Os
partidos com potencial para construir uma alternativa ao mesmo tempo viável e
responsável para derrotar Jair Bolsonaro parecem perdidos
A confortável vitória dos candidatos governistas ao comando do Congresso parece ter tido o condão de pôr a nu as profundas divergências internas em partidos que teoricamente serviriam de oposição ao presidente Jair Bolsonaro. Nem é preciso dizer o mal que essa autofagia oposicionista faz ao País, justamente no momento em que se faz mais necessário um obstáculo político sólido à razia bolsonarista.
O
mais recente entrevero se deu no PSDB, protagonizado pelo governador de São
Paulo, João Doria, e pelo deputado federal Aécio Neves. O parlamentar,
ex-presidente da sigla, acusa o governador de oportunismo e autoritarismo por,
segundo ele, tentar impor sua candidatura à Presidência na eleição de 2022.
Em
nota duríssima, Aécio Neves não deixou dúvida sobre o mal-estar: “Se o senhor João
Doria, por estratégia eleitoral, quer vestir um novo figurino oposicionista
para tentar apagar a lembrança de que se apropriou do nome de Bolsonaro para
vencer as eleições em São Paulo, através do inesquecível Bolsodoria, que o
faça, sem utilizar indevidamente e de forma oportunista outros membros do
partido”.
O governador Doria respondeu no mesmo tom, lembrando que o deputado é suspeito de corrupção no escândalo estrelado pelo empresário Joesley Batista, em 2017: “O deputado Aécio Neves precisa entender que o novo PSDB não pode se subordinar a projetos pessoais, que se perderam pela conduta inapropriada em relação à ética pública”.
O
fulcro da querela é o papel do PSDB ante o governo Bolsonaro. O governador
paulista trabalha para isolar os focos bolsonaristas no partido e identificou
no deputado Aécio Neves um dos tucanos que operaram pela candidatura vitoriosa
do deputado Arthur Lira, apoiado por Bolsonaro, à presidência da Câmara. Doria
quer a presidência do PSDB para consolidar sua candidatura à Presidência da
República, que seria, em sua visão, a vanguarda da oposição de centro a
Bolsonaro.
A
acrimônia do atrito entre os tucanos já havia se verificado, em igual medida,
na implosão do DEM, provocada pelo dissídio entre o presidente do partido, ACM
Neto, e o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara. Rodrigo Maia acusou
ACM Neto de “traição” por ter entregado o DEM “de bandeja” a Bolsonaro,
trabalhando para que o partido fosse “anexado” ao governo. Em resposta, ACM
Neto chamou Maia de “descontrolado”.
A
exemplo dos tucanos, o busílis é a atitude que o DEM deveria adotar em relação
ao governo Bolsonaro. Enquanto Rodrigo Maia presidia a Câmara e, nessa função,
parecia ter grande influência no partido, o DEM era tido como pilar de uma
possível frente de centro, junto com o PSDB, para desafiar Bolsonaro em 2022.
Derrotado fragorosamente em sua sucessão, Maia foi atropelado – e o DEM retomou
um papel que parecia esquecido no passado.
No
que diz respeito aos interesses maiores do País, é ocioso discutir quem tem
razão no meio desse banzé. O que importa é que os partidos com potencial para
construir uma alternativa ao mesmo tempo viável para derrotar Bolsonaro e
responsável o bastante para construir um projeto civilizado de País parecem
perdidos. Nessa toada, o eleitor pode se ver novamente diante da terrível
tarefa de escolher entre a delinquência bolsonarista e o embuste lulopetista.
Rusgas
internas não são necessariamente sintomas de fragilidade de um partido. Ao
contrário, partidos dignos do nome costumam consolidar suas bandeiras a partir
de francos debates internos. Mas o que está acontecendo no DEM e no PSDB é de
outra natureza: trata-se do desdobramento natural da crise de identidade que
tomou de assalto o centro democrático desde a ascensão irresistível do imoral
populismo lulopetista e de seu congênere, a demagogia brucutu bolsonarista.
Pode
até ser que, em meio a essa depuração a céu aberto, as forças que deveriam
estar na oposição consigam se reorganizar em bases mais firmes e coerentes que
as atuais. Hoje, contudo, é preciso candura excessiva para apostar nisso; o
mais provável é que a maior oposição a Bolsonaro continue a ser seu próprio
desgoverno.
Tormenta nacional e bonança subnacional – Opinião | O Estado de S. Paulo
Estados
e municípios precisam urgentemente arrumar suas contas e olhar para o todo
Nos estertores do ano parlamentar de 2020, a Câmara dos Deputados quase aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (319/17) prevendo aumento de 1% (R$ 4 bilhões por ano) nos repasses da União às prefeituras via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Em janeiro, secretários de Fazenda de 18 Estados pediram ao Congresso que seja prorrogado, entre outros subsídios, o socorro federal a Estados e municípios. Em tese, tais propostas apelam ao senso de solidariedade dos parlamentares e da opinião pública em face da covid-19. Na prática, elas revelam justamente o contrário: a insensibilidade com as mazelas fiscais e sociais agravadas pela pandemia.
Segundo
o Tesouro Nacional e o Banco Central, em 2020, enquanto as contas públicas
federais fecharam com um rombo de R$ 745,3 bilhões e uma dívida que se aproxima
de 100% do PIB, Estados e municípios fecharam com quase o dobro de dinheiro em
caixa em relação a 2019: de R$ 42,7 bilhões para R$ 82,8 bilhões.
A
União repassou aos entes subnacionais um total de R$ 60 bilhões em caráter
emergencial – tendo por contrapartida o congelamento nos reajustes salariais do
funcionalismo até 2021. Foi o segundo maior gasto federal, atrás apenas dos R$
239 bilhões do auxílio emergencial. Estados e municípios também foram
contemplados com a suspensão do pagamento de dívidas com a União, no valor de
R$ 65 bilhões. Além disso, a arrecadação caiu menos do que se esperava, e em
alguns casos cresceu, chegando a até dois dígitos porcentuais. Tudo somado,
governadores e prefeitos têm a maior disponibilidade de caixa em 19 anos.
Em
poucas palavras, o grande problema dos entes subnacionais não é como conseguir
mais dinheiro para cobrir os déficits de caixa causados pela pandemia, mas, ao
contrário, como administrar responsavelmente o superávit gerado em razão dela.
O
Tesouro Nacional tem alertado para a deterioração crônica das contas
subnacionais, especialmente por causa das despesas com o funcionalismo. Em
2019, nove Estados romperam os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apesar disso, a maioria segue procrastinando suas reformas previdenciárias e
administrativas.
No
caso dos municípios, por exemplo, um aumento permanente de repasses, como o
proposto para o FPM, pode servir de pretexto para projetar aumentos na
remuneração de servidores, que em nada foram afetados pela pandemia.
Enquanto
os entes subnacionais não implementam suas reformas, o mais prudente seria
preservar a “gordura” resultante do socorro federal para cobrir passivos
previdenciários e aumentos nos gastos fixos, além de eventuais reveses da
pandemia. Até porque algumas despesas devem crescer. Com a aprovação do novo
Fundeb, o piso salarial dos professores pode subir até 30%. No caso dos
servidores ativos, o aumento será coberto pelo próprio Fundeb, mas no caso dos
inativos a conta sobrará para Estados e municípios.
Outro
uso que não se pode descartar seria justamente o resgate de parte desse
excedente para compor a nova rodada do auxílio emergencial federal, que se mostra
cada vez mais inevitável. “Os entes subnacionais poderiam devolver parte dessa
transferência a maior participando do financiamento do pagamento do auxílio.
Isso garantiria pelo menos R$ 10 bilhões”, defendeu o economista Marcos Mendes,
em artigo no Brazil Journal.
A
transformação do excedente de caixa em auxílio social, além de cumprir a função
humanitária de socorrer as camadas desprovidas da população, também seria
revertida em receita para os entes federados. Como se sabe, o auxílio
emergencial foi em grande parte responsável pela arrecadação acima das
expectativas do ICMS, para os Estados, e do ISS, para os municípios.
Fato
é que os entes subnacionais precisam urgentemente arrumar suas próprias contas
e olhar para o todo. As pressões fiscais sobre a União, além de inviabilizarem
programas de assistência emergencial, podem deteriorar as condições de crédito,
impactando todos os entes federados. A melhor resposta à generosidade da União
em 2020 é a responsabilidade de Estados e municípios em 2021.
A judicialização dos resultados eleitorais – Opinião | O Estado de S. Paulo
Pesquisa
sobre relação entre poder econômico e política ajuda a entender aumento de
contestações
Ao contrário do que se imagina, as eleições para cargos legislativos não têm apenas um turno e os pleitos para cargos executivos nem sempre terminam no segundo turno. Muitas vezes, o turno final é travado nos tribunais com a judicialização dos resultados das urnas, seja por iniciativa dos candidatos derrotados, seja por denúncias feitas pelo Ministério Público.
Essa
é a conclusão de uma pesquisa sobre a
relação entre dinheiro e política em ações que tramitaram na Justiça Eleitoral
após as eleições municipais de 2008, 2012 e 2016. Das 38.525 candidaturas
analisadas nesses pleitos, 3.873 – 10,1% do total – sofreram processos
judiciais. As ações questionaram, basicamente, o uso do dinheiro nas campanhas
eleitorais e denunciam abuso de poder econômico, captação ilícita de recursos
financeiros, corrupção e fraude. Os pesquisadores não levaram em conta casos
mais comuns, como crimes contra a honra e publicidade irregular. O objetivo foi
saber em que medida o poder financeiro interfere no processo eleitoral.
Financiada
pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa e pela Fapesp e realizada por
cientistas políticos da USP/Leste, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais da
Universidade Federal do ABC, em parceria com o Departamento de Sociologia da
Universidade de Heidelberg, na Alemanha, a pesquisa aponta o peso dos recursos
financeiros no sucesso eleitoral. O risco de a democracia ser corroída pela
força do dinheiro, uma vez que candidatos que gastam mais tendem a obter mais
votos, é um tema clássico nos estudos de ciência política. Nos pleitos
analisados, a diferença média de gastos entre os candidatos que se elegeram
vereadores e os derrotados foi de 629% em 2008, de 685% em 2012 e de 664% em
2016. A pesquisa também mostra que as campanhas eleitorais para o Executivo
municipal estão cada vez mais profissionalizadas, com a formação de custosas
equipes profissionais de advogados, publicitários e contadores. “Os políticos
perceberam a importância da via jurídica e a usam cada vez mais. O resultado é
a formação de um exército de advogados especializados”, diz Vanessa de
Oliveira, uma das coordenadoras do estudo.
Segundo
a pesquisa, entre as eleições municipais de 2008 e 2012 a possibilidade de um
candidato a prefeito processar um adversário cresceu 293%. Na comparação desses
pleitos com o de 2016, o porcentual caiu um pouco, em parte por causa de uma
decisão de 2015 que proibiu doações de empresas, mas permaneceu alto. “A
contestação eleitoral é essencialmente contra candidatos competitivos, talvez
porque a Justiça não tenha recursos para examinar todos, talvez porque os
candidatos usem os processos como arma política contra quem está na frente”,
afirma outro coordenador da pesquisa, Wagner Mancuso.
Desse
modo, a judicialização tem duas facetas distintas, conclui o estudo. Se por um
lado tende a tornar o processo eleitoral mais honesto, evitando abusos e
estratégias desleais, por outro permite que o mau perdedor recorra à estratégia
da judicialização do processo eleitoral para tentar a sorte. Ou seja, muitos
candidatos apelam para a Justiça Eleitoral tanto para influenciar o resultado
político como para marcar posição, simbolicamente, sobre determinadas questões.
Ao
divulgar esse levantamento em sua revista Pesquisa, a Fapesp menciona outras
importantes investigações quantitativas sobre gastos em processos eleitorais
que estão sendo realizadas por outros grupos acadêmicos no País. Em princípio,
iniciativas como essas cobrem apenas o período posterior a 2008, quando as ações
judiciais foram digitalizadas. O acesso aos processos em papel envolvendo
pleitos anteriores exigiria um esforço extraordinário. Ao estudar a relação
entre o poder econômico de alguns candidatos e a crescente judicialização dos
resultados eleitorais, essas pesquisas permitem um novo olhar sobre a
democracia brasileira.
Autonomia do BC é avanço, mas fica longe do ideal – Opinião | O Globo
É positiva a aprovação na Câmara da nova lei que concede autonomia operacional ao Banco Central. O BC precisa ser gerido com base em princípios técnicos e preservado de ingerências políticas, cujo resultado pode ser desastroso, como já ficou demonstrado diversas vezes na história brasileira (a última delas com o “cavalo de pau” dado na taxa de juros durante a gestão de Alexandre Tombini). A nova lei dá um passo importante, ao deixar explícito o mecanismo que, mesmo que de modo imperfeito, vinha funcionando implicitamente nas últimas décadas. Apesar disso, não significa que seja uma solução ideal.
Está
claro que foi aprovada a toque de caixa para que o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), pudesse transmitir ao mercado um sinal de compromisso com a
agenda liberal de reformas, sabotada com frequência pelo presidente Jair
Bolsonaro. Mas é um sinal fraco, insuficiente. O projeto, já aprovado no
Senado, era fruta madura, pronta para ser colhida. Não havia grandes
resistências a enfrentar, a não ser a choradeira previsível — e equivocada —
dos partidos de esquerda. Se quiser mesmo conquistar o mercado, Lira precisará encarar
a parte difícil da agenda, com as PECs emergencial e dos fundos públicos, além
das reformas administrativa e tributária.
Não
foi apenas no aspecto político que a aprovação da nova lei deixou a desejar. O
texto que vai à sanção de Bolsonaro embute riscos que o país terá de mitigar no
futuro. É essencial ressaltar que a nova lei não concede ao BC a independência
usufruída por congêneres como o Fed americano, que define as próprias metas
inflacionárias para depois cumpri-las. A justificativa é que isso seria
incoerente com a natureza essencialmente política do nível de inflação e
endividamento que a sociedade se dispõe a tolerar.
A
lei aprovada mantém no Executivo, por meio do Conselho Monetário Nacional, a
prerrogativa de estabelecer as metas de inflação. O que ela faz é garantir ao
BC a autonomia necessária para persegui-las por meio das taxas de juro e dos
demais mecanismos de política monetária. Também aproxima o país da governança
de economias desenvolvidas, ao estabelecer, para a diretoria do BC, mandatos
descasados do presidencial.
O
maior erro não é deixar de trazer para o Brasil a independência absoluta, mas
importar do Fed uma outra característica, conhecida entre economistas como
“mandato duplo”. Trata-se da missão de perseguir metas de inflação e de zelar,
ao mesmo tempo, pelo nível de emprego. Estipula que a segunda missão deve estar
subordinada à primeira, mas faz isso com uma formulação ambígua, que poderá
estar sujeita a interpretações criativas no futuro.
Os
mecanismos técnicos para o controle da inflação estão consolidados há anos,
enquanto a discussão sobre o nível de desemprego tolerável (não inflacionário)
ainda é objeto de debate acadêmico inflamado. Trazer esse debate para a lei
torna a questão mais um pretexto para manipulação política. Embora o mandato
duplo tenha entrado na pauta noutras economias mais avançadas, na prática ele
se revela desnecessário, na medida em que os BCs independentes não têm se
furtado, diante das maiores crises da história, a agir com sensibilidade
política e a fazer o que precisa ser feito para estimular a economia.
Com números da Covid-19 em alta, é urgente reabilitar leitos de UTI – Opinião | O Globo
Não é segredo que o contágio pelo novo coronavírus voltou a acelerar no final do ano passado, após breve trégua, e ganhou impulso no início de 2021, após as previsíveis aglomerações das festas de fim de ano. Os sinais de estresse na redes pública e privada de saúde estão por toda parte, especialmente nos estados da Região Norte, onde as atuais cenas de horror, com pacientes morrendo asfixiados, superam em muito as dos piores momentos do início da pandemia, quando câmeras frigoríficas instaladas nos hospitais e engarrafamentos de carros funerários à porta dos cemitérios chocaram o país.
Obviamente,
um cenário dessa gravidade pressupõe reforço nas estruturas de saúde para
atender ao inexorável aumento da demanda. Na lógica torta do Ministério da
Saúde, faz-se o contrário. Quando é mais necessário aumentar o atendimento aos
pacientes de Covid-19, o ministério reduz a menos da metade o número de leitos
de UTI. Dos atuais 6.830 habilitados, ficarão 3.187 até o fim de fevereiro. Em
janeiro, eram 7.717.
Com
razão, governadores pedem socorro. João Doria, de São Paulo, e Flávio Dino, do
Maranhão, apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o ministério
a reabilitar os leitos de UTI. O Consórcio da Amazônia, que reúne nove
governadores, divulgou carta à nação afirmando que o problema poderá
comprometer o enfrentamento da pandemia.
O
Ministério da Saúde alega que não desabilitou leitos de UTI. Segundo a pasta, o
orçamento de guerra e o estado de calamidade pública expiraram em 31 de
dezembro, e o orçamento para este ano já está todo comprometido. Sem recursos,
a Saúde pediu ao Ministério da Economia R$ 5,2 bilhões, negociados depois para
R$ 2,8 bilhões. A pergunta óbvia: o governo não sabia que a contratação dos
leitos expiraria em meio à segunda onda da pandemia? Ficou por isso mesmo? Não
se planejou? Por acaso não é uma situação de calamidade pública gente morrendo
por falta de oxigênio? Ou pacientes de Manaus terem de ser transferidos a
Curitiba, a quase três mil quilômetros de distância?
É
incrível como o governo federal se mostra insensível ao que se passa diante de
seus olhos. Há três semanas, a média de mortes por Covid-19 apurada pelo
consórcio de imprensa passa de mil. A taxa de contágio divulgada na
segunda-feira pelo Imperial College de Londres continua acima de 1 (1,02) — o
que significa epidemia ainda em aceleração. Em pelo menos nove estados, a
ocupação dos leitos de UTI supera os 80%. Em alguns, chega a 100%, e o jeito é
transferir o paciente.
O
episódio é mais um a demonstrar a gestão desastrosa da dupla Bolsonaro &
Pazuello na Saúde. É assim na prevenção, no atendimento aos doentes e na
vacinação (que segue em ritmo lento por falta de vacina). Não há justificativa
plausível para não contratar logo mais leitos de UTI. O governo deveria saber
que a situação de calamidade expirou só no papel.
A maturidade do BC – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
autonomia em lei, autarquia deve ampliar transparência e prestação de contas
Decorridos
56 anos desde sua criação e depois de laboriosa trajetória de construção e
legitimação institucional, o Banco Central brasileiro terá
sua autonomia reconhecida em lei. Embora não se trate de panaceia, ficam
reforçados os pilares da gestão monetária responsável, com benefícios para a
estabilidade econômica e o bem-estar social.
Em
votação final pela Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado por ampla
maioria, de 339 a 114, evidência nem tanto de convicção dos parlamentares, mas
da força da nova aliança do presidente Jair Bolsonaro com o centrão. Mesmo
assim, a escolha da autonomia como teste da coalizão não deixa de refletir a
decantação do tema.
O
texto, que segue para sanção presidencial, estabelece a estabilidade de
preços como objetivo principal da autoridade monetária. Subsidiariamente, e
dentro de suas possibilidades, o BC também deverá zelar pela estabilidade e
eficiência do sistema financeiro, suavizar flutuações econômicas e fomentar o
pleno emprego.
A
hierarquia é correta para evitar conflitos entre vários objetivos e o risco de
elevação das expectativas de inflação. Trata-se de orientação consolidada na
lista amplamente majoritária de países desenvolvidos que optaram pela autonomia
de seus bancos centrais.
Outro
dispositivo fundamental é a definição de mandatos de quatro anos para o
presidente e a diretoria, não coincidentes entre si nem com o do presidente da
República, permitida uma recondução.
O
Planalto continua a indicar os dirigentes, que precisam ser aprovados pelo
Senado, mas a demissão fica mais difícil. O BC também deixa de ser vinculado ao
Ministério da Economia e passa a ter status de autarquia de natureza especial,
sem subordinação hierárquica. Fica assim reforçada a blindagem contra
interferências políticas.
Não
procedem os argumentos de falta de controle democrático, já que o poder
político eleito continuará a indicar os executivos e a definir a meta de
inflação. Ao órgão caberá apenas o uso dos instrumentos de que dispõe
—principalmente o controle da taxa básica de juros— para cumprir o comando que
recebeu.
A
autonomia, para ser sólida, também deve ser resultado de avanços institucionais
que se acumulam no tempo. Um dos mais fundamentais é a proibição de que a
autoridade monetária financie diretamente o governo, algo já consagrado na
legislação brasileira.
A
contrapartida a se exigir dos dirigentes do BC, ainda mais agora, é o
compromisso com a transparência. Reuniões gravadas e tornadas públicas ao longo
do tempo, clareza quanto aos métodos e decisões e conduta austera dos
dirigentes podem e devem ser reforçadas.
Fiasco amazônico – Opinião | Folha de S. Paulo
Operação
militar contra desmatamento se aproxima do fim com resultados pífios
Por
qualquer ângulo que se analise a Operação Verde Brasil 2, liderada pelas Forças
Armadas com o objetivo de coibir o desmatamento e as queimadas na Amazônia, é
difícil não considerá-la um fiasco.
Iniciada
em maio do ano passado e com encerramento
previsto para 30 de abril, a missão se notabilizou por fazer pouco com
muito. Embora tenha recebido vultosos recursos, num momento em que os órgãos
oficiais de controle sofrem com a penúria orçamentária, foi incapaz de deter a
destruição.
Nos
oito primeiros meses da empreitada, o número de multas aplicadas por infrações
contra a flora despencou 37% em relação ao mesmo período de 2019-2020.
Já
a taxa oficial de desmatamento saltou 9,5% no ano passado na comparação com
2019, num intervalo parcialmente coberto pela operação militar. Pouco mais de
11 mil km² de vegetação amazônica, a maior cifra desde 2008, desapareceram
pelas mãos de grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais.
O
mesmo ocorreu com as queimadas, fenômeno ligado ao desflorestamento. Em 2020,
os focos de incêndio aumentaram 15% com relação ao ano anterior, com agosto e
setembro tendo registrado os segundos piores índices para o período na última
década.
Seria
talvez o caso de apenas lamentar a imperícia do Exército para a tarefa, de
resto previsível, dada a falta de experiência da Força nesse tipo de ação, não
fossem os custos exorbitantes da operação.
Com
aporte de R$ 410 milhões, a Verde Brasil 2 consumiu mais de três vezes o
orçamento do Ibama e do ICMBio para a fiscalização ambiental e o combate a
incêndios proposto para 2021. Essas instituições voltarão a comandar o combate
à devastação amazônica, depois que o Exército deixar a região.
Na
nova fase, as ações ficarão concentradas em 11 municípios, que, segundo o
vice-presidente, general Hamilton Mourão, responsável por coordenar a atuação
de ministérios na área ambiental, concentram parte relevante do desmatamento do
bioma.
A
estratégia é correta e já foi utilizada com sucesso nos governos petistas,
embora, comparado a esse período, o número de cidades anunciado pareça pequeno.
Não
é preciso reinventar a roda nessa questão. O Brasil já provou sua competência
para enfrentar a chaga do desmatamento. Repetir o feito exige, além de uma ação
inteligente, independência de atuação, recursos e respaldo institucional.
Banco Central ganha afinal necessária autonomia - Opinião | Valor Econômico
A
autonomia do BC não preclude a transparência do sistema
Quase
sexagenário, o Banco Central voltará a ser autônomo, como o foi em um breve
período após sua fundação, no último dia de 1964, já na ditadura militar.
Aprovado por larga margem pelo Senado e pela Câmara, a lei que estabelece a
autonomia é simples, em contraste com as polêmicas que o tema provocou ao longo
de três décadas. O presidente a direção do BC terão mandatos de quatro anos,
não coincidentes com os do presidente da República, e renováveis por um
período. O objetivo fundamental do BC será “assegurar a estabilidade de
preços”. Os dirigentes poderão ser demitidos por vários motivos, entre os quais
se inclui “o comprovado e recorrente desempenho insuficiente”.
Com
a autonomia, o BC ficará blindado contra pressões políticas que poderiam
desviar a condução da política monetária de seu alvo principal, a inflação, e
mudá-la ao sabor de interesses políticos ou eleitorais do governo de turno. As
diferenças em relação ao regime atual parecem pequenas devido ao desempenho do
BC durante mais de duas décadas de autonomia operacional respeitada pelos
sucessivos presidentes da República. A base desse funcionamento, porém, era
informal. O presidente poderia demitir a direção do BC a qualquer hora.
As
críticas que o projeto recebeu e recebe se repetem. As mais simplistas apontam
que não se pode entregar assunto vital como a política monetária a banqueiros
centrais, que sequer foram eleitos. Ou, em outra versão, como a do ex-candidato
à Presidência, Ciro Gomes (PDT): “Você pode votar para presidente, mas o
presidente eleito não vai poder controlar o BC”. A lei deixa claro que em meio
do mandato, o presidente poderá escolher quem dirigirá o BC e indicar vários
diretores.
Já
o controle da instituição pelo presidente e do Congresso, eleitos pelo povo,
estará assegurado pela prerrogativa de definir a meta que o BC deverá atingir e
pelo método de escolha de seus dirigentes. O presidente da República submeterá
os nomes que julgar adequados ao Senado, que após sabatina, o aprovará ou não.
Depois, o ministro da Economia, o secretário da Fazenda, ligados ao Executivo,
junto com o BC, no Conselho Monetário Nacional, estabelecerão a meta de
inflação a ser perseguida. A autonomia não impede que o atual governo ou o
próximo julguem que a meta deva ser muito maior ou menor. O BC não será
independente, isto é, não escolherá seu próprio objetivo, como o Federal
Reserve americano ou o Banco Central Europeu.
Da
mesma forma, a autonomia não facilitará, ou não mais do que hoje, a “captura”
do BC pelos bancos, por motivo idêntico - as escolhas têm de ser referendadas
pelos senadores. Pode até existir uma recorrente servidão do Senado aos
interesses financeiros do mercado, como muitos apontam, mas ela será, em todo
caso, uma servidão voluntária, que pode ser corrigida nas eleições.
Há
argumentos mais sofisticados, como o de que a autonomia limita a capacidade da
política fiscal de distribuir recursos, logo a renda. Erram o alvo: no Brasil,
o que se vê é que é o orçamento da União, da alçada do Congresso, é que aloca
erradamente os recursos de acordo com lobbies das corporações e grupos de
interesse, assim como o faz a política tributária - sob inteira e cabal
responsabilidade de políticos eleitos.
Mas,
em alguma medida, a autonomia do BC pode limitar a capacidade da política
fiscal não de distribuir recursos, e sim de fazê-lo o quanto quiser - com juros
que não sancionem emissões monetárias irresponsáveis que tenham claro impulso
inflacionário. A cooperação desejável com o Tesouro, braço do Executivo,
encontrará no BC autônomo um controlador da austeridade fiscal, cujo
desrespeito trará custos maiores (juros) para toda a sociedade. É o que o BC já
diz hoje em suas atas.
A
autonomia não é panaceia. Governos fazem más escolhas, assim como os senadores,
que não têm o hábito de questionar em profundidade os indicados para a função.
Populistas como Donald Trump, por exemplo, indicaram pessoas despreparadas, que
defendiam, por exemplo, a volta do padrão ouro, mas foram barrados pelo Senado
americano. Tudo dependerá da qualidade da escolha e do preparo dos que devem
julgá-la. Escolhas ruins podem fazer enormes estragos, com ou sem autonomia.
A autonomia do BC não preclude a transparência do sistema, cuja avaliação tornou-se mais fácil com as metas de inflação. O quadro institucional sob o qual se executa a política monetária deu um salto de qualidade.
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