O jogo
político não ocorre entre o Executivo e o Legislativo, nem após aprovação da
lei orçamentária
“A cada momento, para se votar projetos tem
que entrar em negociações: eu emendo isso, você emenda aquilo, eu apoio essa
emenda, você apoia a outra, sem o que a vida parlamentar se torna impossível.”
A
afirmação é de Carlos
Lacerda, o parlamentar mais “intransigente” de nossa história.
E citava
casos em que colaborou com adversários e vice-versa: “A Câmara funciona como
uma espécie de clube, o que acho profundamente civilizado pois não há nenhuma
incompatibilidade entre a divergência na tribuna e as relações pessoais”.
Sim,
emendas parlamentares fazem parte do rame-rame da política, mas o jogo em torno
das emendas orçamentárias não. Nas democracias estabelecidas há intenso
toma-lá-dá-cá (“logrolling ou horsetrading”, no léxico político
anglo-saxônico). Mas o jogo não ocorre entre o Executivo e o Legislativo, nem
após aprovação da lei orçamentária. Explico.
Nas democracias parlamentaristas nos países que adotam o chamado modelo de Westminster (das ex-colônias britânicas), a não aprovação do Orçamento como enviado pelo Executivo equivale a um voto de desconfiança no governo, levando a sua queda. O gabinete não é nada mais senão uma supercomissão com funções executivas e sua existência significa, na prática, a existência de uma maioria parlamentar.
Mas nas
democracias multipartidárias em que não há uma maioria parlamentar, há o
“confidence and supply agreement” pelo qual partidos que não integram o governo
expressam seu apoio apenas em relação ao Orçamento e moção de confiança.
Aconteceu recentemente na Nova Zelândia e Irlanda. E algo semelhante ocorre nos
países escandinavos.
Mais
importante: nestes países os cortes no Orçamento estão sujeitos à aprovação
parlamentar, como ocorreu na crise de 2009, na União Europeia, após acordos com
a troika (FMI, Comissão Europeia e o Banco Central Europeu).
Nos EUA,
o Orçamento sempre foi impositivo, mas Nixon produziu crise constitucional
quando fez algo inédito: contingenciou programas.
O
Congresso respondeu ameaçando-o com impeachment e a aprovação do “Impoundment
Control Act” (ICA), que criou regras para a submissão de pedidos de cortes
orçamentários, os quais se não forem aprovados em “45 dias legislativos”,
implicarão na execução imediata. O ICA também criou comissões
orçamentárias nas duas Casas.
Os EUA
são conhecidos como o país do “pork barrel” (projetos negociados por
parlamentares para seus distritos). Mas o jogo clientelístico é
intra-parlamentar, o Executivo é ator marginal no processo.
Sim,
Lacerda estava certo. Mas
como ficam as questões de eficiência e legitimidade? Voltarei
ao tema.
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da
Universidade Yale (EUA).
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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