- O Globo
Bolsonaro
é a segunda pior coisa que já aconteceu ao Brasil. A pior foi Lula, que, além
de tudo, nos legou Bolsonaro — uma “herança maldita” que corre o risco de se
prolongar por mais quatro anos. O ex e o atual presidente se tomam mutuamente
como antimodelos (no popular, como bicho-papão). Mas se retroalimentam: um é o
esmeril onde o outro afia as garras.
Lulopetismo
e bolsonarismo, hoje apresentados como os únicos caminhos politicamente
viáveis, estão longe de ser simétricos, mas não são assim tão antagônicos. Vão
dar no mesmo lugar: a negação da política, o desprezo pelo diálogo.
A expressão “terceira via” não ajuda muito. Ficou marcada como um Frankenstein com cérebro de capitalista e coração socialista. Mas aqui nomeia algo que nos liberte de um círculo vicioso, de uma espiral de hostilidade que torna a cada dia mais difícil desfazer o nó do “nós x eles”. Conseguimos não nos unir nem mesmo diante de uma pandemia que já matou quase meio milhão de brasileiros — ao contrário, encontramos nela combustível para nos afastar ainda mais.
Terceira
via (ou quarta, ou quinta) não é a média aritmética dos extremos: é um vasto
campo de possibilidades. Não é um muro sobre o qual os indecisos se acomodam
para não tomar partido: é de onde se pode ver quão próximas estão as pontas da
ferradura — e escolher não estar em nenhuma delas. É rejeitar a estridência das
militâncias e optar por um sistema em que todas as vozes sejam ouvidas. No
lugar do “um manda, o outro obedece”, escolher a argumentação e o
convencimento.
Construir
uma terceira via significa sair do simplorismo do branco ou preto e contemplar
a complexidade de uma escala Pantone inteira. Buscar a pluralidade e escapar da
“alternância de poder” entre um Centrão comprado pela esquerda mais venal e o
mesmo Centrão aliciado pela direita mais torpe.
É
um “caminho do meio” que pode até não levar ao nirvana, mas nos livrará da
tirania maldisfarçada do populismo. E de falácias, como insistir que a
responsabilidade por todas as mortes em decorrência da Covid-19 caiba ao atual
governo — inepto, errático e irresponsável — sem considerar que, mesmo com os
melhores quadros e as melhores práticas, parte das perdas humanas seria
inevitável. Ao mesmo tempo, não cogitar quantas vidas teriam sido poupadas se
os bilhões de reais desviados nos governos anteriores tivessem sido investidos
em saúde, segurança, educação, infraestrutura, geração de emprego.
Negacionismo
e milícias matam. Corrupção e ineficiência também.
Ainda
há tempo de viabilizar uma alternativa cujo projeto político seja de reformas,
não de manutenção de privilégios. Que não transforme distribuição de renda em
curral eleitoral. Que seja capaz de transcender o antipetismo e o
antibolsonarismo e evitar que o país continue refém de um jogo maniqueísta cujo
resultado sabemos — na carne — qual é.
Reelaborando o primeiro parágrafo, Lula é a segunda pior coisa a ter acontecido ao Brasil. A pior terá sido Bolsonaro — porque é por causa dele que corremos o risco de ter Lula de volta.
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