quinta-feira, 3 de abril de 2014

Maioria do STF vota pela proibição de doação de empresas para campanhas eleitorais

Julgamento tem 6 votos contra doações por empresas e um a favor. Ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo

Carolina Brígido, Flávia Pierry e Eduardo Barretto – O Globo

BRASÍLIA - A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela proibição das doações de empresas a partidos políticos e candidatos em campanha nesta quarta-feira. Foram seis votos contra um. Embora o placar já esteja definido, o ministro Gilmar Mendes pediu vista adiando a conclusão do julgamento para data indefinida. Além dele, três ministros ainda votarão. Se o caso não voltar ao plenário antes das eleições de outubro, a nova regra valerá apenas para as eleições seguintes. A mudança representará redução drástica nos custos das campanhas, já que as pessoas jurídicas são as maiores doadoras.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado fez hoje esforço no mesmo sentido: aprovou projeto de lei que põe fim às doações eleitorais de empresas. Se não houver recurso para o plenário do Senado, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados. A proposta só será aprovada em tempo hábil para vigorar nas eleições de outubro se os parlamentares conseguirem priorizar o tema.

O julgamento do STF começou em dezembro do ano passado e foi interrompido quando havia quatro votos. Hoje a discussão foi retomada, com mais dois votos. Até agora, se manifestaram contra as doações de empresas os ministros Luiz Fux, relator do processo, Joaquim Barbosa, presidente do tribunal, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Ricardo Lewandowski.

Apenas Teori Zavascki defendeu a continuidade da norma atual, que permite a participação financeira de pessoas jurídicas em campanhas. Antes de pedir vista, Gilmar Mendes deu a entender que votará da mesma forma.

A polêmica foi suscitada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questiona, em ação de 2011, a parte da legislação eleitoral que dá às pessoas jurídicas o direito de doar a candidatos valores correspondentes a até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. A ação também quer derrubar o dispositivo que autoriza pessoas físicas a doarem até 10% de seus rendimentos. Para a ordem, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa liminar um valor numérico como teto das contribuições de pessoas naturais, e não percentual.

A única parte da lei que não foi questionada é o Fundo Partidário, que financia parte das atividades dos partidos com dinheiro público. Dos ministros que votaram pelo fim das doações de empresas, apenas Marco Aurélio negou o pedido referente às pessoas físicas. Ele também foi o único a deixar claro que a regra já teria validade para esse ano, se o julgamento for concluído antes das eleições. O começo da vigência da norma será definido pelos ministros ao fim do julgamento.

Apenas pessoas físicas têm direito a voto, diz Lewandowski
Lewandowski argumentou que o financiamento de campanhas por empresas não pode ser permitido, porque a Constituição dá apenas a pessoas comuns o direito de expressar sua vontade política pelo voto.

— As pessoas jurídicas não votam e não podem ser eleitas. Daí porque não há a menor razão em existir participação no processo eleitoral. Elas defendem interesses materiais, incompatível com a aspiração de aprimorar o bem comum que promana do somatório dos votos individuais dos cidadãos — defendeu.

Para Marco Aurélio, a influência excessiva do dinheiro nas campanhas promove desigualdade. Ele concluiu que, por meio das doações, as empresas acabam ditando, indiretamente, os rumos da política no país.

— O poder financeiro acaba tendo influência negativa nas decisões políticas do país. O valor político é substituído pela riqueza das empresas doadoras, que controlam o processo político. A elite econômica brasileira, por meio de ações puramente pragmáticas, modela as decisões de governo e as políticas públicas prioritárias, além de contribuir para a debilidade ideológica de nosso sistema partidário — afirmou.

Para Teori Zavascki, proibir as empresas de contribuir com as campanhas não vai diminuir a corrupção, porque serão encontradas formas ilegais de financiamento para burlar a lei. Ele defende a limitação dos valores de doações, em vez do banimento delas.

— O antídoto para gastos excessivos de campanha eleitoral não é declarar a inconstitucionalidade de doações. A solução mais plausível será a imposição de limites de gastos — disse.

O ministro também ponderou que, sem o financiamento de empresas, ficaria ainda mais evidente a vantagem conferida a candidatos a reeleição, por terem a máquina à disposição nas campanhas.

— É preciso considerar o cacife de candidatos à reeleição, que muito antes do período de campanha está em posição de formar alianças, de promover nomeações para cargos, de distribuir verbas e de promover campanhas publicitárias institucionais ditas de prestação de conta, mas com os olhos voltados para as urnas. Eles têm uma natural e significativa vantagem estratégica. Essa vantagem será maior se o exercício do poder político ultrapassar a ética nas doações financeiras — declarou.
Zavascki refutou o argumento de colegas de que, como não têm direito de votar, as empresas não poderiam financiar os candidatos.

— A Constituição não faz nem implicitamente essa relação entre capacidade de votar e autorização para contribuir. O voto é apenas uma das variadas formas de participar da vida em sociedade. As pessoas jurídicas, embora não votem, ainda assim fazem parte da nossa realidade social, com papel importante e indispensável. São agentes econômicos, geradores de emprego — alegou.

Embora tenha pedido vista sem votar oficialmente, Gilmar Mendes deu sinais de que concorda com Zavascki. Ele explicou que os partidos grandes, que já têm recursos disponíveis, só precisarão arranjar pessoas para dizer que fizeram as doações. Seria uma forma de driblar formalmente o banimento das doações de empresas.

— A exigência de que haja apenas a participação de cidadãos no financiamento não vai resolver logo a questão. Os partidos que estão no poder e que já têm recursos só precisam de mais algumas centenas de milhares de CPFs para novas distribuições. Certamente haverá pessoas pobres que doarão seu salário, porque receberão dinheiro para isso. Basta ver o fenômeno de doação para saber como isso opera. Os partidos que tiverem base de raiz vão operar com essa lógica e já operam — afirmou.

Mesmo com o voto já expresso no ano passado, Fux e Barroso reforçaram seus pontos de vista na sessão de hoje. Fux ressaltou que a participação de empresas no processo eleitoral não é ideológica, já que uma mesma empresa muitas vezes contribui com partidos de bandeiras opostas. Barroso voltou a criticar o modelo eleitoral vigente.

— Do modo como o modelo é estruturado, não se consegue atrair para a política nenhuma nova vocação. O ingresso na política se dá ou de forma hereditária, ou mediante compromisso com patrocinador. Vivo a crença de que faz parte do meu papel condenar um modelo que arruína a médio e longo prazo as instituições. Tenho dificuldade de ficar inerte diante de um modelo que todos nós achamos péssimo — disse.

No Congresso Nacional, um dos críticos do projeto que proíbe o financiamento por empresas, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) defendeu a regra atual. Ele lembrou que o modelo defendido pela OAB vigorou por toda a ditadura militar e permaneceu durante a democracia, até 1993. Ainda assim, não teria impedido doações “por baixo dos panos”. A proibição acabou por recomendação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do PC Farias, para permitir que o financiamento de campanhas passasse a ser feito “à luz do dia”.

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