segunda-feira, 31 de maio de 2021

Sergio Lamucci - Os riscos ao cenário de crescimento mais forte

- Valor Econômico

Inflação, pandemia e crise hídrica são ameaças à atividade

As perspectivas para o crescimento da economia brasileira em 2021 melhoraram nas últimas semanas, levando a uma onda de revisões para cima nas estimativas de bancos e consultorias. A atividade sofreu menos do que se esperava com as medidas de restrição à mobilidade adotadas especialmente em março e abril, devido ao recrudescimento da pandemia. O bom momento das exportações, impulsionado pela alta dos preços de commodities, também ajuda. Depois de um período em que muitos analistas viam um avanço do PIB na casa de 3% neste ano, hoje grande parte das previsões está acima de 4%, havendo quem aposte num crescimento de 5%, como o Itaú Unibanco.

O cenário de fato é melhor do que se projetava há algumas semanas, mas ainda há vários riscos para a atividade. A inflação continua elevada, corroendo o poder de compra dos salários, e o mercado de trabalho segue fraco. Além disso, há a ameaça de problemas na oferta de energia elétrica, por causa da crise hídrica. Primeiro, ela pressiona ainda mais a inflação - a bandeira vermelha 2 será acionada em junho, encarecendo as contas de luz, o que pode levar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a superar 8% no acumulado em 12 meses até meados do ano. Também há obviamente o risco de afetar a expansão da economia. Outro ponto é que uma possível terceira onda da covid-19 pode desacelerar o ritmo de atividade, se exigir medidas mais rigorosas de distanciamento social. Para completar, ainda há incertezas sobre a situação das contas públicas, embora a percepção sobre o quadro fiscal tenha melhorado um pouco.

O Banco Safra elevou a estimativa de crescimento para 2021 na sexta-feira, mas foi mais cauteloso no movimento, aumentando a projeção de 3,4% para 3,9%. “As condições para que o PIB apresente crescimento de 4% em relação a 2020 parecem já realizadas, dado o nível de atividade econômica verificado no primeiro trimestre e alguns indicadores do segundo trimestre. Os riscos considerados para a segunda metade do ano, no entanto, limitam as possibilidades visíveis hoje para um crescimento muito acima do valor que estimamos atualmente”, aponta o Safra, em relatório.

“Olhando para o segundo semestre, além da redução do poder de compra e a necessidade de despoupança pelas famílias, tem surgido o risco de problemas de suprimento de energia elétrica durante o período de seca e talvez além”, observa o banco. As chuvas no começo do ano foram muito escassas, o que se traduziu em reservatórios muito baixos ao final da estação chuvosa em março na região Sudeste/Centro-Oeste, na pior crise hidrológica em 91 anos, ressalta o relatório. A principal ameaça, segundo o Safra, é que eventuais picos de carga ao longo do dia não possam ser respondidos, o que geraria instabilidades e quedas no sistema. “Para evitar esse risco, pode ser importante complementar as ações de gestão da oferta de energia com um esforço de diminuição da demanda industrial e residencial nos próximos meses, uma opção que o governo já vem considerando, quer por estímulo à redução do consumo, quer mediante algum tipo de racionamento.”

Outros pontos que podem atrapalhar a economia são a queda da massa salarial descontada a inflação e eventuais limitações à expansão do crédito, diz o banco. Na visão do Safra, se não houver uma restrição muito forte à oferta de energia elétrica, esses problemas podem ser compensados ao menos parcialmente pela aceleração do uso da poupança acumulada no ano passado. “Essa pode ser a estratégia de sustentação do consumo das famílias e atividade das empresas”, afirma o relatório. Já está em curso uma redução do estoque da caderneta de poupança, por exemplo, que pode estar sendo usada para financiar o consumo das famílias. “Como estimamos que a poupança líquida das famílias aumentou em R$ 560 bilhões no ano passado, contra uma média de R$ 160 bilhões nos últimos quatro anos, é razoável supor que a poupança neste ano seja não só muito menor do que o normal, mas até mesmo negativa”, apontam os economistas do banco. “Estimamos que se houver uma poupança negativa (despoupança) de R$ 50 bilhões em 2021, o consumo poderá crescer 3,8% em relação a 2020, sustentando um crescimento do PIB de 4%. Essa projeção, evidentemente, é cercada de incerteza, visto se basear em hipóteses comportamentais em uma situação sem precedentes.”

Para o resultado do PIB do primeiro trimestre, a ser divulgado amanhã, o Safra estima um crescimento de 0,7% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. No ano, o PIB cresceria 3,9%, lembrando que boa parte desse número se deve à herança estatística deixada por 2020, de 3,6%. Isso significa que, se o PIB ficar no mesmo nível do fim do ano passado, a expansão será de 3,6% em 2021. Em resumo, o ritmo de crescimento não será dos mais expressivos, mesmo que o avanço do PIB no ano fique acima de 4%. “A redução do poder de compra, o alto endividamento das famílias e o desafio energético sustentam nossa expectativa de desempenho moderado no segundo semestre, que deve se traduzir em crescimento de apenas 1,8% em 2022”, ponderam os economistas do Safra.

A inflação ainda elevada também pode afetar a atividade. Nos 12 meses até maio, o IPCA-15 subiu 7,27%, com alimentação no domicílio em alta de 15%, prejudicando especialmente os mais pobres. Com o acionamento da bandeira vermelha 2 em junho, o IPCA deverá ultrapassar 8% em 12 meses. Além disso, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) continua a avançar com força, subindo 4,1% em maio e 37% em 12 meses. O risco é a inflação ficar mais alta também em 2022, levando o Banco Central (BC) a aumentar os juros com mais intensidade, com efeitos negativos sobre a atividade.

E há também a evolução da pandemia, num quadro marcado pela condução desastrosa da política de saúde pelo governo Jair Bolsonaro. Na visão do Itaú Unibanco, o avanço da vacinação deve permitir um retorno à normalidade econômica no quarto trimestre de 2021, com a perspectiva de que toda a população acima de 18 anos esteja com a primeira dose aplicada em novembro. Ainda assim, o banco diz que “o principal risco à frente é o surgimento de variantes do vírus que afetem a eficácia das vacinas aqui aplicadas”, embora avalie que “a disponibilidade de vacinas no segundo semestre será mais diversificada”, com tecnologias diversas e indicações iniciais de que podem se adaptar a novas cepas.

A economia mostra uma resistência maior do que se imaginava há alguns meses. O cenário, contudo, embute vários riscos, e uma recuperação mais firme não está assegurada.

 

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