O Globo
Foi apenas uma jogada
eleitoral. Fosse verdadeira, a renúncia de João Doria causaria um impacto
formidável no cenário eleitoral. A ausência de Doria na cédula eleitoral somada
à saída de Sergio Moro da corrida presidencial, ainda que temporariamente,
acomodaria as forças de centro, centro-esquerda e centro-direita em favor de
uma candidatura quiçá viável para enfrentar o protagonismo de Lula e Bolsonaro
e desalojar um deles do segundo turno.
Com Doria e Moro fora da
disputa, dois nomes buscariam espaço para se viabilizar. No PSDB, obviamente o
nome é do ex-governador Eduardo Leite. Fora dele, mas buscando o seu apoio e de
outros partidos, aparece a senadora do MDB Simone Tebet. Um seria cabeça da
chapa, e outro, o seu vice. Ambos são uma certa novidade no cenário político
nacional. Leite, que cumpriu um mandato no governo do Rio Grande do Sul, antes
foi prefeito de Pelotas também por um período, mas elegeu sua sucessora. Simone
foi vice-governadora do Mato Grosso do Sul e está no final do seu primeiro
mandato de senadora.
O cálculo que se teria
de fazer não seria aritmético, mas político. Não significa que a soma das
intenções de votos de Doria, Moro, Leite e Simone não devesse ser levada em
conta. Afinal, são 12 pontos percentuais, o dobro de Ciro Gomes e pouco menos
da metade de Bolsonaro. Claro que nem todos os eleitores de Moro iriam para a
dupla, mas muitos dos bolsonaristas que fugiram para a candidatura do ex-juiz
tendem a manter distância do capitão. Por outro lado, eleitores descontentes
mas que ainda estão com Bolsonaro poderiam se sentir à vontade para migrar para
uma candidatura de centro aparentemente viável.
O movimento que Doria não fez seria bom para ele e para o seu partido, inclusive em São Paulo. O governador perderia imediatamente a rejeição nacional ao seu nome que contamina fortemente sua posição no estado. E claro que não estaria traindo Rodrigo Garcia. Seria traição se o governador escolhesse outro nome para a disputa. Com Doria na disputa, Fernando Haddad teria um adversário mais forte. O petista poderia até ganhar a eleição, mas com menos votos. E os votos perdidos de Haddad poderiam também significar votos perdidos de Lula.
Embora mais adiante
Lula também pudesse ser alcançado por uma mudança no cenário, o primeiro a
sentir o golpe seria Bolsonaro. Para chegar ao segundo turno, o candidato do
centro teria de quebrar a polarização entre Bolsonaro e Lula. Como é praticamente
impossível tirar Lula com seu patamar de mais de 40% dos votos, o nome para
defenestrar seria o de Bolsonaro. E este tem fragilidades enormes que podem ser
exploradas na campanha. Esqueça os grandes problemas do presidente, como seus
ataques às instituições, seu papel infame no combate à pandemia, suas bênçãos a
pastores que fazem negócio com dinheiro público. Concentre-se no eleitor e seus
anseios.
Metade dos 54% dos
eleitores brasileiros que deram um mandato a Bolsonaro em 2018 já o
abandonaram, segundo as pesquisas. A maior parte deles é formada pelos
desiludidos, aqueles que se deram conta que entraram numa furada. Uma parte
menor, mas ainda assim importante, é composta pelos frustrados, os que queriam
um governo liberal e honesto e não viram isso se concretizar com seu candidato.
Estes, poderiam voltar a Bolsonaro se ele desse em algum momento sinais de que
vai se emendar. Com uma nova candidatura de centro, reforçada e unificada,
tanto os desiludidos quanto os frustrados teriam uma alternativa.
Lula, por sua vez,
se a terceira via se consolidasse e fosse para o segundo turno, teria um
concorrente mais difícil que Bolsonaro. Neste caso, o candidato do centro
atrairia os eleitores que seriam do presidente e aqueles que foram para Lula
com o nariz tampado. Nas próximas semanas, com novas pesquisas diante de um
quadro sem Moro, vamos saber como a novidade vai mexer no tabuleiro eleitoral.
O certo é que Doria, agora ainda mais desgastado, não será o polo de atração
desses votos, como seriam Tebet e Leite.
O golpista voltou
Depois de um bom tempo sem desafiar as
instituições, Jair Bolsonaro voltou a instigar a sua turma. Num comício ilegal,
em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, ele gritou: “Votos serão contados no
Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos.
Povo armado jamais será escravizado”. Claro que o presidente é uma pessoa de
inteligência média-baixa, mas a
burrice não explica o discurso, já que ele sabe muito bem
que quem vai contar os votos são as urnas eletrônicas; e não foram dois ou três
que decidiram isso, mas o conjunto de 513 deputados e 81 senadores,
referendados por 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. Não ache que é
apenas mais um cacoete golpista do golpista número 1 do país. O subversivo
sugeriu o uso de armas para defendê-lo caso não seja reeleito.
Desordem do dia
O ministro da Defesa mentiu desbragadamente
na nota em que comemorou o golpe de 1964. Braga Netto fez coro com o discurso
abusado de Bolsonaro pronunciado no mesmo dia. Fala em liberdade, estabilidade,
legado de paz, amadurecimento político, mas não menciona assassinato, tortura, fechamento
de Congresso, cassação de mandatos e empastelamento de jornais. O general tinha
sete anos em 1964. Ao que parece, Braga só leu os livros de História produzidos
na ditadura.
Generais e civis
Bolsonaro troca generais como se trocasse
de camisa. Já foram defenestrados da administração pública uma dúzia deles, a
maioria com humilhação. O desrespeito com os oficiais superiores só não é maior
do que o desprezo que o capitão tem por quem não lhe obedece prontamente. Esta,
aliás, a causa da queda do último general, o Silva e Luna da Petrobras. Por
outro lado, a sem cerimônia com que trata os generais prova que militar no governo é mais do mesmo. Os
generais podem ser melhores ou piores do que os civis. Em alguns casos são bem
piores. Pazuello, por exemplo. Já Silva e Luna não deve nada ao seu substituto.
Embora Adriano Pires saiba mais de petróleo do que o general demitido, pode ser
pior do que ele se piscar e atender a uma demanda de Bolsonaro. Qualquer uma.
Caciques
Curiosos são os velhos líderes do PSDB que
não querem João Doria na disputa presidencial e não o aceitam concorrendo à sua
própria reeleição. O que será que eles querem, além do controle do caixa do
partido?
No mundo da lua
O astronauta Marcos Pontes, ex-ministro da
Ciência e Tecnologia, desafiou numa única tacada o seu chefe, Jair Bolsonaro, e
o Centrão. Quando apareceu um nome indicado pelo grupo parlamentar para o seu
lugar, disse que não sairia do ministério para não abrir vaga para uma
indicação política. Numa entrevista ao GLOBO, acrescentou que na sua função não
cabe um político porque aquilo ali é como pilotar um avião, é preciso ter técnica.
Fala sério. Marcos Pontes é engenheiro com especialização em tecnologia
aeronáutica. Sua qualificação de aviador o qualifica para o posto? Claro que
não. Não cabe aqui nenhuma defesa do Centrão, longe disso, mas qualquer cargo ministerial exige experiência e força
política. Não por outra razão, o melhor ministro da Saúde
dos últimos anos foi o economista José Serra. Na Ciência, outro economista, o
ex-deputado Aloizio Mercadante, foi dez vezes melhor que Pontes.
Será que dura?
O substituto interino de Milton Ribeiro no
Ministério da Educação, Victor Godoy Veiga, é um funcionário de carreira.
Isso não o torna um santo, mas
diante das outras duas opções apresentadas, qualifica o seu nome de maneira
inequívoca. Resta saber se ele vai durar no posto, já que um dos seus
contendores é indicação de Silas Malafaia, e o outro, de Valdemar Costa Neto.
Foram os dois que exigiram de Bolsonaro que não efetivasse Godoy Veiga por
enquanto. O lobby contra ele vai ser pesado.
O povo não é bobo
Pesquisa Datafolha revela que 53% dos
brasileiros acham que a corrupção vai aumentar no Brasil. Depois de ouvir as marteladas fakes de Bolsonaro de
que seu governo não tem casos de corrupção, o número havia caído para 36% em
dezembro do ano passado. Detalhe: o campo da pesquisa foi feito antes da
eclosão do escândalo dos pastores enviados por Bolsonaro aos cofres do MEC.
Midiaticamente
Exemplo de que basta estar na mídia de modo
intenso para se habilitar a uma vaga de deputado é o caso de Fabiano Guimarães,
tradutor de libras de Bolsonaro. Nunca se ouviu ou se leu uma palavra sua sobre
não importa qual assunto, mas por estar ali, traduzindo as barbaridades ditas
pelo presidente, o sujeito se julga qualificado para pedir o seu voto. E o pior
é que ele pode ser eleito. Se há um fim da picada, chegamos a ele.
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