Mudança ou continuidade aponta o vento a favor
Valor Econômico
Ao comemorar a marca de 350 mil curtidas na sua página do Facebook, administrada pelo PT, a presidente Dilma Rousseff publicou no microblog anteontem, 1º de abril - e não foi mentira - uma animação em que sua personagem manda um "beijinho no ombro". O vídeo, rápido, de 14 segundos, é intitulado "Pro recalque passar longe". Para quem ainda não sabe, "Beijinho no ombro" é o hit da funkeira carioca Valesca Popozuda que virou, digamos, um hino contra a inveja alheia.
"Desejo a todas inimigas vida longa/Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória (...) Acredito em Deus, faço Ele de escudo/ Late mais alto que daqui eu não te escuto/ Do camarote, quase não dá pra te ver/Tá rachando a cara, tá querendo aparecer".
Dilma e o PT estão em pré-campanha. Como seus dois principais adversários - o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) -, que se esmeram em aparecer. Articulam-se, fomentam a criação de CPIs no Congresso, tentam falar alto, e mal, do governo federal em palestras para setores da indústria, comércio, agronegócio etc. Mas até agora estão estacionados nas pesquisas eleitorais. No último Ibope, deu Dilma com 43%, Aécio com 15% e Campos com 7%. Ou seja, vitória no primeiro turno.
Os petistas comemoram. Do mesmo modo que Valesca é popozuda, Dilma tem uma baita e polpuda intenção de voto. A abundância lhe anima a mandar recados irônicos para a oposição. É uma maneira de intimidar os adversários. Na política ou na guerra, desestimular as hostes inimigas com manifestações de autoconfiança é uma velha tática. Há seis meses, o marqueteiro presidencial João Santana já havia lançado mão do expediente. Numa entrevista à "Época", apostou que Dilma vencerá no primeiro turno com o seguinte argumento: "Ocorrerá uma antropofagia de anões. Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo".
A estratégia tem o objetivo de subestimar e atacar o moral dos concorrentes. Mas é um comportamento arriscado. O salto alto da funkeira não cabe tão bem na presidente. Alguns fatores políticos indicam que Dilma precisa ter um pouco mais de cuidado, antes de cantar vantagem.
Primeiro, há a CPI. É duvidosa a capacidade de a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Petrobras abalar a preferência eleitoral pela presidente. Os parlamentares estarão mais com a cabeça em suas campanhas nos quintais estaduais do que em Brasília. Mas há sempre um desgaste e a possibilidade de a investigação criar algum fator de campanha que tenha impacto, ainda que moderado, no desenrolar do jogo.
Segundo, se há a liderança disparada da presidente nos levantamentos com cenários eleitorais, há também a queda na popularidade da administração do PT, apontada na última pesquisa CNI/Ibope. A avaliação e a aprovação do governo federal e a confiança em Dilma caíram, interrompendo a trajetória de recuperação desde as manifestações de junho do ano passado.
Tão ou mais importante, há o estranho dado sobre o percentual de eleitores que querem mudanças para o próximo governo a ser iniciado em 2015. Estranho porque indica uma maioria de descontentes com o status quo - 64% - ao mesmo tempo em que Dilma surge, de fato, sobranceira, com 43% das intenções de voto. Aparentemente, são números contraditórios, embora os resultados tenham saído de pesquisas diferentes. Mas ambas foram realizadas pelo Ibope e na mesma semana.
Essa contradição é um dos mistérios mais intrigantes do período que antecede a campanha à Presidência. Deveria mobilizar os analistas e estrategistas tanto quanto a dúvida cruel sobre a volta ou não dos protestos de rua, ou a volta ou não do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais do que qualquer outra pista à disposição - como a simpatia por um partido ou a preferência por um candidato, o que pode refletir apenas o recall obtido em disputas anteriores - a predominância do clima de continuidade ou de mudança é, talvez, o indicador mais relevante para se prever os resultados de uma eleição.
O PT desde o início dos anos 1990 é o partido que expressa taxas de identificação partidária bem superiores à dos demais. Seu índice - que de acordo com a última pesquisa Ibope está em 22% - é equivalente ao de todas as outras legendas juntas. O PMDB tem 6%. O PSDB, 5%. Isso, obviamente, não impediu que fosse derrotado nas eleições ao Planalto de 1994 e 1998 para os tucanos.
Do mesmo modo, o ex-governador tucano José Serra, durante quase toda a última corrida presidencial, aparecia, isolado, à frente de Dilma Rousseff, nas pesquisas realizadas em 2009 e no início de 2010. A petista era a anã e nunca havia participado de uma eleição. Serra concorrera a várias, com recall que favorecia sua liderança. Mas era Dilma quem atendia ao desejo do eleitor pela continuidade e, na reta final, foi às alturas, levada nos ombros por Lula.
"Nas últimas disputas, ao longo do período eleitoral, a percepção da oferta terminou sempre se ajustando à demanda", lembrou bem o cientista político e consultor Antonio Lavareda, da MCI. Em outras palavras, o clima de mudança ou de continuidade, em regra, é o que aponta quem, entre os candidatos, terá o vento a seu favor.
Dos 64% que querem mudanças a partir de 2015, 63% as querem com outro presidente que não seja Dilma. Ou seja, isso representa 40% de eleitores que estão insatisfeitos e, além disso, não querem mais a presidente do PT.
É possível que esse mesmo vento de mudança se arrefeça. Na propaganda eleitoral, Dilma terá presença maciça, com cerca de metade do tempo total do horário eleitoral para divulgar as realizações de governo.
Mas se a economia piorar, com a subida da inflação e o crescimento do sentimento de mudança, talvez nem a improvável volta de Lula seja capaz de fazer o PT remar contra a maré.
Dar de ombros à oposição ainda não é a melhor estratégia para a vitória do governo. A não ser que Dilma prefira curtidas no Facebook aos votos nas urnas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário