Poderia dizer
que
a vida é bela, e muito,
e
que a revolução caminha com pés de flor
nos
campos do meu país,
com
pés de borracha
nas
grandes cidades brasileiras
e
que meu coração
é
um sol de esperanças entre pulmões
e nuvens
é
uma festa só na voz de
Clara
Nunes
no
rodar
das
cabrochas no carnaval
da
Avenida.
Mas não. O poeta mente.
A
vida nós amassamos em sangue
e
samba
enquanto
gira inteira a noite
sobre
a pátria desigual. A vida
nós
a fazemos nossa
alegre
e triste, cantando
em
meio à fome
e
dizendo sim
-
em meio à violência e a solidão dizendo
sim
-
pelo
espanto de beleza
pela
fama de Tereza
pelo
meu filho perdido
neste
vasto continente
por
Vianinha ferido
pelo
nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo
que dá e que cega
pelo
que virá enfim,
não
digo que a vida é bela
tampouco
me nego a ela:
-
digo sim
Ferreira Gullar, em "Na vertigem do dia", 1980.
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