- Valor Econômico
Inflação,
pandemia e crise hídrica são ameaças à atividade
As
perspectivas para o crescimento da economia brasileira em 2021 melhoraram nas últimas
semanas, levando a uma onda de revisões para cima nas estimativas de bancos e
consultorias. A atividade sofreu menos do que se esperava com as medidas de
restrição à mobilidade adotadas especialmente em março e abril, devido ao
recrudescimento da pandemia. O bom momento das exportações, impulsionado pela
alta dos preços de commodities, também ajuda. Depois de um período em que
muitos analistas viam um avanço do PIB na casa de 3% neste ano, hoje grande
parte das previsões está acima de 4%, havendo quem aposte num crescimento de
5%, como o Itaú Unibanco.
O cenário de fato é melhor do que se projetava há algumas semanas, mas ainda há vários riscos para a atividade. A inflação continua elevada, corroendo o poder de compra dos salários, e o mercado de trabalho segue fraco. Além disso, há a ameaça de problemas na oferta de energia elétrica, por causa da crise hídrica. Primeiro, ela pressiona ainda mais a inflação - a bandeira vermelha 2 será acionada em junho, encarecendo as contas de luz, o que pode levar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a superar 8% no acumulado em 12 meses até meados do ano. Também há obviamente o risco de afetar a expansão da economia. Outro ponto é que uma possível terceira onda da covid-19 pode desacelerar o ritmo de atividade, se exigir medidas mais rigorosas de distanciamento social. Para completar, ainda há incertezas sobre a situação das contas públicas, embora a percepção sobre o quadro fiscal tenha melhorado um pouco.
O
Banco Safra elevou a estimativa de crescimento para 2021 na sexta-feira, mas
foi mais cauteloso no movimento, aumentando a projeção de 3,4% para 3,9%. “As
condições para que o PIB apresente crescimento de 4% em relação a 2020 parecem
já realizadas, dado o nível de atividade econômica verificado no primeiro
trimestre e alguns indicadores do segundo trimestre. Os riscos considerados
para a segunda metade do ano, no entanto, limitam as possibilidades visíveis
hoje para um crescimento muito acima do valor que estimamos atualmente”, aponta
o Safra, em relatório.
“Olhando
para o segundo semestre, além da redução do poder de compra e a necessidade de
despoupança pelas famílias, tem surgido o risco de problemas de suprimento de
energia elétrica durante o período de seca e talvez além”, observa o banco. As
chuvas no começo do ano foram muito escassas, o que se traduziu em
reservatórios muito baixos ao final da estação chuvosa em março na região
Sudeste/Centro-Oeste, na pior crise hidrológica em 91 anos, ressalta o
relatório. A principal ameaça, segundo o Safra, é que eventuais picos de carga
ao longo do dia não possam ser respondidos, o que geraria instabilidades e
quedas no sistema. “Para evitar esse risco, pode ser importante complementar as
ações de gestão da oferta de energia com um esforço de diminuição da demanda
industrial e residencial nos próximos meses, uma opção que o governo já vem
considerando, quer por estímulo à redução do consumo, quer mediante algum tipo
de racionamento.”
Outros
pontos que podem atrapalhar a economia são a queda da massa salarial descontada
a inflação e eventuais limitações à expansão do crédito, diz o banco. Na visão
do Safra, se não houver uma restrição muito forte à oferta de energia elétrica,
esses problemas podem ser compensados ao menos parcialmente pela aceleração do
uso da poupança acumulada no ano passado. “Essa pode ser a estratégia de
sustentação do consumo das famílias e atividade das empresas”, afirma o
relatório. Já está em curso uma redução do estoque da caderneta de poupança,
por exemplo, que pode estar sendo usada para financiar o consumo das famílias.
“Como estimamos que a poupança líquida das famílias aumentou em R$ 560 bilhões
no ano passado, contra uma média de R$ 160 bilhões nos últimos quatro anos, é
razoável supor que a poupança neste ano seja não só muito menor do que o
normal, mas até mesmo negativa”, apontam os economistas do banco. “Estimamos
que se houver uma poupança negativa (despoupança) de R$ 50 bilhões em 2021, o
consumo poderá crescer 3,8% em relação a 2020, sustentando um crescimento do
PIB de 4%. Essa projeção, evidentemente, é cercada de incerteza, visto se
basear em hipóteses comportamentais em uma situação sem precedentes.”
Para
o resultado do PIB do primeiro trimestre, a ser divulgado amanhã, o Safra
estima um crescimento de 0,7% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste
sazonal. No ano, o PIB cresceria 3,9%, lembrando que boa parte desse número se
deve à herança estatística deixada por 2020, de 3,6%. Isso significa que, se o PIB
ficar no mesmo nível do fim do ano passado, a expansão será de 3,6% em 2021. Em
resumo, o ritmo de crescimento não será dos mais expressivos, mesmo que o
avanço do PIB no ano fique acima de 4%. “A redução do poder de compra, o alto
endividamento das famílias e o desafio energético sustentam nossa expectativa
de desempenho moderado no segundo semestre, que deve se traduzir em crescimento
de apenas 1,8% em 2022”, ponderam os economistas do Safra.
A
inflação ainda elevada também pode afetar a atividade. Nos 12 meses até maio, o
IPCA-15 subiu 7,27%, com alimentação no domicílio em alta de 15%, prejudicando
especialmente os mais pobres. Com o acionamento da bandeira vermelha 2 em
junho, o IPCA deverá ultrapassar 8% em 12 meses. Além disso, o Índice Geral de
Preços - Mercado (IGP-M) continua a avançar com força, subindo 4,1% em maio e
37% em 12 meses. O risco é a inflação ficar mais alta também em 2022, levando o
Banco Central (BC) a aumentar os juros com mais intensidade, com efeitos
negativos sobre a atividade.
E
há também a evolução da pandemia, num quadro marcado pela condução desastrosa
da política de saúde pelo governo Jair Bolsonaro. Na visão do Itaú Unibanco, o
avanço da vacinação deve permitir um retorno à normalidade econômica no quarto
trimestre de 2021, com a perspectiva de que toda a população acima de 18 anos
esteja com a primeira dose aplicada em novembro. Ainda assim, o banco diz que
“o principal risco à frente é o surgimento de variantes do vírus que afetem a
eficácia das vacinas aqui aplicadas”, embora avalie que “a disponibilidade de
vacinas no segundo semestre será mais diversificada”, com tecnologias diversas
e indicações iniciais de que podem se adaptar a novas cepas.
A
economia mostra uma resistência maior do que se imaginava há alguns meses. O
cenário, contudo, embute vários riscos, e uma recuperação mais firme não está
assegurada.
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