O Globo
O contexto torna as regras mais facilmente
conversíveis em investimentos pouco ou nada equitativos e, pior, cooptados por
interesses escusos
Como nos ensinou Douglas North, e o
confirmou Daren Acemoglu falando sobre o desenvolvimento das nações, o aparato
institucional, o arcabouço normativo e a aderência dos órgãos a eles são
fatores tão importantes para o financiamento educacional quanto o são o volume,
a distribuição e a natureza dos investimentos.
Enquanto os últimos referem-se à
dimensão quantitativa dos gastos, os primeiros dizem respeito à sua qualidade.
O Brasil tem desafios a superar nas duas dimensões.
O noticiário recente sobre práticas nada
republicanas de distribuição de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) do Ministério da Educação (MEC) atravessa esse debate. As
suspeitas de improbidade jogam luz sobre a necessidade de mais transparência e
critérios técnicos na execução de políticas educacionais.
A maior fonte de financiamento da Educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais do Magistério (Fundeb), foi modificada em 2020, com aumento do aporte da União ao Fundo, passando de 10% do total arrecadado por estados e municípios para 23% até 2026.
Além disso, o novo desenho incorporou
mudanças significativas que aumentam a equidade e incentivam o retorno sobre os
investimentos, constituindo, assim, importante contribuição para melhorar a
qualidade deles.
Contudo, o Fundeb representa cerca de 60%
de todo o gasto público com educação no Brasil. Há, pois, uma série de receitas
e despesas “fora do Fundeb”. Em 2019, a União renunciou a R$ 8,8 bilhões com
apenas dois instrumentos ligados à educação: R$ 4,2 bilhões com deduções
educacionais no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e R$ 4,8 bilhões com
isenções às entidades sem fins lucrativos (Cebas) que, por lei, devem conceder
bolsas a alunos vulneráveis em número igual ao de matrículas pagas nos cursos
que oferecem.
O Conselho de Monitoramento e Avaliação de
Políticas Públicas (Cmap) concluiu que, em 2019, o MEC não dispunha de um
sistema para registrar as bolsas concedidas pelas entidades com Cebas, uma
exigência legal para que obtenham a isenção tributária. Além disso, o MEC não
possuía mecanismos para avaliar os resultados da concessão do Cebas: acesso,
conclusão e nível de proficiência dos bolsistas.
Em suma, o Brasil não sabe quanto dos R$
4,8 bilhões que a União deixa de arrecadar (e, em parte, de repassar a estados
e municípios) contribui de fato para o acesso e o aprendizado de estudantes
atendidos por essas entidades.
Em outro relatório do Cmap, foi indicada a
necessidade de aprimorarmos as regras do Programa Nacional de Alimentação
Escolar, porque ele é “levemente regressivo” — transfere proporcionalmente mais
recursos para entes federados mais ricos. Há também melhorias a serem feitas
nas demais transferências obrigatórias do MEC, como o salário educação e o
programa de apoio ao transporte escolar.
Por que tornar essas regras mais
equitativas não é uma prioridade nacional?
No caso das deduções do IRPF, dados mostram
que o mecanismo beneficia majoritariamente os mais ricos. Segundo o Ministério
da Economia, em 2019, 79% das deduções em educação no IRPF beneficiavam as
famílias pertencentes aos 20% mais ricos do país e quase metade das deduções se
concentrou na Região Sudeste.
Se nas transferências obrigatórias há
fórmulas não equitativas e lacunas de implementação que impedem conhecer seus
produtos e menos ainda seus resultados, no caso das discricionárias o
regramento é ainda mais frouxo. Não à toa, as suspeitas de apropriação do
Orçamento por um “gabinete paralelo” no MEC estão associadas às transferências
discricionárias do FNDE.
O contexto torna as regras mais facilmente
conversíveis em investimentos pouco ou nada equitativos e, pior, cooptados por
interesses escusos, mormente quando a liderança política fragiliza as regras e
afasta do processo a burocracia tecnicamente qualificada e politicamente
independente.
Dados os nossos enormes desafios
educacionais e níveis de desigualdade, precisamos assegurar que as instituições
e as regras para a alocação dos recursos públicos beneficiem prioritariamente
os estudantes, as escolas e as regiões mais pobres do país, sob pena de, mesmo
aumentando os gastos, não conseguirmos reduzir a distância que separa os mais
vulneráveis dos privilegiados. Isso é o que se chama equidade.
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