Alas das Forças Armadas e dos partidos com representação no Congresso, sobretudo da UDN, bem como segmentos do empresariado, apostavam num impasse político-institucional que levasse à deposição do presidente João Goulart e à instauração de um regime autoritário. Mas uns e outros não tinham peso suficiente – militar, social e econômico – para lograrem por si próprios tais objetivos. Como se evidenciara em 1961 com a solução democrática negociada após a renúncia de Jânio Quadros.
O que, na verdade, os viabilizou foram o descontrole inflacionário, a descontinuidade e inconsistência da equipe governamental e seus projetos de manter-se no poder através da reeleição de Jango ou, ainda mais desafiador, da ascensão de Leonel Brizola, em ambos os casos por meio de mudanças casuísticas na Constituição.
Tudo isso processando-se e sendo buscado num cenário de radicalização, balizada pelos parâmetros ideológicos e políticos da guerra fria. Do “perigo vermelho”, exacerbado nos planos internacional e doméstico, do anti-imperialismo leninista do Partidão, do anticapitalismo dos grupos mais à esquerda dele, da sedução guerrilheira renovada pe-la revolução cubana.
Nesse contexto, a combinação da crise econômica (disparada da inflação, escalada do grevismo nos portos, ferrovias, bancos; e do ambiente hostil aos investimentos privados) com os planos de continuísmo governamental – centrados em “reformas de base” a serem desencadeadas pelo Executivo “popular”, que as imporia ao Congresso “reacionário” ou as implementaria ao arrepio dele – essa combinação deixou pequeno espaço, à esquerda e à direita, a uma alternativa democrática ao impasse à vista: a proposta da Frente Ampla, apresentada no final de 1963 pelo ex-ministro e deputado do PTB, San Tiago Dantas. Que tinha em vista, implicitamente, um entendimento suprapartidário em torno de candidatura presidencial de Juscelino Kubitschek, em 1965.
O bloqueio à proposta, servindo à preparação do impasse pela direita mas contraposto rápida e explicitamente pelo núcleo dirigente do governo, acentuou seu isolamento nas duas casas do Congresso (mesmo na Câmara onde o PTB era a legenda com maior bancada).
Quanto à economia, ademais da piora dos indica-dores de desempenho, em novembro de 63 esvaziavam-se, ainda mais, as relações entre Jango e o empresariado pela renúncia do paulista Carvalho Pinto ao ministério da Fazenda e sua troca pelo inexpressivo Ney Galvão. Avaliada pelo conjunto do mercado e pela imprensa como forte indicador de maior radicalização do governo federal. E quanto às Forças Armadas, a articulação, minoritária, para uma deposição do presidente, passou a ganhar apoio nas esferas da oficialidade com as ameaças e os atos de quebra da hierarquia militar (em grande escala na Marinha, na segunda quinzena de março).
No final do primeiro trimestre de 1964 – estimulados pelo governo dos EUA mas sem necessidade de envolvimento militar – os golpistas partiram para a ação, logrando em apenas dois dias, com o respaldo do Congresso, a deposição do presidente, sua troca pelo chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Humberto Castelo Branco, e a instituição de duro regime autoritário.
Que, de pronto, desencadeou amplo processo de prisões (com torturas e várias mortes), de cassações (de alguns governadores e prefeitos, de muitos parlamentares e de lideranças sindicais e populares) de restrições aos direitos de reunião e manifestação.
Crescentes protestos sociais contra tais violências geraram (e foram reforçados) por rápida postura assumida pela mídia, a partir dos veículos do Rio e de São Paulo, de denúncia delas. Desdobrada, ano a ano, num posicionamento crítico ao governo e de rejeição de sua ilegitimidade institucional. Posicionamento que ganhou profundidade e amplitude quando, no final de 1968 já sob o AI-5 e o controle da Junta Militar, o regime autoritário assumiu a dimensão substantiva e formal de uma ditadura, cujos primeiros passos incluíram a suspensão dos trabalhos do Congresso, a mutilação de prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e censura à imprensa.
Retornando ao cenário da fase final do governo Jango, é preciso reconhecer que uma derrota militar do golpe de direita seria seguida também, certamente, por muitas violências e restrições à democracia. Como reflexos do clima de radicalização ideológica e política da época e do caráter populista, estatizante e autoritário das respostas e ações que seus principais apoiadores propunham para a aguda crise econômica e social. Com a possibilidade de anteciparem em quase três décadas a aplicação aqui das violentas e desastrosas receitas do chavismo.
O que no Brasil, porém, não resistiria muito às reações contrárias do conjunto da sociedade (em defesa do pluralismo político-institucional, da economia de mercado, da liberdade de imprensa). Como as que derrotaram o regime militar, tirando-o de cena por meio de legítima e eficiente negociação política.
Jarbas de Holanda é jornalista
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