- O Globo
O
general Pazuello disse na CPI que estava sem máscara num shopping de Manaus
porque estava precisamente procurando máscara para comprar. Na manifestação no
Rio, ele apareceu sem máscara, foi chamado de “meu gordinho” por Bolsonaro e
saudou “a galera que apoia o presidente”.
Como
explicar essa falta de seriedade no comportamento público de um general?
Pazuello já havia antecipado a explicação na própria CPI.
Questionado
sobre a frase “um manda, o outro obedece”, ele respondeu que isso é apenas uma
coisa de internet. Na opinião dele, a internet é um espaço onde se pode falar
qualquer coisa, sem o mínimo compromisso com a verdade ou a coerência.
O
general Augusto Heleno, numa convenção do PSL, cantou o seguinte verso: “Se
gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Todos riram porque associaram
Centrão a ladrão com rapidez.
Perguntado
sobre isso, depois que Bolsonaro fez um acordo com o Centrão, o general Heleno
sugeriu que o Centrão nem existe mais e que sua frase faz parte do show da
política.
Assim como o general Pazuello vê a internet como um espaço onde se pode falar tudo, o general Heleno equipara a política a um show, sem correspondência com a realidade da vida do país.
Não
é novidade o processo de decadência da política. Promessas, contradições e
cinismo fazem com que as pessoas não só desconfiem, e até mesmo sonhem com um
fim da política. Os franceses criaram até uma expressão para traduzir essa
mistificação: langue de bois, que, em nosso idioma, se aproxima de falas de um
de cara de pau.
Há
alguns anos, num grande volume sobre democracia, seu organizador, Bruno Latour,
registrou um dos prolemas que precipitavam essa decadência: a suposição de que
não importam mais os fatos, mas sim as versões de cada um.
Ele
citou um momento decisivo, quando Colin Powell, então secretário de Estado dos
EUA, apresentou falsas imagens sobre instalações de armas de destruição em
massa para justificar a intervenção americana no Iraque.
Os
generais cooptados por Bolsonaro chegam à política num momento delicado. Em vez
de buscar fortalecer os aspectos positivos dessa prática socialmente vital,
eles decidiram navegar nas suas águas mais turvas.
São
neocínicos porque se comportam como ex-seminaristas em seu primeiro carnaval.
Grosseiramente mentem e expõem sua mentira, porque a consideram intrínseca à
nova profissão.
O
problema se estende para além dos generais e alcança também a massa de
militares incorporada pela administração civil do governo Bolsonaro. Ela
encarna outro tipo de degradação da política, muito praticada pelos partidos
fisiológicos. A principal característica dessa prática é ocupar cargos apenas
pela proximidade política, sem nenhuma relação com o conhecimento específico
para realizar as tarefas que deles decorrem.
Um
exemplo mais radical é o próprio general Pazuello — e a equipe de militares
deslocada para combater a maior pandemia desde a Gripe Espanhola, no princípio
do século XX. Pazuello não é medico, não conhecia o SUS nem a doença que
combateria, não estava informado das propriedades do remédio que seu ministério
indicaria: a cloroquina.
As
Forças Armadas trabalham com seriedade e disciplina, embora essa
característica, a disciplina, tenha sido também detonada por Pazuello. Mas é
ilusório alimentar a partir dessas qualidades uma sensação de onipotência
salvacionista, como se os militares pudessem realizar melhor que os civis
quaisquer tarefas de governo.
O
resultado desses equívocos não será bom. Os generais tornaram-se políticos
caricatos, a eficiência militar é colocada em dúvida, a própria preparacão do
generalato é um enigma diante da performance geral de Pazuello.
Ainda não é exatamente a Venezuela, mas estamos na fronteira.
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