EDITORIAIS
Bravata golpista
Folha de S. Paulo
2º colocado nas pesquisas, Bolsonaro volta
a atacar legitimidade das eleições
"Os votos serão contados no Brasil.
Não serão dois ou três que decidirão como serão contados esses
votos", afirmou Jair
Bolsonaro (PL) na quarta (30). A frase poderia passar por hermética,
não fosse a ficha corrida de ofensivas golpistas e autoritárias do mandatário.
Bolsonaro voltava a insinuar que haverá
alguma apuração paralela —sabe-se lá como, pois fracassou seu plano de
instaurar a votação em papel. Ameaçava desobedecer ao Supremo Tribunal Federal.
Para não haver dúvida, em discurso no dia
seguinte no qual
defendeu outra vez a ditadura, atacou quem atrapalha a transformação
do país em uma "grande nação". "Se não tem ideias, cala a boca.
Bota a tua toga e fica aí."
Apesar da truculência, Bolsonaro não foi
tão explícito quanto no ápice de sua fracassada campanha subversiva, no 7 de
Setembro passado. Depois de ser barrado pelas instituições, o presidente
interrompeu momentaneamente as ameaças ao pleito deste ano.
A partir do final de 2021, porém, voltou à carga. Em dezembro, criticou o STF pelo que chamou de abuso na prisão de correligionários —investigados, como ele próprio, no inquérito das fake news. Em janeiro, disse que teria vencido no primeiro turno em 2018, se as eleições fossem "limpas".
Também afirmou que os ministros Alexandre
de Moraes e Luís Roberto Barroso "querem o Lula presidente". Em
fevereiro, acusou Moraes, Barroso e Edson Fachin de pretender torná-lo
"inelegível na base da canetada".
Bolsonaro, mais uma vez, procura para
colocar sob suspeita a cúpula do Poder Judiciário, o Tribunal Superior
Eleitoral e, assim, a legitimidade da eleição. Desse modo, atiça também seu
eleitorado extremista e seus correligionários mais ferozes, como o deputado
federal Daniel Silveira (União Brasil-RJ), que desafia abertamente decisões de
Alexandre de Moraes.
Ao que parece, pretende no mínimo espalhar
o temor de que suas palavras possam se transformar em atos caso as urnas
confirmem a derrota eleitoral hoje indicada pelas pesquisas de intenção de
voto.
Convoca seus militantes e deixa no ar a
possibilidade de que incentive um ensaio geral para uma tomada do Capitólio,
tal como fizeram as milícias que pretendiam reverter a derrota de Donald Trump.
Trata-se de conduta grotesca e inaceitável
para um chefe de Estado, mas em nada surpreendente. Está claro que, incapaz de
governar, Bolsonaro rosna a esmo contra as instituições. Ainda mostra fôlego
como candidato, mas felizmente não como golpista.
Feridas da ditadura
Folha de S. Paulo
Julgamento de militares na Argentina revive
a estupidez da Guerra das Malvinas
Passados 40 anos da Guerra das Malvinas, o
embate em torno do grupo de ilhas no Atlântico Sul que opôs Argentina e Reino
Unido, o país vizinho ainda lida com feridas não cicatrizadas do conflito.
Para além da derrota no confronto armado,
uma questão sensível para uma nação que até hoje não aceita a soberania
britânica do arquipélago, nos últimos anos vem ganhando corpo um conjunto de
denúncias contra militares argentinos, acusados de
cometer crimes contra seus próprios comandados.
Diversas formas de tortura teriam sido
praticadas contra soldados que se recusavam a combater, seja em razão da
precariedade de armas e treinamento, seja devido às terríveis condições
enfrentadas pela tropa, como a escassez de alimentos e de abrigo, numa região
em que as temperaturas caem abaixo de 0ºC.
A lista de supostos abusos tem a marca da
barbárie. Soldados amarrados seminus em árvores e deixados ao sabor das
intempéries; jovens oficiais enterrados até o pescoço por dias, sem receber
alimentos. Os militares são ainda acusados de terem se valido de métodos então
utilizados nos centros de detenção clandestinos da ditadura argentina, como
choques elétricos.
O regime militar iniciado em 1976 estava
longe de constituir uma exceção no panorama político sul-americano. À época,
por exemplo, Brasil, Chile e Bolívia também eram comandados por ditaduras
impostas pelas Forças Armadas.
Com o conflito de 1982, os generais
argentinos buscavam dar sobrevida a um regime em processo de falência,
insuflando o sentimento nacionalista para unir o país. A estratégia funcionou
de início. Até a esquerda, massacrada sob os militares, apoiou a trágica
aventura.
A arrasadora vitória britânica, porém,
desmoralizou os fardados e selou o ocaso do período autoritário, encerrado no
ano seguinte.
Desde o desfecho do conflito, os poucos
julgamentos sobre os abusos nas Malvinas terminaram inconclusos ou com a
absolvição dos acusados. O panorama começou a mudar há cerca de 15 anos, quando
juízes passaram a considerar alguns desses casos como crimes contra a
humanidade.
A ação presente, que conta com cerca de 170
denúncias, está paralisada desde o ano passado, aguardando a Suprema Corte
decidir se os crimes atribuídos aos militares são de lesa-humanidade —e,
portanto, imprescritíveis.
Uma resposta positiva permitirá aos
argentinos esmiuçar esse momento de sua história em que a estupidez da guerra
se juntou às práticas abomináveis da ditadura.
Congresso precisa imprimir urgência a PL
das Fake News
O Globo
Apresentado nesta semana pelo deputado
Orlando Silva (PCdoB-SP), o substitutivo ao Projeto de Lei 2.630/2020,
conhecido como PL das Fake News, deverá entrar na pauta da Câmara na próxima. É
fundamental que o plenário confira ao texto a tramitação em regime de urgência,
para que seja possível aprová-lo a tempo de vigorar já nas eleições de outubro
(para isso, o relator reduziu o prazo legal para implementação de vários
dispositivos).
O apelido do projeto transmite uma
impressão enganosa. Seu objetivo não é apenas combater desinformação digital. O
nome completo é mais fiel ao espírito do conteúdo: Lei de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet. Trata-se, sem exagero, de enfim
impor a força da lei a um ambiente onde a informação circula sem nenhuma
disciplina, à mercê dos caprichos das plataformas digitais, em particular
Alphabet (Google e YouTube) e Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp).
Os avanços trazidos pelo projeto ao
arcabouço jurídico brasileiro são incontestáveis. Ele cria a obrigação de que
redes sociais, ferramentas de buscas ou serviços de mensagens privadas tenham
representantes no Brasil e sigam as leis brasileiras no que diz respeito à
publicidade digital. Cria regras para identificar publicidade e impõe critérios
objetivos e transparentes para remoção de conteúdos e contas, em processos
abertos com direito de defesa. Impõe às autoridades públicas normas para uso
das contas oficiais nas redes sociais. Por fim, obriga as plataformas digitais
a remunerar de modo justo empresas que produzem conteúdo jornalístico, a
exemplo do que já fazem países como França ou Austrália.
Para facilitar a aprovação, Silva fez duas
concessões importantes: uma omissão e uma inclusão. Em contraste com as
primeiras versões, o substitutivo nada impõe aos serviços de mensagens para
facilitar o rastreamento de conteúdos ilegais ou fraudulentos, embora os
mecanismos sugeridos fossem sensatos, com restrições menos invasivas que
qualquer escuta telemática ou telefônica em vigor no país. Isso significa que
será mais difícil — ou até inviável — controlar a disseminação de desinformação
via WhatsApp ou Telegram na campanha eleitoral deste ano, a exemplo do que já
ocorreu em 2018.
Essa omissão sempre poderá ser corrigida no
futuro. Mais grave foi a inclusão de um dispositivo que transfere ao meio
digital de modo explícito a “imunidade parlamentar material” que os
legisladores já usufruem no Brasil. Embora aparentemente inócuo, pois apenas
repete o que a lei já determina, esse dispositivo abre brecha a que juízes do
país todo possam proibir as plataformas de tirar do ar qualquer conteúdo
publicado pelos parlamentares, mesmo que flagrantemente ilegal. Não custa
lembrar que os detentores de mandato são hoje os principais canais de
veiculação de fake news no país, como mostram as campanhas contra as vacinas ou
a urna eletrônica.
Assim que aprovado na Câmara, o projeto
deverá voltar ao Senado para nova apreciação, em razão das modificações
propostas. Seria importante que alguma das votações derrubasse tal dispositivo
(os parlamentares não perderiam nada da imunidade que já têm). Mas isso não
deve servir de pretexto para impedir a aprovação do resto do texto. O Brasil
precisa com urgência da nova lei, para garantir um mínimo de higiene cívica no
ambiente digital durante a campanha eleitoral.
Rosa Weber acertou ao rejeitar arquivamento
do caso Covaxin
O Globo
Fez bem a ministra Rosa Weber, do Supremo
Tribunal Federal (STF), em rejeitar o pedido do procurador-geral da República,
Augusto Aras, para arquivar o inquérito que investiga se o presidente Jair
Bolsonaro prevaricou no caso das denúncias sobre irregularidades na compra da
vacina indiana Covaxin. Cinco meses depois do fim da CPI da Covid, ainda há
questões a esclarecer no episódio, um dos mais nebulosos envolvendo o
Ministério da Saúde.
Em depoimento à CPI da Covid no ano
passado, o deputado federal Luis Miranda (Republicanos-DF) e seu irmão Luis
Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, afirmaram ter levado
pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro, em março, denúncias de
irregularidades na compra da Covaxin. Relataram pressões para acelerar os
trâmites e efetuar um pagamento antecipado sem previsão contratual. Embora o
Planalto tenha tentado desqualificar os acusadores, apresentando até documentos
falsos, Bolsonaro nunca negou o encontro. Segundo os irmãos, o presidente
prometeu encaminhar o caso à Polícia Federal, mas a PF só começou a investigá-lo
depois que o escândalo veio à tona. Diante da repercussão, o governo informou
que as denúncias haviam sido enviadas ao então ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello (de saída do ministério) e que ele não encontrara irregularidade.
O pedido de arquivamento feito pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) foi amparado na tese de que, à luz da
Constituição, o presidente da República não tem obrigação de comunicar a
prática de crimes às autoridades competentes. Foi essa também a conclusão do
inquérito da PF, que nem se deu ao trabalho de ouvir Bolsonaro. De acordo com o
documento, “na hipótese de omissão, tal conduta se aproximaria mais de uma
ausência de cumprimento de um dever cívico, mas não de um desvio de um dever
funcional”.
A ministra Rosa Weber discordou. Ao
rejeitar o arquivamento, ela afirmou que a tese não se sustentava e que a
interpretação de Aras autorizaria o presidente “a permanecer inerte mesmo se
formalmente comunicado da existência de crimes funcionais em pleno curso de
execução nas dependências da estrutura orgânica do primeiro escalão
governamental”. Aras já afirmou que recorrerá ao plenário. É do jogo.
Independentemente da discussão sobre a
responsabilidade do presidente da República diante de graves denúncias de
irregularidades, há lacunas a preencher. É verdade que o nebuloso contrato de
R$ 1,6 bilhão foi cancelado pelo Ministério da Saúde. Mas não se pode jogar a
sujeira para baixo do tapete. Os brasileiros têm o direito de saber o que
aconteceu. Por que Bolsonaro não encaminhou as denúncias à PF, como prometera
aos Mirandas e como caberia a qualquer cidadão minimamente interessado em zelar
pela moralidade do serviço público?
Bolsonaro em estado bruto
O Estado de S. Paulo
Com ameaças às eleições, insinuações antidemocráticas e declarações indecorosas, Bolsonaro espera eletrizar sua base de reacionários e distrair o eleitorado dos problemas
No dia 31 de março, Jair Bolsonaro fez um
discurso eleitoral que reflete, com clareza meridiana, a natureza do
bolsonarismo. O presidente não prestou contas do que fez até aqui no governo,
tampouco propôs alguma coisa para o futuro do País. Não fez nada do que, em
tese, um pretendente à reeleição deveria fazer para conquistar o voto do
eleitor. O discurso, repleto de grosserias, foi dedicado a fustigar as
instituições e a proferir ameaças. “Calma é o cacete”, disse.
Nada disso – tom, conteúdo ou ausência de
proposta – é acidental. O bolsonarismo precisa que a campanha eleitoral não
discuta os problemas reais do governo e do País. A corrupção no Ministério da
Educação, as relações promíscuas com o Centrão, o completo fracasso da agenda
de Paulo Guedes, as omissões e confusões no enfrentamento da pandemia, as
falcatruas no Ministério da Saúde, o desemprego, a inflação, o baixo
crescimento econômico e a volta da fome: todos os temas que afetam a vida da
população, bem como as suspeitas de rachadinha e de tráfico de influência
envolvendo a família Bolsonaro, são um enorme problema para a reeleição de Jair
Bolsonaro.
Mas como fazer para que nada disso, em um
total desvirtuamento do que deve ser o debate público num regime democrático,
seja discutido na campanha eleitoral? O bolsonarismo tem a fórmula –
incivilizada, hostil aos princípios constitucionais e extremamente onerosa para
o País. Infelizmente, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, essa
fórmula está funcionando para eletrizar sua aguerrida base reacionária,
exatamente como aconteceu nas eleições de 2018. A diferença, para pior, é que,
naquela época, Bolsonaro era apenas um obscuro deputado do baixo clero,
dependente das redes sociais para ganhar atenção, e hoje é presidente da
República, condição que dá muito mais visibilidade às suas injúrias.
Em vez de explicar os incontornáveis
problemas do Ministério da Educação, Bolsonaro prefere gritar: “Bota a tua toga
e fica aí sem encher o saco dos outros!”, em referência malcriada a ministros
do Supremo. Trata-se de grave falta de compostura e decoro. A rigor,
enquadra-se numa das hipóteses da Lei do Impeachment, que inclui, entre os
crimes de responsabilidade, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a
honra e o decoro do cargo”. Mas Bolsonaro sabe que ficará impune, e aproveita a
grosseria para atiçar apoiadores, gerar tensão com outros Poderes e desviar a
atenção do que realmente interessa numa eleição.
É de fato constrangedor, mas o bolsonarismo
não tem nenhum escrúpulo em inventar e reinventar as mesmas polêmicas. Na
quinta-feira, Bolsonaro falou de todas elas: elogiou a ditadura militar,
ameaçou as eleições de outubro, prometeu armar a população, deturpou o sentido
de decisões judiciais, fantasiou ataques à liberdade de expressão e ainda
aplaudiu o deputado desordeiro que, para fugir da Justiça, preferiu desonrar o
Congresso.
Assim Jair Bolsonaro vem, há décadas,
construindo sua trajetória política. Não conhece limites morais e éticos,
esmerando-se sempre em se superar em truculência e desfaçatez – sobretudo
quando se encontra em dificuldades políticas. Diante do acúmulo de evidências
de corrupção e malfeitos em seu governo, Bolsonaro vale-se de ameaças e
insinuações antidemocráticas. Não por acaso, voltou a colocar em dúvida o
sistema de votação, com o intuito óbvio de criar um clima de apreensão no País
e fazer os brasileiros esquecerem como a vida piorou.
A estratégia é muito mais grave do que mero
desvio de atenção da população. Há um ataque real às instituições e às
liberdades quando um presidente da República insinua que não reconhecerá o
resultado das eleições caso seja derrotado. Sem nenhuma transigência ou
tolerância com essas ameaças – que merecem rigorosa responsabilização –, é
preciso lembrar o óbvio: há democracia no País, haverá eleições em outubro e o
resultado será respeitado. O resto é burburinho de quem nada tem a oferecer ao
Brasil além do caos.
Autoritários detestam agências
independentes
O Estado de S. Paulo
Articula-se agora uma PEC para esvaziar as agências reguladoras, cuja autonomia voltou a ser atacada por Bolsonaro, a exemplo do que fazia Lula
Em mais uma demonstração de incompreensão
reiterada sobre o papel das instituições de Estado, o presidente Jair Bolsonaro
atacou publicamente as agências reguladoras. Para o capitão da reserva, elas
“podem muito mais que os Ministérios” e existem apenas para “criar
dificuldades”. “Não precisa dizer que nasceu no governo de Fernando Henrique
Cardoso”, ironizou Bolsonaro.
Não é a primeira vez que ele critica as
agências, mas a declaração, neste momento, evidencia uma orquestração
articulada com apoio e conivência do Legislativo sob disfarce de uma reforma
administrativa. O Estadão revelou que uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que esvazia as funções desses órgãos deve chegar ao
Congresso em abril, retirando de sua alçada a regulamentação de leis e decretos,
ou seja, a execução das políticas públicas. Essas atividades, bem como o
julgamento administrativo do cumprimento de regras dos setores, seriam
delegadas a conselhos a serem criados dentro dos próprios Ministérios.
As agências reguladoras são um marco
institucional da democracia. Elas foram criadas no governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso em um momento de modernização do Estado, quando
estatais começaram a ser privatizadas. Não foi por capricho que elas foram
vendidas: essas empresas consumiam bilhões em recursos públicos sem entregar
serviços à altura. Basta lembrar que uma linha telefônica era um bem tão
valioso quanto um imóvel, e a fila de espera para atendimento dos pedidos dos
consumidores era medida em anos.
A privatização das empresas de telefonia e
de energia foi fundamental para a universalização do acesso a serviços que hoje
estão à disposição de toda a população. Esse avanço está diretamente ligado à
atuação das agências. A garantia legal de autonomia funcional, decisória, administrativa
e financeira, a ausência de tutela e subordinação hierárquica e a estabilidade
dos mandatos de seus dirigentes são pilares que deram ao setor privado a
segurança para ingressar em setores até então marcados por incompetência,
intervencionismo e privilégios.
Ainda que vinculadas a Ministérios, as
agências não obedecem a ministros. Tampouco são órgãos de defesa do consumidor
em busca da menor tarifa possível, ainda que inviável. Seus diretores têm
mandato fixo e, depois de submetidos à sabatina do Senado, não podem ser
demitidos. Seu corpo técnico é composto por servidores selecionados por
concurso público. Às agências cabe buscar o equilíbrio de interesses, ao
assegurar a sustentabilidade das empresas e exigir a prestação do serviço
público com qualidade. É uma missão que, em última instância, almeja a proteção
do interesse público e o benefício de toda a sociedade, e não as vontades do
presidente de plantão.
São esses valores que hoje estão sob ataque
de Bolsonaro e, sem nenhuma surpresa, já foram alvo do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. É impressionante a semelhança de opinião entre eles: o
petista chegou a enviar um projeto de lei para submeter os órgãos reguladores
aos Ministérios. No governo de Dilma Rousseff, a disputa pelas indicações
deixou diretorias incompletas por anos. Para evitar essa atuação capenga, a
nova lei das agências, proposta durante a gestão Michel Temer e aprovada em
2019, passou a exigir a convocação de substitutos entre os próprios servidores
para conferir quórum completo para a tomada de decisões – algo que tem sido
desrespeitado pelo atual governo.
Com métodos diferentes, Bolsonaro e Lula
buscam enfraquecer as agências para angariar mais poder. Sem conseguir aprovar
a lei que queria, Lula passou a aparelhar órgãos reguladores para controlá-los.
Bolsonaro, por sua vez, nunca respeitou as agências – chegou a incentivar seus
camisas pardas a perseguir servidores e diretores da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) para impedir o aval à vacinação infantil contra a
covid-19. É para conter esses desmandos autocráticos que as agências existem.
Casos como o da Anvisa mostram por que a independência desses órgãos é uma
causa de toda a sociedade e merece defesa intransigente.
Um desastre social e econômico
O Estado de S. Paulo
Apesar de alguma melhora, mercado de trabalho continuou em péssimas condições na recuperação da pandemia
Com 12 milhões de pessoas em busca de
ganha-pão, o mercado de trabalho pouco melhorou na virada do ano e pouco deverá
mudar, nos próximos meses, se a economia continuar tão emperrada quanto indicam
as projeções do mercado e até do governo. Dinheiro curto, consumo restrito e
contas em atraso seguirão assombrando dezenas de milhões de famílias, porque a
perda de renda assola também a maioria dos ocupados.
A população desempregada continuou com o
mesmo tamanho – 12 milhões – nos trimestres móveis terminados em dezembro,
janeiro e fevereiro. Só houve uma ligeira variação, quase insignificante, na
taxa de desemprego, de 11,1% no primeiro período para 11,2% da força de
trabalho nos dois seguintes. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O quadro fica pouco melhor quando a
comparação envolve intervalos maiores. No trimestre setembro-novembro os
desempregados eram 12,4 milhões, ou 11,6% da população economicamente ativa. No
período encerrado em fevereiro de 2021 os trabalhadores desocupados eram 14,9
milhões, número equivalente a 14,6% das pessoas ativas.
Apesar do cenário menos negativo, o
desemprego no Brasil permaneceu muito acima dos padrões observados na maior
parte dos países desenvolvidos e dos grandes emergentes. Nesse grande conjunto
a desocupação raramente supera 7% da população ativa e, além disso,
dificilmente se encontram níveis de pobreza semelhantes aos do Brasil.
Não só a desocupação se manteve elevada no
Brasil durante a recuperação da primeira onda de covid-19. A maior parte das
condições do mercado de trabalho continuou muito ruim para dezenas de milhões
de pessoas. No último período pesquisado, o trimestre móvel terminado em
fevereiro, a taxa de subutilização permaneceu muito alta: 23,9% da força de
trabalho. Esse contingente, formado por 27,8 milhões de indivíduos, inclui
desempregados, desalentados, subocupados por insuficiência de horas de trabalho
e aqueles capazes de trabalhar, mas ainda fora do mercado. Os números são
menores que os de um ano antes, mas ainda compõem um desastre econômico e
social.
A projeção mais otimista, a do Ministério
da Economia, indica para 2022 um crescimento econômico de 1,5%. Outros entes
federais são mais contidos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,1%. O Banco Central (BC)
estima um avanço de 1%. Isso é o dobro da mediana das projeções do mercado, de
acordo com a pesquisa Focus.
Sem aumento do consumo interno, a produção de serviços e de bens industriais fica sem tração para avançar. Mas é difícil, neste momento, imaginar os consumidores aumentando seus gastos. Em um ano, o rendimento médio habitual dos trabalhadores encolheu 9,7%, computado o efeito da inflação. A corrosão inflacionária deve continuar agravando os efeitos da anemia econômica. Cuidar desse desastre será o primeiro desafio para quem assumir a Presidência em janeiro.
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