segunda-feira, 31 de maio de 2021

Marcus André Melo* - Emendas orçamentárias

- Folha de S. Paulo

O jogo político não ocorre entre o Executivo e o Legislativo, nem após aprovação da lei orçamentária

 “A cada momento, para se votar projetos tem que entrar em negociações: eu emendo isso, você emenda aquilo, eu apoio essa emenda, você apoia a outra, sem o que a vida parlamentar se torna impossível.”

A afirmação é de Carlos Lacerda, o parlamentar mais “intransigente” de nossa história.

E citava casos em que colaborou com adversários e vice-versa: “A Câmara funciona como uma espécie de clube, o que acho profundamente civilizado pois não há nenhuma incompatibilidade entre a divergência na tribuna e as relações pessoais”.

Sim, emendas parlamentares fazem parte do rame-rame da política, mas o jogo em torno das emendas orçamentárias não. Nas democracias estabelecidas há intenso toma-lá-dá-cá (“logrolling ou horsetrading”, no léxico político anglo-saxônico). Mas o jogo não ocorre entre o Executivo e o Legislativo, nem após aprovação da lei orçamentária. Explico.

Nas democracias parlamentaristas nos países que adotam o chamado modelo de Westminster (das ex-colônias britânicas), a não aprovação do Orçamento como enviado pelo Executivo equivale a um voto de desconfiança no governo, levando a sua queda. O gabinete não é nada mais senão uma supercomissão com funções executivas e sua existência significa, na prática, a existência de uma maioria parlamentar.

Mas nas democracias multipartidárias em que não há uma maioria parlamentar, há o “confidence and supply agreement” pelo qual partidos que não integram o governo expressam seu apoio apenas em relação ao Orçamento e moção de confiança. Aconteceu recentemente na Nova Zelândia e Irlanda. E algo semelhante ocorre nos países escandinavos.

Mais importante: nestes países os cortes no Orçamento estão sujeitos à aprovação parlamentar, como ocorreu na crise de 2009, na União Europeia, após acordos com a troika (FMI, Comissão Europeia e o Banco Central Europeu).

Nos EUA, o Orçamento sempre foi impositivo, mas Nixon produziu crise constitucional quando fez algo inédito: contingenciou programas.

O Congresso respondeu ameaçando-o com impeachment e a aprovação do “Impoundment Control Act” (ICA), que criou regras para a submissão de pedidos de cortes orçamentários, os quais se não forem aprovados em “45 dias legislativos”, implicarão na execução imediata. O ICA também criou comissões orçamentárias nas duas Casas.

Os EUA são conhecidos como o país do “pork barrel” (projetos negociados por parlamentares para seus distritos). Mas o jogo clientelístico é intra-parlamentar, o Executivo é ator marginal no processo.

Sim, Lacerda estava certo. Mas como ficam as questões de eficiência e legitimidade? Voltarei ao tema.

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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