Revista Veja
Os interessados na preservação da
democracia não se mobilizam
Há 58 anos, um golpe militar instaurou no
Brasil uma ditadura que durou 21 anos e censurou, perseguiu, prendeu,
exilou, torturou, matou. O obscurantismo e a estupidez provocaram enorme
sofrimento e criaram um apagão na cultura, hiperinflação, arrocho salarial,
concentração de renda.
Nem o período mais nefasto de nossa história produziu, no entanto, um presidente com personalidade mais autoritária do que Jair Bolsonaro, e dá arrepios imaginar o que ele faria se tivesse o poder de um Geisel. Isso não é impossível: os golpes de hoje não se dão com tanques, mas pelo desmonte das instituições, processo em que Bolsonaro vem sendo bem-sucedido. Se ganhar mais um mandato, pode destruir a democracia por completo.
É grave que os maiores interessados na
preservação da democracia não se mobilizem. Metade do Congresso Nacional,
incluindo boa parte da oposição, segue Artur Lira e Ciro Nogueira e se vende a
Bolsonaro pelos bilhões do orçamento secreto. Parafraseando Churchill,
alimentam o crocodilo na esperança de serem devorados por último.
Ainda mais grave é que os progressistas não
consigam se organizar para enterrar Bolsonaro em outubro. Alckmin, sabotado por
João Doria, migrou para o PSB para ser vice de Lula. A adesão, eleitoreira, não
inclui agenda programática, e Alckmin fica calado enquanto Lula ataca bandeiras
históricas do PSDB. A adesão serve apenas para que Lula finja que acena ao
centro.
Eduardo Leite concorreu nas prévias do PSDB e perdeu. Quis ganhar no tapetão e perdeu. Decidiu abandonar o partido para ser candidato, desistiu ao perceber que não teria chance. Ainda quer jogar a final mesmo tendo sido derrotado na semifinal. Ciro Gomes tampouco cogita renunciar.
Sergio Moro aceitou ser ministro
de um presidente que, como juiz, ajudou a eleger. Foi seu cúmplice por
dezesseis meses e saiu atirando. Não tem preparo nem proposta e não convence
como democrata, não uniu. Anunciou sua desistência não por desprendimento, mas
porque se viu emparedado.
Doria já se desentendeu com Alckmin,
Eduardo Leite, Tasso Jereissati, Bruno Araújo, José Aníbal etc.: não consegue
unir seu próprio partido, muito menos a oposição. Em um gesto unilateral e
inesperado, anunciou a desistência de concorrer à Presidência, jogando seu
partido no caos. Depois, desistiu da desistência… e ninguém mais sabe onde isso
vai dar.
Lula lutou pelo impeachment de todos os
presidentes não petistas exceto Bolsonaro, que poupou por acreditar ser mais
fácil de derrotar. Poderia negociar uma agenda comum com o centro e até vencer
no primeiro turno, mas segue defendendo propostas incendiárias. Quer governar
sozinho, como sempre fez.
O PT não mudou, por sinal. Em 1985, na
eleição indireta entre Paulo Maluf, homem da ditadura e corrupto notório, e
Tancredo Neves, democrata indiscutível e de caráter ilibado, o PT determinou o
voto nulo e expulsou quem votou no democrata. Tancredo venceu, mas não exerceu
a Presidência. Sabendo-se doente, atrasou a internação por medo de que os
militares impedissem a redemocratização; acabou internado de emergência na
véspera da posse e morreu semanas depois.
Estadistas, como Tancredo Neves, sacrificam
os interesses pessoais, e até a vida, pelo país. Os políticos de hoje parecem
dispostos a sacrificar o país por seus interesses pessoais (se arriscam a
sacrificar os dois).
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783
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