seus escândalos do eleitor. Não cabe negacionismo histórico.
Não há PT sem Lula, não há Lula sem PT
A cada nova eleição, mudam as
circunstâncias políticas, mas a tática de Luiz Inácio Lula da Silva continua
sendo a mesma de todas as disputas anteriores: esconder o PT do eleitor. A todo
custo, deseja-se evitar que a população perceba a relação óbvia e inexorável
entre a legenda e seus candidatos, como se o voto em um petista pudesse não
significar apoio ao retorno do PT ao poder. O que é mais constrangedor – a
revelar o alto teor tóxico da legenda, com seus múltiplos e indigestos
escândalos – é que o próprio Lula, fundador e autocrata do PT, tenta esconder a
legenda em sua campanha eleitoral.
Segundo relatou reportagem do Estadão, a
ordem na campanha lulista para a Presidência da República é “investir na marca
Lula, e não na imagem do PT”. Eis o instinto de sobrevivência política de Lula
em funcionamento. Por mais que apareça em primeiro lugar nas pesquisas de
intenção de voto, o líder petista tem consciência de sua fragilidade perante o
histórico do PT. Não há espaço para ilusões ingênuas. A história da legenda é
abundantemente conturbada para que alguém queira apresentá-la ou defendê-la na
campanha. O atalho possível é tentar escondê-la.
Foi assim na campanha presidencial de 2018.
O candidato Fernando Haddad – aquele que fez as vezes de Lula, então preso em
Curitiba e inelegível por força da Lei da Ficha Limpa – tinha tanta vergonha do
PT que não apenas escondeu o nome da legenda que o inventara como candidato a
presidente da República, como ocultou, sempre que pôde, a cor vermelha do
material de campanha eleitoral. Sem especiais pudores ideológicos e,
principalmente, sem aquela relação de transparência que se espera que os
candidatos tenham com o eleitor, Fernando Haddad trocou o vermelho petista por
um comportado azul centrista. Mas, como se sabe, isso era apenas uma manobra
para confundir o eleitorado. Fosse qual fosse a cor usada, Fernando Haddad era
apenas e tão somente o poste lulopetista.
Nas eleições municipais de 2020, o PT usou
a mesma tática, mas não teve jeito. Atento à filiação partidária dos
candidatos, o eleitor deu à legenda petista um dos piores resultados eleitorais
de sua história. No País inteiro, o PT conquistou apenas 182 prefeituras,
ficando atrás, em número de prefeitos eleitos, de MDB (783 prefeitos),
Progressistas (687 prefeitos), PSD (654 prefeitos), PSDB (521 prefeitos) e DEM
(466 prefeitos). Esse é o apreço do eleitorado à agremiação que, sob a firme e
incontestável liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, criou, entre outros feitos,
o mensalão, o petrolão e a gestão Dilma Rousseff.
Agora, o líder petista recorre à mesma
manobra, buscando que sua legenda não apareça no campo de visão do eleitor. A
desfaçatez continua exatamente igual, apenas mudou a desculpa. Em 2022, Lula já
não estaria interessado em apresentar-se como candidato de um partido à
Presidência da República, e sim como – nada mais nada menos – a grande
liderança de “um movimento para reconstruir a democracia”. Dessa forma, não
seria necessário mencionar o PT na campanha.
Haja engodo. A vergonha de Lula de mostrar
o PT ao eleitor é tratada como se fosse um gesto em defesa da democracia.
Depois do embuste bolsonarista no governo federal, o País precisa de um mínimo
de respeito com a população e com os próprios fatos. Não cabe negacionismo
histórico. Não há PT sem Lula, como não há Lula sem PT.
A trajetória política de Lula é
indissociável da história do PT. Os erros da legenda não são capítulos
pretéritos que podem ser escondidos ou esquecidos. Lula tem muito a explicar ao
País. Não basta dizer que suas ações penais prescreveram ou que a 13.ª Vara
Federal de Curitiba era incompetente para julgar as denúncias contra ele. O PT
tem um histórico de incompetência, irresponsabilidade, aparelhamento e
corrupção a exigir esclarecimento.
Lula fala em democracia, mas usa táticas
ilusionistas para evitar que o eleitor o responsabilize pelos escândalos de sua
legenda. Democracia não é regime de esquecimento, e sim de memória e
responsabilidade.
Conflito traz inflação maior e crescimento
menor
Valor Econômico
O equilíbrio possível será instável e ruim:
juros maiores com inflação resistente e acima das metas
O terremoto geopolítico da invasão da
Ucrânia pela Rússia destruiu todos os cenários otimistas sobre o comportamento
da economia global no futuro próximo. As ações políticas passaram a ter a
primazia, ampliando em grau preocupante as incertezas em um terreno no qual os
mercados financeiros navegam sem instrumentos confiáveis de direção. Assim, a
possibilidade de uma recessão americana, por exemplo, ressurgiu nas
expectativas dos investidores, embora com probabilidade menor, mas não
desprezível. O efeito bumerangue do cerco financeiro à Rússia ainda não se
manifestou e pode ser considerável.
Thank you for watching
De imediato, o desenrolar da guerra em
território ucraniano sugere que a Rússia poderá ocupar o país ou entregar seu
comando a um aliado que garanta sua fidelidade aos desígnios de Putin. As
falhas da invasão russa não a impedem de uma vitória sangrenta e de alto custo,
mas de todo modo uma vitória. O preço dessa aventura Putin já paga com um cerco
financeiro jamais visto na história, com o sequestro de metade de suas reservas
de US$ 650 bilhões e seu cancelamento como parceiro comercial das principais
economias desenvolvidas - exceto China.
A guerra potencializou todas as
adversidades acumuladas em dois anos de pandemia e acrescentou novas. A
inflação, que já vinha em alta desde antes da aventura militar russa, ganhou
novo impulso, e talvez mais persistência, com o bloqueio financeiro à Rússia e
às compras de petróleo e gás natural, das quais a Europa é dependente. O papel
importante da Rússia na produção de fertilizantes e, com a Ucrânia, na produção
de trigo, jogou para cima os preços das commodities agrícolas.
Como os infortúnios nunca vem sozinhos, a
maior onda de covid-19 desde o início da pandemia percorre de volta o solo
chinês. O governo de Xi Jinping segue com seu tratamento de choque e um dos
principais centros da tecnologia e manufatura eletrônica, Shenzen, além de
outras regiões, estão em lockdown. Os efeitos dessa paralisia sobre as cadeias
de produção, que não haviam ainda se recuperado do baque sofrido com a
pandemia, são preocupantes. O risco de paralisia dos portos de Xangai e
Shenzen, o primeiro e o quarto maiores do mundo, com interrupção de fluxo vital
de mercadorias, cresceu.
Os desafios para as economias desenvolvidas
e emergentes tornaram-se parecidos. Os choques da guerra acirraram uma inflação
que já se encontrava em nível nunca visto em quatro décadas nos Estados Unidos
e Europa, e era alta mesmo para os padrões de alguns países emergentes, como o
Brasil. A perturbação do comércio global, por seu lado, vai desacelerar o
crescimento em toda parte.
Para um cenário pessimista, faltam as
turbulências financeiras, que devem vir com um provável calote da dívida de
governos e empresas da Rússia. O isolamento da Rússia do sistema financeiro
deixa sem lastro em dólares todos os papéis russos negociados
internacionalmente, o que espalhará prejuízos a boa parcela de investidores. A
ajuda que a China prometeu à Rússia para mitigar os efeitos das sanções é
crucial, mas insuficiente.
Os principais bancos centrais, o Fed
americano e o BCE, postergaram o combate à inflação temendo incorrer nos erros
anteriores de abortar a recuperação. Agora serão obrigados a enfrentar a alta
dos preços em uma situação muito menos favorável, pois a desaceleração
econômica será inevitável - tanto pelos efeitos da política monetária quanto
pelos da guerra. Adicionalmente, juros em alta põe em dúvida a capacidade de
pagamentos de países muito endividados, em um momento de incerteza generalizada
e perdas para alguns segmentos do mercado.
É muito provável que os BCs tolerem
inflação maior porque não lhes resta muita opção. Elevar muito os juros terá
influência limitada sobre os preços, que estão sendo movidos por choques
brutais de oferta de alimentos e energia, propagadores inflacionários por
excelência. Como a economia global tende a desacelerar, uma parte importante da
tarefa atribuída à política monetária não terá de ser feita. Mas o equilíbrio
possível será instável e ruim: juros maiores com inflação resistente e acima
das metas.
Esses são os problemas econômicos de curto prazo. Os de longo prazo são ainda mais intrincados e podem envolver uma ruptura do sistema global, com uma aliança entre Rússia e China consolidando um sistema multipolar em que a segurança política terá primazia na alocação da oferta global.
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