segunda-feira, 31 de maio de 2021

Ricardo Noblat - Manifestações superaram as expectativas dos bolsonaristas

- Blog do Noblat / Metrópoles

Sem partido há mais de um ano, o presidente da República procura uma legenda onde ele e os filhos possam mandar em tudo

Pergunta que tão cedo será respondida: se a pandemia da Covid-19 estivesse em baixa, quantas pessoas a mais teriam comparecido às manifestações contra o governo do presidente Jair Bolsonaro que aconteceram no último sábado em todas as capitais do país, menos em Rio Branco, em Brasília e em mais de 100 municípios?

A resposta só poderá ser dada depois vencida a terceira onda da doença que está por vir, e do avanço da vacinação em massa que não será concluída tão cedo, podendo arrastar-se pelos meses iniciais de 2022. Aos cochichos, e a salvo dos jornalistas, ministros do governo, porém, reconhecem que elas superaram o que se esperava.

A pressa em avaliar seu tamanho fez os três filhos zero de Bolsonaro passarem vergonha, mas eles não ligam para isso. Flávio Bolsonaro, senador, debochou dos manifestantes em Porto Velho, onde esteve no fim de semana. Eduardo Bolsonaro, deputado, comentou um vídeo editado para mostrar que havia pouca gente.

Carlos Bolsonaro, vereador, comandante in pectore do gabinete do ódio que funciona no Palácio do Planalto, fez o de sempre – defendeu o pai, que considera um injustiçado e inocente dos crimes que lhe imputam. Generais da reserva falaram em procurar um candidato alternativo a Bolsonaro para derrotar Lula.

Entre os muitos problemas que tem pela frente para recuperar parte da popularidade perdida e disputar a eleição do ano que vem com chances de ganhar, Bolsonaro não pode demorar a resolver pelo menos um: o do partido ao qual se filiará. Os principais partidos do Centrão o apoiam, mas não lhe abrem as portas.

Como abrir se em determinados Estados eles estarão coligados com partidos de esquerda? De resto, preferem gastar os recursos do Fundo Partidário com as eleições de governadores, deputados e senadores. Com bancadas maiores no Congresso, negociarão cargos com o presidente que for eleito, não lhes importa qual seja.

Bolsonaro quer um partido no qual possa mandar. Quer controlar o caixa e selecionar os nomes dos candidatos. Um partido, enfim, dele e dos seus filhos. Há mais de um ano está sem nenhum.

Foi repressão política o que manchou de sangue o centro do Recife

Dois chefes de família ficaram parcialmente cegos. Os manifestantes contra Bolsonaro foram atraídos para uma armadilha

Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco, não é o único que finge mandar na Polícia Militar. E nem a polícia do seu Estado é a única que finge obedecer ao governador. Mas foi no Recife, e somente lá, que a violência policial manchou o ar pacífico das manifestações do último sábado contra o governo Bolsonaro.

Manchou com sangue. Dois chefes de família, que apenas atravessavam a ponte Duarte Coelho, foram atingidos por balas de borracha e perderam a visão de um dos olhos. Uma vereadora do PT, que se limitava a dar explicações a um grupo de policiais, recebeu no rosto uma borrifada de gás de pimenta, caindo no chão.

Há vídeos à farta que mostram policiais atirando e jogando bombas de gás lacrimogêneo em um grupo reduzido de manifestantes, a correrem em desespero de um lado para o outro da ponte. Caíram na armadilha montada pela própria polícia, que fechou as duas cabeceiras da ponte e fez tiro ao alvo.

Aquela área do centro da cidade reúne a pouca distância o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco; o centenário Teatro Santa Isabel; e os prédios da Assembleia Legislativa do Estado e do Tribunal de Justiça. Do palácio, em 1964, o então governador Miguel Arraes foi arrancado e preso.

Há muito tempo que o coração do Recife não assistia a cenas tão vergonhosas de repressão política, porque na ausência de qualquer ato de baderna, foi repressão política o que ocorreu. Quem deu ordem para isso? Câmara diz que não foi ele. A vice-governadora, do PC do B, diz que não foi ela. O malfeito é sempre órfão.

O comandante da operação policial foi afastado de suas funções por enquanto, bem como alguns dos policiais que dispararam a ermo e atacaram os manifestantes com cassetetes e protegidos por escudos. Abriu-se o rigoroso inquérito que se anuncia nessas horas e que costuma dar em nada ou em pouca coisa.

Os pernambucanos orgulham-se de sua história marcada por revoluções libertárias, mesmo que elas não tenham alcançado plenamente seus objetivos. Orgulham-se também de episódios memoráveis que protagonizaram como o da expulsão, em 1654, dos holandeses. Seu orgulho foi ferido, e não pode ficar assim.

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