sábado, 2 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bravata golpista

Folha de S. Paulo

2º colocado nas pesquisas, Bolsonaro volta a atacar legitimidade das eleições

"Os votos serão contados no Brasil. Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses votos", afirmou Jair Bolsonaro (PL) na quarta (30). A frase poderia passar por hermética, não fosse a ficha corrida de ofensivas golpistas e autoritárias do mandatário.

Bolsonaro voltava a insinuar que haverá alguma apuração paralela —sabe-se lá como, pois fracassou seu plano de instaurar a votação em papel. Ameaçava desobedecer ao Supremo Tribunal Federal.

Para não haver dúvida, em discurso no dia seguinte no qual defendeu outra vez a ditadura, atacou quem atrapalha a transformação do país em uma "grande nação". "Se não tem ideias, cala a boca. Bota a tua toga e fica aí."

Apesar da truculência, Bolsonaro não foi tão explícito quanto no ápice de sua fracassada campanha subversiva, no 7 de Setembro passado. Depois de ser barrado pelas instituições, o presidente interrompeu momentaneamente as ameaças ao pleito deste ano.

A partir do final de 2021, porém, voltou à carga. Em dezembro, criticou o STF pelo que chamou de abuso na prisão de correligionários —investigados, como ele próprio, no inquérito das fake news. Em janeiro, disse que teria vencido no primeiro turno em 2018, se as eleições fossem "limpas".

Também afirmou que os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso "querem o Lula presidente". Em fevereiro, acusou Moraes, Barroso e Edson Fachin de pretender torná-lo "inelegível na base da canetada".

Bolsonaro, mais uma vez, procura para colocar sob suspeita a cúpula do Poder Judiciário, o Tribunal Superior Eleitoral e, assim, a legitimidade da eleição. Desse modo, atiça também seu eleitorado extremista e seus correligionários mais ferozes, como o deputado federal Daniel Silveira (União Brasil-RJ), que desafia abertamente decisões de Alexandre de Moraes.

Ao que parece, pretende no mínimo espalhar o temor de que suas palavras possam se transformar em atos caso as urnas confirmem a derrota eleitoral hoje indicada pelas pesquisas de intenção de voto.

Convoca seus militantes e deixa no ar a possibilidade de que incentive um ensaio geral para uma tomada do Capitólio, tal como fizeram as milícias que pretendiam reverter a derrota de Donald Trump.

Trata-se de conduta grotesca e inaceitável para um chefe de Estado, mas em nada surpreendente. Está claro que, incapaz de governar, Bolsonaro rosna a esmo contra as instituições. Ainda mostra fôlego como candidato, mas felizmente não como golpista.

Feridas da ditadura

Folha de S. Paulo

Julgamento de militares na Argentina revive a estupidez da Guerra das Malvinas

Passados 40 anos da Guerra das Malvinas, o embate em torno do grupo de ilhas no Atlântico Sul que opôs Argentina e Reino Unido, o país vizinho ainda lida com feridas não cicatrizadas do conflito.

Para além da derrota no confronto armado, uma questão sensível para uma nação que até hoje não aceita a soberania britânica do arquipélago, nos últimos anos vem ganhando corpo um conjunto de denúncias contra militares argentinos, acusados de cometer crimes contra seus próprios comandados.

Diversas formas de tortura teriam sido praticadas contra soldados que se recusavam a combater, seja em razão da precariedade de armas e treinamento, seja devido às terríveis condições enfrentadas pela tropa, como a escassez de alimentos e de abrigo, numa região em que as temperaturas caem abaixo de 0ºC.

A lista de supostos abusos tem a marca da barbárie. Soldados amarrados seminus em árvores e deixados ao sabor das intempéries; jovens oficiais enterrados até o pescoço por dias, sem receber alimentos. Os militares são ainda acusados de terem se valido de métodos então utilizados nos centros de detenção clandestinos da ditadura argentina, como choques elétricos.

O regime militar iniciado em 1976 estava longe de constituir uma exceção no panorama político sul-americano. À época, por exemplo, Brasil, Chile e Bolívia também eram comandados por ditaduras impostas pelas Forças Armadas.

Com o conflito de 1982, os generais argentinos buscavam dar sobrevida a um regime em processo de falência, insuflando o sentimento nacionalista para unir o país. A estratégia funcionou de início. Até a esquerda, massacrada sob os militares, apoiou a trágica aventura.

A arrasadora vitória britânica, porém, desmoralizou os fardados e selou o ocaso do período autoritário, encerrado no ano seguinte.

Desde o desfecho do conflito, os poucos julgamentos sobre os abusos nas Malvinas terminaram inconclusos ou com a absolvição dos acusados. O panorama começou a mudar há cerca de 15 anos, quando juízes passaram a considerar alguns desses casos como crimes contra a humanidade.

A ação presente, que conta com cerca de 170 denúncias, está paralisada desde o ano passado, aguardando a Suprema Corte decidir se os crimes atribuídos aos militares são de lesa-humanidade —e, portanto, imprescritíveis.

Uma resposta positiva permitirá aos argentinos esmiuçar esse momento de sua história em que a estupidez da guerra se juntou às práticas abomináveis da ditadura.

Congresso precisa imprimir urgência a PL das Fake News

O Globo

Apresentado nesta semana pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), o substitutivo ao Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, deverá entrar na pauta da Câmara na próxima. É fundamental que o plenário confira ao texto a tramitação em regime de urgência, para que seja possível aprová-lo a tempo de vigorar já nas eleições de outubro (para isso, o relator reduziu o prazo legal para implementação de vários dispositivos).

O apelido do projeto transmite uma impressão enganosa. Seu objetivo não é apenas combater desinformação digital. O nome completo é mais fiel ao espírito do conteúdo: Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Trata-se, sem exagero, de enfim impor a força da lei a um ambiente onde a informação circula sem nenhuma disciplina, à mercê dos caprichos das plataformas digitais, em particular Alphabet (Google e YouTube) e Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp).

Os avanços trazidos pelo projeto ao arcabouço jurídico brasileiro são incontestáveis. Ele cria a obrigação de que redes sociais, ferramentas de buscas ou serviços de mensagens privadas tenham representantes no Brasil e sigam as leis brasileiras no que diz respeito à publicidade digital. Cria regras para identificar publicidade e impõe critérios objetivos e transparentes para remoção de conteúdos e contas, em processos abertos com direito de defesa. Impõe às autoridades públicas normas para uso das contas oficiais nas redes sociais. Por fim, obriga as plataformas digitais a remunerar de modo justo empresas que produzem conteúdo jornalístico, a exemplo do que já fazem países como França ou Austrália.

Para facilitar a aprovação, Silva fez duas concessões importantes: uma omissão e uma inclusão. Em contraste com as primeiras versões, o substitutivo nada impõe aos serviços de mensagens para facilitar o rastreamento de conteúdos ilegais ou fraudulentos, embora os mecanismos sugeridos fossem sensatos, com restrições menos invasivas que qualquer escuta telemática ou telefônica em vigor no país. Isso significa que será mais difícil — ou até inviável — controlar a disseminação de desinformação via WhatsApp ou Telegram na campanha eleitoral deste ano, a exemplo do que já ocorreu em 2018.

Essa omissão sempre poderá ser corrigida no futuro. Mais grave foi a inclusão de um dispositivo que transfere ao meio digital de modo explícito a “imunidade parlamentar material” que os legisladores já usufruem no Brasil. Embora aparentemente inócuo, pois apenas repete o que a lei já determina, esse dispositivo abre brecha a que juízes do país todo possam proibir as plataformas de tirar do ar qualquer conteúdo publicado pelos parlamentares, mesmo que flagrantemente ilegal. Não custa lembrar que os detentores de mandato são hoje os principais canais de veiculação de fake news no país, como mostram as campanhas contra as vacinas ou a urna eletrônica.

Assim que aprovado na Câmara, o projeto deverá voltar ao Senado para nova apreciação, em razão das modificações propostas. Seria importante que alguma das votações derrubasse tal dispositivo (os parlamentares não perderiam nada da imunidade que já têm). Mas isso não deve servir de pretexto para impedir a aprovação do resto do texto. O Brasil precisa com urgência da nova lei, para garantir um mínimo de higiene cívica no ambiente digital durante a campanha eleitoral.

Rosa Weber acertou ao rejeitar arquivamento do caso Covaxin

O Globo

Fez bem a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), em rejeitar o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para arquivar o inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro prevaricou no caso das denúncias sobre irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Cinco meses depois do fim da CPI da Covid, ainda há questões a esclarecer no episódio, um dos mais nebulosos envolvendo o Ministério da Saúde.

Em depoimento à CPI da Covid no ano passado, o deputado federal Luis Miranda (Republicanos-DF) e seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, afirmaram ter levado pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro, em março, denúncias de irregularidades na compra da Covaxin. Relataram pressões para acelerar os trâmites e efetuar um pagamento antecipado sem previsão contratual. Embora o Planalto tenha tentado desqualificar os acusadores, apresentando até documentos falsos, Bolsonaro nunca negou o encontro. Segundo os irmãos, o presidente prometeu encaminhar o caso à Polícia Federal, mas a PF só começou a investigá-lo depois que o escândalo veio à tona. Diante da repercussão, o governo informou que as denúncias haviam sido enviadas ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (de saída do ministério) e que ele não encontrara irregularidade.

O pedido de arquivamento feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) foi amparado na tese de que, à luz da Constituição, o presidente da República não tem obrigação de comunicar a prática de crimes às autoridades competentes. Foi essa também a conclusão do inquérito da PF, que nem se deu ao trabalho de ouvir Bolsonaro. De acordo com o documento, “na hipótese de omissão, tal conduta se aproximaria mais de uma ausência de cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de um dever funcional”.

A ministra Rosa Weber discordou. Ao rejeitar o arquivamento, ela afirmou que a tese não se sustentava e que a interpretação de Aras autorizaria o presidente “a permanecer inerte mesmo se formalmente comunicado da existência de crimes funcionais em pleno curso de execução nas dependências da estrutura orgânica do primeiro escalão governamental”. Aras já afirmou que recorrerá ao plenário. É do jogo.

Independentemente da discussão sobre a responsabilidade do presidente da República diante de graves denúncias de irregularidades, há lacunas a preencher. É verdade que o nebuloso contrato de R$ 1,6 bilhão foi cancelado pelo Ministério da Saúde. Mas não se pode jogar a sujeira para baixo do tapete. Os brasileiros têm o direito de saber o que aconteceu. Por que Bolsonaro não encaminhou as denúncias à PF, como prometera aos Mirandas e como caberia a qualquer cidadão minimamente interessado em zelar pela moralidade do serviço público?

Bolsonaro em estado bruto

O Estado de S. Paulo

Com ameaças às eleições, insinuações antidemocráticas e declarações indecorosas, Bolsonaro espera eletrizar sua base de reacionários e distrair o eleitorado dos problemas

No dia 31 de março, Jair Bolsonaro fez um discurso eleitoral que reflete, com clareza meridiana, a natureza do bolsonarismo. O presidente não prestou contas do que fez até aqui no governo, tampouco propôs alguma coisa para o futuro do País. Não fez nada do que, em tese, um pretendente à reeleição deveria fazer para conquistar o voto do eleitor. O discurso, repleto de grosserias, foi dedicado a fustigar as instituições e a proferir ameaças. “Calma é o cacete”, disse.

Nada disso – tom, conteúdo ou ausência de proposta – é acidental. O bolsonarismo precisa que a campanha eleitoral não discuta os problemas reais do governo e do País. A corrupção no Ministério da Educação, as relações promíscuas com o Centrão, o completo fracasso da agenda de Paulo Guedes, as omissões e confusões no enfrentamento da pandemia, as falcatruas no Ministério da Saúde, o desemprego, a inflação, o baixo crescimento econômico e a volta da fome: todos os temas que afetam a vida da população, bem como as suspeitas de rachadinha e de tráfico de influência envolvendo a família Bolsonaro, são um enorme problema para a reeleição de Jair Bolsonaro. 

Mas como fazer para que nada disso, em um total desvirtuamento do que deve ser o debate público num regime democrático, seja discutido na campanha eleitoral? O bolsonarismo tem a fórmula – incivilizada, hostil aos princípios constitucionais e extremamente onerosa para o País. Infelizmente, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, essa fórmula está funcionando para eletrizar sua aguerrida base reacionária, exatamente como aconteceu nas eleições de 2018. A diferença, para pior, é que, naquela época, Bolsonaro era apenas um obscuro deputado do baixo clero, dependente das redes sociais para ganhar atenção, e hoje é presidente da República, condição que dá muito mais visibilidade às suas injúrias.

Em vez de explicar os incontornáveis problemas do Ministério da Educação, Bolsonaro prefere gritar: “Bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros!”, em referência malcriada a ministros do Supremo. Trata-se de grave falta de compostura e decoro. A rigor, enquadra-se numa das hipóteses da Lei do Impeachment, que inclui, entre os crimes de responsabilidade, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Mas Bolsonaro sabe que ficará impune, e aproveita a grosseria para atiçar apoiadores, gerar tensão com outros Poderes e desviar a atenção do que realmente interessa numa eleição.

É de fato constrangedor, mas o bolsonarismo não tem nenhum escrúpulo em inventar e reinventar as mesmas polêmicas. Na quinta-feira, Bolsonaro falou de todas elas: elogiou a ditadura militar, ameaçou as eleições de outubro, prometeu armar a população, deturpou o sentido de decisões judiciais, fantasiou ataques à liberdade de expressão e ainda aplaudiu o deputado desordeiro que, para fugir da Justiça, preferiu desonrar o Congresso.

Assim Jair Bolsonaro vem, há décadas, construindo sua trajetória política. Não conhece limites morais e éticos, esmerando-se sempre em se superar em truculência e desfaçatez – sobretudo quando se encontra em dificuldades políticas. Diante do acúmulo de evidências de corrupção e malfeitos em seu governo, Bolsonaro vale-se de ameaças e insinuações antidemocráticas. Não por acaso, voltou a colocar em dúvida o sistema de votação, com o intuito óbvio de criar um clima de apreensão no País e fazer os brasileiros esquecerem como a vida piorou.

A estratégia é muito mais grave do que mero desvio de atenção da população. Há um ataque real às instituições e às liberdades quando um presidente da República insinua que não reconhecerá o resultado das eleições caso seja derrotado. Sem nenhuma transigência ou tolerância com essas ameaças – que merecem rigorosa responsabilização –, é preciso lembrar o óbvio: há democracia no País, haverá eleições em outubro e o resultado será respeitado. O resto é burburinho de quem nada tem a oferecer ao Brasil além do caos.

Autoritários detestam agências independentes

O Estado de S. Paulo

Articula-se agora uma PEC para esvaziar as agências reguladoras, cuja autonomia voltou a ser atacada por Bolsonaro, a exemplo do que fazia Lula

Em mais uma demonstração de incompreensão reiterada sobre o papel das instituições de Estado, o presidente Jair Bolsonaro atacou publicamente as agências reguladoras. Para o capitão da reserva, elas “podem muito mais que os Ministérios” e existem apenas para “criar dificuldades”. “Não precisa dizer que nasceu no governo de Fernando Henrique Cardoso”, ironizou Bolsonaro. 

Não é a primeira vez que ele critica as agências, mas a declaração, neste momento, evidencia uma orquestração articulada com apoio e conivência do Legislativo sob disfarce de uma reforma administrativa. O Estadão revelou que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que esvazia as funções desses órgãos deve chegar ao Congresso em abril, retirando de sua alçada a regulamentação de leis e decretos, ou seja, a execução das políticas públicas. Essas atividades, bem como o julgamento administrativo do cumprimento de regras dos setores, seriam delegadas a conselhos a serem criados dentro dos próprios Ministérios.

As agências reguladoras são um marco institucional da democracia. Elas foram criadas no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um momento de modernização do Estado, quando estatais começaram a ser privatizadas. Não foi por capricho que elas foram vendidas: essas empresas consumiam bilhões em recursos públicos sem entregar serviços à altura. Basta lembrar que uma linha telefônica era um bem tão valioso quanto um imóvel, e a fila de espera para atendimento dos pedidos dos consumidores era medida em anos.

A privatização das empresas de telefonia e de energia foi fundamental para a universalização do acesso a serviços que hoje estão à disposição de toda a população. Esse avanço está diretamente ligado à atuação das agências. A garantia legal de autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira, a ausência de tutela e subordinação hierárquica e a estabilidade dos mandatos de seus dirigentes são pilares que deram ao setor privado a segurança para ingressar em setores até então marcados por incompetência, intervencionismo e privilégios.

Ainda que vinculadas a Ministérios, as agências não obedecem a ministros. Tampouco são órgãos de defesa do consumidor em busca da menor tarifa possível, ainda que inviável. Seus diretores têm mandato fixo e, depois de submetidos à sabatina do Senado, não podem ser demitidos. Seu corpo técnico é composto por servidores selecionados por concurso público. Às agências cabe buscar o equilíbrio de interesses, ao assegurar a sustentabilidade das empresas e exigir a prestação do serviço público com qualidade. É uma missão que, em última instância, almeja a proteção do interesse público e o benefício de toda a sociedade, e não as vontades do presidente de plantão.

São esses valores que hoje estão sob ataque de Bolsonaro e, sem nenhuma surpresa, já foram alvo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É impressionante a semelhança de opinião entre eles: o petista chegou a enviar um projeto de lei para submeter os órgãos reguladores aos Ministérios. No governo de Dilma Rousseff, a disputa pelas indicações deixou diretorias incompletas por anos. Para evitar essa atuação capenga, a nova lei das agências, proposta durante a gestão Michel Temer e aprovada em 2019, passou a exigir a convocação de substitutos entre os próprios servidores para conferir quórum completo para a tomada de decisões – algo que tem sido desrespeitado pelo atual governo.

Com métodos diferentes, Bolsonaro e Lula buscam enfraquecer as agências para angariar mais poder. Sem conseguir aprovar a lei que queria, Lula passou a aparelhar órgãos reguladores para controlá-los. Bolsonaro, por sua vez, nunca respeitou as agências – chegou a incentivar seus camisas pardas a perseguir servidores e diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para impedir o aval à vacinação infantil contra a covid-19. É para conter esses desmandos autocráticos que as agências existem. Casos como o da Anvisa mostram por que a independência desses órgãos é uma causa de toda a sociedade e merece defesa intransigente.

Um desastre social e econômico

O Estado de S. Paulo

Apesar de alguma melhora, mercado de trabalho continuou em péssimas condições na recuperação da pandemia

Com 12 milhões de pessoas em busca de ganha-pão, o mercado de trabalho pouco melhorou na virada do ano e pouco deverá mudar, nos próximos meses, se a economia continuar tão emperrada quanto indicam as projeções do mercado e até do governo. Dinheiro curto, consumo restrito e contas em atraso seguirão assombrando dezenas de milhões de famílias, porque a perda de renda assola também a maioria dos ocupados.

A população desempregada continuou com o mesmo tamanho – 12 milhões – nos trimestres móveis terminados em dezembro, janeiro e fevereiro. Só houve uma ligeira variação, quase insignificante, na taxa de desemprego, de 11,1% no primeiro período para 11,2% da força de trabalho nos dois seguintes. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O quadro fica pouco melhor quando a comparação envolve intervalos maiores. No trimestre setembro-novembro os desempregados eram 12,4 milhões, ou 11,6% da população economicamente ativa. No período encerrado em fevereiro de 2021 os trabalhadores desocupados eram 14,9 milhões, número equivalente a 14,6% das pessoas ativas.

Apesar do cenário menos negativo, o desemprego no Brasil permaneceu muito acima dos padrões observados na maior parte dos países desenvolvidos e dos grandes emergentes. Nesse grande conjunto a desocupação raramente supera 7% da população ativa e, além disso, dificilmente se encontram níveis de pobreza semelhantes aos do Brasil.

Não só a desocupação se manteve elevada no Brasil durante a recuperação da primeira onda de covid-19. A maior parte das condições do mercado de trabalho continuou muito ruim para dezenas de milhões de pessoas. No último período pesquisado, o trimestre móvel terminado em fevereiro, a taxa de subutilização permaneceu muito alta: 23,9% da força de trabalho. Esse contingente, formado por 27,8 milhões de indivíduos, inclui desempregados, desalentados, subocupados por insuficiência de horas de trabalho e aqueles capazes de trabalhar, mas ainda fora do mercado. Os números são menores que os de um ano antes, mas ainda compõem um desastre econômico e social.

A projeção mais otimista, a do Ministério da Economia, indica para 2022 um crescimento econômico de 1,5%. Outros entes federais são mais contidos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,1%. O Banco Central (BC) estima um avanço de 1%. Isso é o dobro da mediana das projeções do mercado, de acordo com a pesquisa Focus.

Sem aumento do consumo interno, a produção de serviços e de bens industriais fica sem tração para avançar. Mas é difícil, neste momento, imaginar os consumidores aumentando seus gastos. Em um ano, o rendimento médio habitual dos trabalhadores encolheu 9,7%, computado o efeito da inflação. A corrosão inflacionária deve continuar agravando os efeitos da anemia econômica. Cuidar desse desastre será o primeiro desafio para quem assumir a Presidência em janeiro.

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