Justificativa
para tuítes que ameaçaram o Supremo está assentada numa mentira factual
O
general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, militar mais
poderoso da Terra, enfrentou as delinquências de Donald Trump recorrendo à
Constituição americana. Por aqui, um general da reserva resolve narrar, em
tom que aspira ao pudoroso, a ameaça golpista que fez para intimidar o Supremo.
No
dia 3 de abril de 2018, véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado
pela defesa de Lula, o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas,
escreveu no Twitter: "Asseguro
à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem d e repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz
social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais".
Villas Bôas concedeu um depoimento a Celso Castro, diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da FGV. A fala está condensada no livro "General Villas Bôas: Conversa com o Comandante".
Não
é exatamente novidade. O próprio militar já havia tratado do assunto em
entrevista, mas fica ainda mais claro desta feita que seus tuítes ameaçadores
reproduziam o pensamento do Alto Comando do Exército —ao menos é isso o que
diz. Não havendo contestação, assim é. Querem passar um paninho na biografia do
general e nas tentações golpistas?
Então
fiquem com a versão de que, ao mandar um ultimato ao Supremo, Villas Bôas
evitou coisa pior —quem sabe uma tentativa de quartelada, à revelia do Alto
Comando, estimulada por pijamas inflamados. Conhecemos, desde Castello Branco,
a cascata do militar honrado, que resiste à quebra da hierarquia, mas acaba
cedendo a contragosto... A versão vale uma dose de cloroquina contra o
coronavírus, ministrada por Eduardo Pazuello, general da ativa.
Uma
mentira essencial constitui o pano de fundo do relato de Villas Bôas: a de que Lula
poderia concorrer à Presidência se deixasse, então, a cadeia. Falso.
Tivesse acontecido, tratar-se-ia apenas de cumprir o que dispõe o inciso LVII
do artigo 5º da Constituição.
O
petista continuaria inelegível segundo a Lei da Ficha Limpa. Ainda que elegível
fosse, a suposta legitimidade da intervenção, à qual o militar pretende
emprestar dimensão constitucional, emana de que título legal?
Estou
enganado, ou ele pretende legitimar com as baionetas a leitura do artigo 142 da
Constituição no esforço de impedir o cumprimento de disposição do artigo 5º,
que é cláusula pétrea?
Os
militares teriam seus motivos para tanto rancor: estavam revoltados com as
conclusões da Comissão da Verdade —jamais um golpista sofreu qualquer prejuízo
pessoal--; viam a Amazônia submetida à cobiça de organizações estrangeiras,
consideravam a demarcação de terras indígenas um risco à soberania...
Seriam esses os "anseios dos cidadãos de bem?" O depoimento de Villas Bôas tem óbvio interesse histórico. Merece um lugar na prateleira do lixo golpista.
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