EDITORIAIS
Novidade
nas ruas
Folha
de S. Paulo
Atos
aproveitam pior momento de Bolsonaro, mas esquerda ainda carece de programa
Os protestos
contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado (29) são uma
bem-vinda lufada de ar na atmosfera política brasileira.
Após
quase um ano de domínio exclusivo das ruas por alguns parcos, mas barulhentos,
manifestantes bolsonaristas, milhares de opositores se aventuraram no asfalto
de diversas capitais.
Havia
uma clara preocupação dos organizadores de diferenciação, com o estímulo ao
distanciamento social possível e ao uso de máscaras —em contraste com as irresponsáveis
aglomerações estimuladas pelo presidente.
Isso
dito, houve cenas condenáveis do ponto de vista sanitário, além dos deploráveis
confrontos envolvendo forças policiais, como o ocorrido em Recife.
Ao
mesmo tempo em que se mostram como novidade no panorama, contudo, os atos não
encobrem as limitações da agenda da esquerda que se rearranja após ter sido
trucidada nas urnas a partir de 2016.
Animado
com o reaparecimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na
liderança de pesquisas eleitorais, o campo tem desafios mais complexos à
frente.
Se
a rejeição ao petista aferida pelo Datafolha não é tão grande quanto a do atual
presidente (36% ante 54%), é importante entender as circunstâncias da
fotografia.
Bolsonaro
está no seu pior momento, com a CPI da Covid recontando a tragédia criminosa de
sua gestão, efeitos sociais das fragilidades econômicas em curso e até uma
ameaça de crise energética.
Mas
o que a esquerda, a começar pelo PT, oferece além da adversativa? Se o que Lula
tem a ofertar se reflete na embolorada crítica às privatizações, como fez no
caso da Eletrobras, as perspectivas de um eventual novo governo petista são
decepcionantes.
A
crítica nas ruas do sábado a Bolsonaro é justa e até tardia. Porém seu
potencial de mobilização, até pelos sentimentos contraditórios despertados em
pessoas que se preocupam com os protocolos sanitários, ainda não é claro.
Além
disso, convém lembrar que o antipetismo segue sendo uma força orgânica em
centros urbanos, o que delimita o escopo das bandeiras que se veem agitadas.
Furar essa bolha, para usar um clichê, é a tarefa colocada à esquerda. Apresentar propostas concretas e viáveis, que vão além do embate ideológico, é um imperativo para qualquer força política que queira fazer frente a Bolsonaro em 2022.
Seja
nas ruas, seja na arena parlamentar, a oposição à esquerda ainda carece de
consistência programática. Mas será erro descartar esse movimento inicial como
algo sem potencial de frutificar, dada a anomia em que estamos inseridos.
Ambições e riscos
Folha
de S. Paulo
Orçamento
de Biden busca transformar o futuro, mas impacto imediato gera dúvida
Com
a divulgação da proposta
de Orçamento para o ano fiscal de 2022, que se inicia em 1º de
outubro, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tenta por em marcha seu
amplo programa de transformação da economia do país.
O
projeto prevê US$ 6 trilhões em gastos, quantia que deverá crescer para US$ 8,2
trilhões até 2031. No período, o déficit público não cairia abaixo de US$ 1,3
trilhão ao ano. Alguma redução ocorreria apenas no final do período, conforme
maturam os graduais aumentos de impostos.
Se
não se trata de uma revolução, as propostas de Biden são ambiciosas em relação
ao padrão das últimas décadas —nas quais, a não ser pelas despesas de combate à
pandemia em 2020, a alta de déficits decorreu de cortes de impostos que
beneficiaram os mais ricos.
Desta
vez, o foco está em mais aportes federais na economia real e num largo espectro
de iniciativas de proteção social, a serem parcialmente financiados com maior
tributação sobre as empresas e as famílias mais abonadas.
O
Orçamento inclui os dois pacotes divulgados pela Casa Branca nos últimos meses,
com US$ 2,6 trilhões para infraestrutura e energia limpa e mais US$ 1,7 trilhão
concentrado em saúde, educação e suporte para a infância. Parte desses gastos
começariam em 2022.
O
desafio, como sempre, é a negociação com o Congresso. Com maioria de apenas um
voto no Senado, os democratas precisam alinhar todos os nomes do partido, entre
os quais ainda há resistência a algumas das medidas. Negocia-se também com os
republicanos, que, como de hábito, opõem-se à elevação de gastos públicos.
Não
havendo acordo, os governistas podem recorrer a procedimentos regimentais para
aprovar o projeto com sua maioria estreita, mas também nesse caso é provável
que a despesa fique menor.
Restam
críticas quanto às dimensões do dispêndio num momento em que a economia se
recupera e a inflação acelera. As projeções mais recentes indicam que os EUA
devem voltar ao pleno emprego já no ano que vem. Acadêmicos importantes, mesmo
simpatizantes da agenda democrata, alertam para o risco de superaquecimento.
Para
além da conjuntura, porém, a lógica da administração democrata busca remediar
um longo período de negligência com os estratos de renda baixa e média e com a
base produtiva do país. Investimentos em transformação verde e tecnologias do
futuro seriam outra forma de cobrir esse atraso.
Uma atuação constrangedora
O
Estado de S. Paulo
O
papel da PGR não é defender autoridades, tampouco proteger interesses do
Executivo. É defender a lei, apenas isso
O inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o ministro do Meio Ambiente não apenas constrange o próprio Ricardo Salles – sua gestão à frente da pasta é capaz até de levantar dúvidas sobre sua participação em esquemas de desmatamento ilegal –, como tem sido ocasião de revelar mais uma atuação subserviente ao Palácio do Planalto por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras. É constrangedor o fato de que os atos de Augusto Aras, no âmbito do inquérito, atendam sempre aos interesses de Ricardo Salles.
No
despacho que deflagrou a Operação Akuanduba, o ministro Alexandre de Moraes
determinou que fosse dada ciência da operação à Procuradoria-Geral da República
(PGR) apenas depois do cumprimento de diligências.
Na
decisão, não foi explicitada a razão para esse inusual modo de proceder, informando
o Ministério Público apenas depois das diligências. De toda forma, ficou claro
que o ministro Alexandre de Moraes considerou que as diligências poderiam ser
mais efetivas se o procurador-geral da República não tivesse conhecimento
delas.
Não
é especialmente lisonjeiro para um membro do Ministério Público, cuja missão é
defender a ordem jurídica, saber que o Judiciário precisou tomar esse tipo de
cuidado.
De
toda forma, após tomar ciência da investigação, Augusto Aras poderia refletir
sobre qual a função que lhe corresponde no caso e tomar as medidas para sanar
eventuais dúvidas sobre sua atuação na PGR. No entanto, o procurador-geral da
República preferiu aumentar as dúvidas.
Em
vez de contribuir para esclarecer os fatos investigados, Augusto Aras decidiu
que a prioridade era mudar o relator do inquérito no Supremo. Enviou um ofício
ao presidente do Supremo, Luiz Fux, pedindo o afastamento do ministro Alexandre
de Moraes da investigação.
No
ofício, o procurador-geral da República revela que não sabe se a Operação
Akuanduba deve ser redistribuída por sorteio ou ser já encaminhada à ministra
Cármen Lúcia, responsável pela notícia-crime apresentada pelo delegado
Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas. Augusto
Aras só não aceita que Alexandre de Moraes permaneça na investigação.
Além
do ofício, a PGR recorreu da decisão de Alexandre de Moraes de não enviar os
autos da Operação Akuanduba para a ministra Cármen Lúcia. Segundo Moraes, “não
há qualquer dúvida sobre a competência desse relator para prosseguir na
relatoria”, uma vez que a Operação Akuanduba foi aberta no âmbito de um
processo anterior, relativo “exatamente aos mesmos fatos”, que tinha sido
arquivado no ano passado a pedido de Augusto Aras.
A
ilustrar as prioridades da PGR neste momento, Augusto Aras ingressou com uma
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), pedindo que o
Supremo determine que “as normas que regem o processo penal alusivas à fase
investigativa sejam interpretadas de modo a resguardar a prévia oitiva e
participação do Ministério Público em todas as diligências policiais
constritivas de direitos”.
Segundo
a PGR, há omissões na legislação processual penal que precisam ser sanadas, de
forma a assegurar que o Ministério Público seja sempre ouvido antes das
diligências policiais. Não deixa de intrigar que essas “omissões” – que
supostamente sempre estiveram presentes – tenham sido questionadas justamente
agora, depois de uma operação em que o procurador-geral da República foi
informado após as diligências. Idiossincrasias parecem ter pesado mais do que o
critério constitucional da impessoalidade.
Por
ironia, o próprio pedido da ADPF explicita que o ministro Alexandre de Moraes
não atuou contra a lei. Segundo a PGR alega, há omissões legais e o Supremo
deve supri-las, dando determinada interpretação. Ora, isso significa que, ao
menos até o momento, é possível outra interpretação a respeito do momento de
dar ciência ao Ministério Público.
Diante
de tal panorama, não é demais lembrar. O papel da PGR não é defender
autoridades, tampouco proteger interesses do Executivo. É defender a lei,
apenas isso.
Política não é sinônimo de crime
O
Estado de S. Paulo
‘O
fato narrado, evidentemente, não constitui crime’, lembrou o juiz
O sistema penal deve punir condutas criminosas. Essa é a sua finalidade dentro de um Estado Democrático de Direito, no qual não há espaço para uma polícia política ou para uma Justiça política. O Judiciário aplica a lei.
Essas
realidades, que deveriam ser cristalinas em um regime democrático, ficaram um
pouco turvas nos últimos anos no País, em função da tentativa de usar a Lava
Jato para fins estranhos ao Direito. Pretendeu-se desqualificar toda e qualquer
atividade político-partidária, imputando-lhe genericamente um caráter criminoso.
Felizmente,
a Justiça não tem sido conivente com essas manobras. Há cada vez mais casos em
que se consegue identificar a tempo a tentativa de manipulação. Foi o que se
viu em recente decisão da 12.ª Vara Federal do Distrito Federal, relativa a processo
penal contra 12 pessoas vinculadas ao MDB; entre elas, Michel Temer, Eduardo
Cunha, Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Segundo
a denúncia apresentada em 2017 pelo então procurador-geral da República Rodrigo
Janot, os acusados integravam organização criminosa que teria atuado, desde
2006, em diversos entes e órgãos públicos, como Petrobrás, Furnas, Caixa
Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da
Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados. De acordo com
o Ministério Público Federal (MPF), no período de uma década, o “quadrilhão do
MDB” teria operado propinas de mais de R$ 587 milhões.
Ao
analisar a denúncia, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos afirmou que “a inicial
acusatória não descreve fatos caracterizadores do ilícito que aponta. (...) A
narrativa que encerra não permite concluir, sequer em tese, pela existência de
uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada, com divisão
de tarefas, alguma forma de hierarquia e estabilidade”.
Ou
seja, não é que o MPF tenha feito uma acusação sem provar. Ele nem sequer
descreveu as condutas criminosas que os acusados teriam praticado. Pelo que se
vê na denúncia, o crime seria a atuação na vida política do País. “O fato
narrado, evidentemente, não constitui crime”, lembrou o juiz.
A
denúncia não descreveu os alegados fatos criminosos, mas veio acompanhada de
cerca de quatro terabytes de documentos em formato digital. “Esse procedimento
evidencia, a um só tempo, abuso do direito de acusar e ausência de justa causa
para a acusação. É que, ao somar às irrogações genéricas contidas na denúncia
uma quantidade indiscriminada e invencível de documentos, o MPF impede os
denunciados de contraditar os fatos e as provas que lhes dão supedâneo”, disse
o juiz.
Além
de absolver sumariamente todos os réus, o juiz alertou para a desvirtuação do
processo criminal. “A denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de
criminalizar a atividade política”, afirmou.
Esse
modo de proceder do MPF não causa prejuízo apenas às pessoas denunciadas – que
são acusadas de graves crimes, mas não sabem sequer quais seriam as supostas
condutas que fundamentam as acusações. “A imputação a dirigentes de partidos
políticos do delito de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e
subjetivo provoca efeitos nocivos à democracia, entre os quais pode se
mencionar a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder político
como um todo”, reconheceu o juiz.
Essa
atuação do MPF, conduzindo a uma desqualificação da política e dos partidos, é
inconstitucional. Como determina a Constituição, a função institucional do MP é
a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. E não é demais lembrar que,
por previsão expressa dessa mesma Constituição, os partidos são elementos
essenciais do sistema democrático. Atuar contra os partidos é atuar contra a
democracia representativa.
É
preciso investigar os crimes cometidos na atividade política, tanto para punir
os responsáveis como para preservar – e não direcionar – o livre funcionamento
da política. Só assim o Ministério Público cumprirá sua missão constitucional,
sem interferir onde não deve.
Mobilidade urbana no pós-pandemia
O
Estado de S. Paulo
A
pandemia é uma oportunidade para repensar os modelos de transporte
A pandemia forçou muitas mudanças comportamentais. Algumas vieram para ficar. O trabalho remoto, por exemplo, era uma possibilidade que talvez levasse anos ou décadas para ganhar escala, mas que, pela força das circunstâncias, se mostrou amplamente viável. Isso não significa que os antigos modelos tenham sido abolidos. Simplesmente foram complementados com novas possibilidades. Na mobilidade urbana não foi diferente. O Summit Mobilidade 2021 do Estado refletiu esses novos horizontes.
Com
a necessidade do distanciamento social e de evitar espaços fechados, os
percursos se tornaram mais curtos e individualizados na pandemia. Deslocamentos
a pé, de bicicleta e outros modos da chamada “mobilidade ativa” ganharam
espaço. Um dos temas mais debatidos no summit foi o da cidade compacta, ou,
segundo a fórmula popularizada pela prefeitura de Paris, a “cidade de 15
minutos”, em que os serviços ficam a esse tempo de deslocamento a pé.
Para
Carlos Moreno, da Universidade Sorbonne, “podemos reinventar uma cidade
policêntrica, implementar uma forma poderosa e ambiciosa para aumentar e
espalhar por todos os distritos todas as possibilidades para acessar múltiplos
serviços”. Segundo ele, quatro pilares podem ajudar uma cidade a ser mais
sustentável: a ecologia, a proximidade, a solidariedade e o empoderamento “para
que os habitantes possam transformar nossas praças, jardins e espaços”.
O
debate passa por âmbitos como “os fluxos, questões como o teletrabalho e
delivery, reforço da economia local. Não se pode falar de mobilidade só no
contexto de prover transporte”, disse a diretora de Desenvolvimento da
Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Larissa
Campagner.
“A
discussão da mobilidade tem de passar por uso e ocupação do solo, diminuir
distâncias, como levar mais trabalho para as áreas periféricas da cidade,
ciclovias, calçadas, política habitacional, debates sobre novas tecnologias e
como estão ligadas à agenda ambiental. Temos de integrar diferentes atores e
olhares inovadores para a cidade.”
Na
opinião do consultor Sergio Avelleda, “precisamos desenhar cidades que reduzam
o tempo de deslocamento e nas quais o transporte coletivo seja a espinha
dorsal”. A proliferação do trabalho remoto é uma circunstância favorável,
porque deve diversificar os fluxos tradicionalmente concentrados na hora do
rush.
Os
especialistas afirmam unanimemente que os modais ativos e compartilhados devem
estar integrados com o transporte público. Como disse Carlo Ratti, urbanista do
MIT, o compartilhamento de carros é uma estratégia potente para reduzir o
número total de carros na cidade. Nos últimos anos, os serviços de
compartilhamento de carros e caronas, incluindo modelos como Uber e 99, vêm
crescendo.
Tecnologias
de automação e inteligência artificial terão um papel cada vez mais importante,
apontou a professora da UFSC Renata Cavion, seja otimizando a interação entre
os usuários e os terminais de transporte, seja agilizando o fluxo de veículos.
Novas tecnologias também permitem adotar medidas como o pedágio urbano, com
cobranças que variam de acordo com horário e local, gerando recursos que podem
ser utilizados para financiar o transporte público.
Segundo
Ana Waksberg Guerrini, especialista em transporte do Banco Mundial, as
inovações devem ser guiadas por dois objetivos: facilitar o acesso dos usuários,
principalmente os de baixa renda, e incentivar o transporte limpo. “Para isso,
não há outra forma”, diz ela, “os 30% que usam carro próprio precisam pagar
mais.” Para a diretora do Instituto de Políticas de Transporte e
Desenvolvimento, Clarisse Cunha, “há espaço excessivo para garantir o carro na
cidade, ao passo que hoje a gente precisa migrar o olhar para o transporte
público e transporte ativo”.
A
pandemia é uma oportunidade para repensar os modelos de transporte. Embora haja
uma variedade de perspectivas sobre os meios, o summit mostrou que os fins
parecem inequívocos: menos carros individuais e mais transporte coletivo,
compartilhamento de veículos, mobilidade ativa e sistemas multimodais.
O
Globo
Pode parecer cedo para tratar do tema, mas não é. A população já começa a cair em vários países, e o Brasil não será poupado. Com a urbanização, as mudanças de costumes, a educação, os contraceptivos, os casais passaram a ter menos filhos. Os impactos sociais e econômicos da queda na fertilidade serão dramáticos ao longo deste século — e já se fazem sentir.
A
China, outrora conhecida pela política de filho único, registrou ano passado o
menor número de nascimentos desde 1961. Nos Estados Unidos, o crescimento
populacional foi o menor desde 1932. Reportagem do “New York Times” mostrou
que, por falta de partos, maternidades na Itália começam a fechar. No Nordeste
chinês, surgem cidades fantasmas. Começam a faltar estudantes para as
universidades na Coreia do Sul mais distantes de Seul. Na tentativa de atrair
alunos, elas oferecem bolsas de estudo e até iPhones. Pudera. Os coreanos com
18 anos de idade caíram de 900 mil, em 1992, para 500 mil, reflexo da menor
taxa de fertilidade do mundo desenvolvido: menos de uma criança por mulher.
Estudo
publicado em julho passado na revista médica britânica “The Lancet” concluiu
que 183 países, de um total de 195, chegarão a 2100 com uma taxa de fertilidade
abaixo da necessária para manter a população pelo menos estável, entre eles o
Brasil. Pelas projeções dos pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade
de Washington, a população brasileira, hoje 213 milhões, atingiria o pico de
235,5 milhões em 2043, para cair de forma acentuada até chegar a 2100 em 164,75
milhões. De 6ª maior população mundial, passaria à 13ª, com quase 50 milhões a
menos que hoje.
A
população do planeta, hoje em 7,7 bilhões, atingiria 9,8 bilhões em 2064 e
passaria a cair, chegando em 2100 a 8,8 bilhões. Pelas projeções, em 2100, a
Índia, com 1 bilhão de habitantes, será o país mais populoso. A Nigéria será o
segundo, com 791 milhões. A China, com 732 milhões, cairá para terceiro.
Não
é um problema trivial o desequilíbrio demográfico entre os idosos, crescendo em
maior velocidade graças aos avanços na medicina, e os jovens, em expansão mais
lenta pela fertilidade baixa. A principal consequência da diminuição da
população será a queda no crescimento econômico, resultado da redução na força
de trabalho. Há quem argumente que as pressões deflacionárias em certos
mercados já sejam efeito disso. Pela simulação do estudo, em consequência, a
economia chinesa voltaria a ser a segunda maior do mundo no fim do século,
depois de ter ultrapassado a americana. A brasileira cairia de 8ª maior do
mundo, em 2050, para 13ª, em 2100.
Haverá
ainda, em todos os países com redução populacional, o desafio de manter
sistemas nacionais de saúde e previdência, que terão de ser financiados por uma
força de trabalho ativa menor. Há o risco real de haver a necessidade de mais
impostos para bancar financeiramente essas estruturas, impondo custo adicional
ao crescimento.
Países
de renda elevada e taxas de fertilidade baixas se verão obrigados, segundo o
estudo da “Lancet”, a importar mão de obra. Precisarão, para isso, ser mais liberais
na imigração. A tendência demográfica só confirma que a postura xenófoba do
nacional-populismo que quer fechar as fronteiras é um erro grave, para além da
política.
É um avanço instalar câmaras e GPS nas fardas e viaturas da polícia
O
Globo
Em seu voto na ação sobre a realização de operações policiais nas comunidades cariocas, o ministro-relator Edson Fachin recomendou que o estado do Rio de Janeiro instalasse em até 180 dias “equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital”. O julgamento foi suspenso semana passada por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, mas medida no mesmo teor da sugerida por Fachin foi aprovada pela Alerj no último dia 12. O governador Cláudio Castro garantiu parte do investimento para os equipamentos na proposta orçamentária de 2022.
O
objetivo de documentar a ação de policiais é evitar abusos. Um agente que sabe
estar sendo monitorado tende a se comportar de modo menos truculento e a agir
dentro das regras. A filmagem e a gravação também permitem à Justiça verificar,
a posteriori, as condições em que tiros foram disparados, suspeitos foram
mortos ou mataram. Caso os policiais cariocas já portassem câmaras, haveria um
elemento decisivo para esclarecer qual das versões está correta na ação que
deixou 28 mortos na favela do Jacarezinho.
A
relevância das filmagens ficou clara no assassinato do negro George Floyd pelo
policial Derek Chauvin em Minneapolis no ano passado. Imagens do crime
demonstraram a crueldade de Chauvin — que garroteou Floyd por nove minutos com
sua bota, enquanto ele gritava não conseguir respirar — e levaram a sua
condenação.
Logo
depois do assassinato de Floyd, a Câmara dos Representantes americana aprovou
uma lei para inibir a violência policial que, entre outras medidas, impõe a
policiais federais a obrigação de portar câmara na farda, a exemplo do que já
acontece em sete estados. Nos Estados Unidos, elas são usadas em 45% dos departamentos
policiais. A ideia da lei é estender a prática aos demais, começando pelos
federais.
Estudos
mostram que câmaras têm contribuído para combater a violência policial nos
Estados Unidos. Uma análise dos disponíveis, publicada em março pelo Instituto
Becker Friedman da Universidade de Chicago, concluiu que elas reduziram em 17%
as queixas contra policiais e, com 85% de chance, em 10% os incidentes
violentos.
Os
pesquisadores constataram também que o investimento nos equipamentos resulta,
para o Estado, numa economia equivalente a cinco vezes o preço deles, em
virtude da redução no custo das investigações de má conduta, indenizações e
outras despesas decorrentes da violência. “Se nossa análise estiver correta, da
perspectiva da sociedade seria o equivalente a transformar uma nota de um dólar
numa de cinco”, dizem.
Mesmo
que a realidade brasileira seja outra do ponto de vista financeiro, a adoção
das câmaras em fardas e viaturas seria um avanço inequívoco no combate à
violência policial. Trata-se de um daqueles casos em que uma política pública
pode ser recomendada com base em evidências científicas objetivas. Não há
motivo para não implementá-la.
É a hora da verdade para o Mercosul e o futuro da TEC
Valor
Econômico
É
necessário que os dois maiores sócios do Mercosul cheguem a um consenso e
rejeitem qualquer possibilidade de ruptura
Avizinha-se
a reunião de ministros da Economia e de Relações Exteriores do Mercosul,
marcada para 8 de junho em Buenos Aires, que poderá selar o futuro da Tarifa
Externa Comum (TEC). A aplicação uniforme das alíquotas de importação sobre
produtos oriundos de terceiros países é um pilar das uniões aduaneiras, etapa
de integração em que se encontra hoje o bloco - um dos principais ativos da
política externa brasileira, independentemente do governo de turno.
Adotada
em 1995, a TEC não passou por grandes revisões até hoje. A tarifa média para
produtos industriais é de quase 14%, com picos de 35% sobre automóveis e
vestuário, entre outros bens. Defensores da abertura comercial argumentam, com
pertinência, que esse é um patamar excessivamente alto e descolado do nível de
proteção verificado em países de renda parecida com a do Brasil. Com algo de
exagero, também acentuam o fato de que, pelas contingências de cada sócio do
Mercosul, exceções foram se acumulando de tal modo que a TEC tornou-se peça de
ficção.
Na
tentativa de dar mais competitividade à economia brasileira, o ministro Paulo
Guedes e sua equipe querem um corte unilateral de 20% da tarifa comum (10%
agora e 10% em dezembro), o que enfrenta objeções da Argentina. Buenos Aires
propõe redução bem mais modesta, concentrada em cerca de 4 mil dos 10,2 mil
grupos de produtos classificados pela nomenclatura do Mercosul, sobretudo
insumos para processos industriais e bens acabados que já têm alíquotas muito
baixas.
O
governo brasileiro age corretamente ao negociar, mas fará mal se caminhar na
direção do rompimento da união aduaneira, com cada sócio sendo permitido a
escolher qual tarifa aplicar, como cogita o Ministério da Economia. Isso significaria,
na prática, retroceder a uma zona de livre comércio e jogar definitivamente a
toalha para décadas de construção de um projeto regional, que maximiza o poder
de barganha dos quatro países - somam-se Uruguai e Paraguai - nos fóruns
internacionais e com outros parceiros.
Com
razão, Guedes e seus auxiliares sempre enfatizam a importância de temas
extratarifários nos acordos comerciais de nova geração. São assuntos como
barreiras técnicas e sanitárias, proteção a produtos com denominação de origem,
facilitação de investimentos, compras governamentais, simplificação de trâmites
alfandegários, regulamentação do comércio eletrônico.
Como
demonstrou o Valor (29/4),
nos últimos três a quatro anos, uma série de acordos foi celebrada entre os
sócios do Mercosul para tratar desses temas e tirar o bloco da letargia. No
entanto, quase todos estão parados no Congresso, sem ganhar atenção suficiente
de parlamentares ou do Executivo. Entre eles estão o fim da cobrança de roaming
na telefonia celular e o reconhecimento mútuo de certificados de assinaturas
digitais. Também houve entendimento em facilitação de comércio, abertura do
mercado de licitações públicas e proteção das indicações geográficas. Nenhum
entrou em vigência.
Quanto
à TEC, não se trata da vantagem da proposta brasileira de corte da TEC em 20% e
ou da suposta falta de ambição da oferta argentina. Convém frisar, apenas, a
necessidade de que os dois maiores sócios do Mercosul cheguem a um consenso e
rejeitem qualquer possibilidade de ruptura ou “solução em dois tempos” - com um
país baixando mais e outro menos suas tarifas de importação, com promessas
vagas de uni-las mais adiante. Em vez de corrigir a TEC, isso minaria
definitivamente o projeto de integração.
Já
afastados politicamente, com troca de hostilidades entre os presidentes Jair
Bolsonaro e Alberto Fernández, Brasil e Argentina não precisam de um doloroso
distanciamento comercial. Deveriam, no lugar, buscar com mais energia a
ratificação de acordos extratarifários que modernizam o bloco e colocar máxima
prioridade na assinatura de tratados de livre comércio fechados em 2019, como o
Mercosul-União Europeia e o Mercosul-EFTA, bem como na conclusão de negociações
com parceiros como o Canadá e Cingapura. Vencer a atual resistência dos
europeus, porém, demanda esforço real do Brasil em atacar o desmatamento
ilegal.
Mais do que nunca, na relação com a Argentina, vale a máxima: maus acordos são melhores do que boas brigas. Um eventual esfacelamento da união aduaneira pode levar, mais adiante e com outros governos, ao retorno do discurso oco e indesejável do “Mercosul político”. Quando o bloco não tem mais nada a oferecer de concreto aos agentes econômicos, é o que sobra.
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