Leia a seguir os principais trechos da entrevista,
concedida por telefone.
Como o senhor
avalia o governo de Jair Messias Bolsonaro? Podemos esperar o Cidadania na
oposição ao governo nos próximos dois anos e na eleição de 2022?
Claro. É um péssimo governo. O Cidadania inclusive está
defendendo o impeachment. É um governo irresponsável, por todos os seus atos, o
negacionismo, propostas antidemocráticas, desrespeito à Constituição. O que não
faltam são crimes de responsabilidade, alguns crimes comuns no enfrentamento da
pandemia, que demonstram um governo desastroso, o que torna imperioso um
impeachment.
O Cidadania
chegou a entrar com algum dos mais de 60 pedidos de impeachment contra
Bolsonaro?
Não, porque não é momento disso. A gente está no
momento de ter um pedido de impeachment aceito e tramitando no Congresso.
Agora com a
eleição da nova Mesa Diretora, como o senhor avalia a possibilidade do novo
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), pautar o impeachment?
Agora não tem nenhuma condição. Ninguém está propondo o
impeachment para hoje ou amanhã, ainda não tem condições objetivas para isso.
Falta mobilização, falta a maioria ampla da sociedade concordar com a tese de
que é melhor encurtar esse mandato para que nos próximos dois anos o país tenha
um outro governo, tal como a sociedade brasileira viu isso com Collor e com
Dilma. No momento em que isso ocorrer no seio da sociedade, não tenha dúvida de
que você terá mudanças também no Congresso Nacional.
O senhor
acredita que, depois que a grande maioria do povo estiver vacinada e puder
voltar para a rua, vai haver uma pressão popular e esse tipo de manifestação
tende a ganhar corpo?
Acredito que sim, porque você vê hoje a sociedade
brasileira se mobilizando para ter vacina. E está percebendo que a ação
desidiosa e criminosa de Bolsonaro gera problemas, como o ritmo da vacinação,
que é lento porque o governo não cuidou de ter vacina, de tornar o processo
ágil e rápido.
Como o senhor
avalia a importância de uma frente ampla para combater esse governo? O
Cidadania vem participando do movimento “Janelas Pela Democracia” junto com
PDT, PSB, Rede e PV. Pode estar se desenhando uma aliança em torno desses cinco
partidos para 2022?
Não. A questão da luta contra o governo Bolsonaro não
implica que em 2022 vai haver essa unidade. Se for possível, ótimo. Agora, num
segundo turno, se houver uma disputa contra Bolsonaro, vai ter essa unidade sem
nenhuma dúvida.
Mas para o
primeiro turno o senhor não acredita que seja possível?
Para o primeiro turno, não se pode dizer. O que se pode
afirmar é segundo turno. Para o primeiro, se você tivesse condições de unir
todas essas forças, seria ótimo. Mas não adianta a gente falar, por exemplo,
com o PT, que não consegue nem dialogar antes com seus aliados históricos, como
o PSOL, e já lançou um candidato.
Como o senhor
viu o lançamento da candidatura de Fernando Haddad, no caso de Lula não recuperar
os seus direitos políticos?
Ele tem todo o direito de fazer o que quer. Agora,
respondendo à sua pergunta anterior, ele não faz nenhuma questão disso [a
formação de uma frente ampla]. O Cidadania não está muito preocupado com essa
posição. Agora não tenha dúvida de que o PSOL está preocupadíssimo,
provavelmente PDT, PSB, PC do B, que estavam todos na base do governo Lula e
Dilma, embora Ciro tenha se afastado na última eleição em 2018. E continuam
juntos na oposição a Bolsonaro. Nós estávamos numa articulação que foi
desarranjada agora, com as atitudes do DEM, do PSDB, as suas divisões internas
[na eleição no Congresso Nacional] criaram problema para uma aliança mais ao
centro contra Bolsonaro.
Uma aliança
possivelmente em torno do Luciano Huck como candidato? O senhor já demonstrou
simpatia e entusiasmo com a candidatura do apresentador. Como estão essas
conversas?
Não dá para dizer que Luciano Huck seria o candidato
porque o PSDB está discutindo se terá Doria ou não. O Cidadania imagina que
Huck seja a melhor alternativa que nós tenhamos para derrotar Bolsonaro. E ao
mesmo tempo não queremos o retorno do lulismo, isso não dá, é passado, o país
tem que olhar para a frente. Nós achamos que quem melhor pode representar essa
alternativa é o Luciano Huck, pela sua capacidade, pela sua visão de mundo e da
realidade brasileira, pelo seu entendimento concreto da nova economia e da
necessidade de lutar contra a desigualdade na sociedade. Ele nos parece um
excelente candidato, com chance de crescer e disputar a eleição.
Após todo o
processo da eleição no Congresso, o racha no DEM, como o senhor vê hoje a
possibilidade de o Luciano Huck disputar a eleição pelo Cidadania?
Não sei, é bom perguntar para ele [risos]. O que eu
posso dizer da nossa parte é que a gente gostaria e trabalha para isso, para
que ele se vincule ao Cidadania e com toda certeza criaremos as condições de
ser uma ampla frente democrática. Não temos a ideia de que seremos sozinhos,
temos que estar abertos. Mas estamos trabalhando muito para que ele faça essa
opção pelo Cidadania.
O senhor
conversou com ele recentemente?
Tenho conversado sim. Mas não há nenhuma decisão, e não
cabe a gente pressionar, o tempo é dele. Ele é que sabe quando terá que
decidir. Ele também está consciente de que não tem todo o tempo do mundo. Ele
vai ter que tomar uma decisão num prazo razoável, até o meio do ano. Em meados
de maio, junho, ele tem que já estar decidido.
Em qual
espectro o senhor colocaria a candidatura de Luciano Huck?
Eu tenho uma compreensão de que esse referencial de
direita e esquerda está passando por um momento em que não se tem nenhuma
clareza do que isso significa. Você tem forças que se dizem de esquerda e que
estão em posições bem reacionárias e atrasadas. E tem outras que se fala que
são de direita e que estão sendo vanguarda nas mudanças que estão ocorrendo no
mundo. Nós estamos em uma sociedade pós-industrial, pós-capitalista até. Então,
nesse sentido está tudo muito misturado, e o que eu acho melhor dizer aonde
Luciano se situa é isto: ele é um candidato progressista. Pronto. Não tem mais
a direita e a esquerda tradicional do sistema capitalista. Isso acabou. Agora
mesmo estava lendo que Cuba está abrindo mais de 200 setores da economia pra
inciativa privada. Há quanto tempo a União Soviética foi derrotada
historicamente? O que a China ensinou, depois da derrota da URSS, da queda do
muro de Berlim? A China fez reformas e é hoje uma economia que está disputando
no mundo a hegemonia com os Estados Unidos. Com desenvolvimento acelerado,
melhoria na qualidade de vida, é um case pra se estudar. Quanto tempo Cuba
perdeu até entender que o que existia já não tinha mais futuro? Então é um
pouco o que está acontecendo com certas esquerdas, prisioneiras de um tempo que
já não mais existe. Eu posso ainda dizer que sou de esquerda, historicamente,
pelos meus valores. Agora, se eu falar isso, tem essa esquerda tradicional que
vai dizer: “você não é mais de esquerda!”. E aí eu respondo que quem não é mais
de esquerda é ele, que ficou perdido na história.
O senhor já
foi comunista. Como vê as pessoas que chamam de comunista todo mundo de
esquerda?
E há do outro lado aqueles para quem tudo que for de
direita é fascista. Mas, para nós que militamos no comunismo, inclusive num
tempo em que não era nada fácil ser comunista, ver os outros chamando de
comunistas alguns que estiveram no governo e não mudaram nada a realidade
brasileira, eu digo que é um deboche. Não estou dizendo que esses referenciais
não têm importância, mas eles não estão encontrando na realidade algo concreto
para que se saiba bem onde está a direita e a esquerda neste momento de
transformação, de disrupção. Uma confusão muito evidente é a junção entre a
esquerda mais tradicional com os mais radicais extremistas de direita na
questão da globalização – ambos são contra.
Surgiu na
semana passada a informação que o Cidadania poderia se fundir à Rede
Sustentabilidade e ao PV para abrigar uma possível candidatura de Luciano Huck.
A informação procede? Como estão as conversas?
Isso se deu muito em função desses desarranjos em
alguns partidos, e aí veio a especulação de que Rodrigo Maia iria patrocinar
alguma fusão. Nesse caso, lá atrás tentamos isso. Estava definido que a Rede e
o Cidadania iríamos para a fusão, mas a Rede desistiu. Com o PV não avançamos
muito, mas eu diria que há uma maior identidade, desde o PPS [antigo nome do Cidadania],
com o PV. É uma ideia que sempre esteve nas nossas elucubrações e de alguns
setores do PV, mas não tem nada de concreto neste momento. O que posso dizer da
parte do Cidadania é que não temos nada a opor se porventura isso começar a se
transformar em algo concreto, pelo contrário. Nós estamos abertos a esse
diálogo e quem sabe pode ser uma coisa importante para o país.
Caso Huck não
tope se candidatar, o Cidadania deve ir com quem? Ciro Gomes, Doria, Flávio
Dino, algum nome do PT?
Não sei. Aí vamos ter que analisar. Uma coisa eu digo:
não será com nenhum lulista e será uma candidatura de oposição clara e firme a
Bolsonaro.
Como está
hoje a sua relação com Ciro Gomes?
Não tenho nenhum problema com ele, nenhum obstáculo
maior. Temos alguns desencontros de pontos de vista. O principal é que ele tem
uma concepção muito nacionalista, como se as economias ainda pudessem estar
prisioneiras das fronteiras dos Estados nacionais. Isso é uma tese política que
pra nós do Cidadania é impeditiva para o Brasil buscar uma maior integração na
economia globalizada, que pra nós é o futuro. O Brasil tem que saber como se
integrar e não ter uma visão pra dentro, de proteção. Fala-se muito em
soberania nacional, dentro dessa visão que o PDT tem, de defesa de algumas
estatais como se fossem representantes da nossa soberania.
Então o
senhor apoia a agenda de privatizações?
Eu vou contar uma história que resume tudo. Eu fui
líder do governo de Itamar Franco na Câmara. E nós fomos o governo que fez as
primeiras grandes privatizações no país, da Companhia Siderúrgica Nacional em
Volta Redonda e da Cosipa em Cubatão. Sou favorável às privatizações quando são
justificáveis, não temos a questão da privatização ou estatização como
princípios, mas sim como melhor eficácia da economia. Itamar Franco não era
muito aberto a isso, depois foi convencido pela necessidade e fez. Alberto
Goldman, já falecido, que foi do PCB como eu, era parte também do governo.
Estávamos lá, eu líder e ele ministro [dos Transportes]. Então, em uma ocasião,
quando nós defendíamos a privatização, Itamar brincou: “Não se fazem mais
comunistas como antigamente”.
Como o senhor
vê a agenda do Paulo Guedes, que inclui privatizações?
Ele não tem agenda, ele só fala em privatização e esse
é um dos governos que menos privatizou, talvez com exceção de Lula, que criou
muita estatal, até porque muitas delas eram facilitadoras de negociatas e
corrupção. A única coisa que foi feita fora do governo Bolsonaro, algo que
estava tramitando há tempo no Congresso, foi o marco regulatório do saneamento,
um avanço importante. Que não é privatização, mas permite que possa haver
privatizações. E a outra coisa que Paulo Guedes sabe fazer é falar de CPMF, pra
ele tudo se resume a isso, e no resto é um blablablá. Ele fala bem, é um bom
palestrante, agora como gestor é um desastre completo.
Mas com a
eleição do Arthur Lira na Câmara e Rodrigo Pacheco no Senado, apoiados por
Bolsonaro, existe a possibilidade de que eles consigam avançar com essa agenda
liberal?
É o contrário. Esse centrão é estatizante, pois é nas
estatais que estão os seus cargos. O centrão dificilmente vai pra privatização
porque gosta, só vai se tiver um governo que faça. O centrão estava junto com o
Lula estatizando. Isso é um discurso de Bolsonaro, como se o Congresso o tivesse
impedido de governar. É o contrário. Ai do governo Bolsonaro se não fosse o
Congresso, porque talvez nem auxílio emergencial nós tivéssemos. Esse governo é
completamente incompetente. A reforma da Previdência só foi feita porque
começou lá atrás, no governo Temer, e Rodrigo Maia foi o grande responsável por
ela ter sido votada na Câmara dos Deputados, e no Senado Davi Alcolumbre ajudou
também. Não tem nada a ver com Bolsonaro nem com Guedes, que é um incompetente.
Depois das
traições na eleição para a presidência da Câmara, Rodrigo Maia pode estar de
saída do DEM. Há possibilidade de ele ir para o Cidadania?
Eu conversei com ele depois da eleição, coloquei o
Cidadania aberto para ele. Quem vai decidir é ele. Rodrigo Maia ainda deve
demorar um tempo para decidir, não é uma coisa fácil. Quer dizer, eu não tenho
nenhuma experiência nisso, nunca saí de partido. Eu era do PCB, mas como ele
foi proibido na época da ditadura, aí fui pro MDB, sou fundador do MDB lá em
Pernambuco. Continuei no PCB, depois mudamos pra PPS e agora Cidadania, são
sucessores.
O senhor
aceitaria disputar novamente uma eleição presidencial na cabeça de chapa ou
como vice?
Não. É a nova geração que tem que assumir. O meu papel
é articular essa nova candidatura Huck, como uma alternativa capaz de derrotar
o bolsonarismo e evitar o retrocesso do retorno do lulismo.
Surgiu nas
últimas semanas a informação de uma possível filiação do ex-governador Geraldo
Alckmin ao Cidadania para disputar o governo de São Paulo. A informação
procede? Alckmin seria bem-vindo ao Cidadania?
Muito bem-vindo. O Alckmin é uma das figuras que merece
todo o nosso respeito. Foi excelente governador. Uma pena a eleição de 2018,
que foi uma surpresa. Estávamos juntos e fomos derrotados. Não estou sabendo
muito disso porque ainda não conversei com ele, não sei se isso corresponde a
um interesse dele. Eu não sabia disso, estou surpreendido. Mas vou até procurar
saber, pra mim é motivo de muita satisfação. Nem conversei com o partido, mas
não tenho dúvida de que pode ser algo muito importante se ele realmente tiver
ideia dessa possibilidade.
Depois do
levantamento do sigilo das mensagens da Lava Jato pelo STF, aumentaram as
possibilidades de os julgamentos de Lula por Sergio Moro serem anulados,
restaurando os direitos políticos do ex-presidente. Como o senhor vê isso?
Eu acho um absurdo um país que não permite o uso de
provas ilícitas estar discutindo isso no Supremo Tribunal Federal, quando há
uma jurisprudência consolidada de que não cabe prova ilícita em nenhum momento
de qualquer processo na Justiça brasileira. Isso evidentemente é vergonhoso.
O deputado
estadual Fernando Cury, acusado de assediar a deputada estadual Isa Penna
(PSOL-SP), conseguiu suspender na Justiça o seu processo de expulsão do
Cidadania. O conselho de ética do partido já opinou pela expulsão. O senhor
defendeu que a questão fosse julgada pelo Diretório Nacional. Por quê? A
permanência dele no Cidadania compromete a imagem do partido?
As pessoas imaginam que o partido político vai ter que
fazer suas normas como se fosse um tribunal do Poder Judiciário. Não é. Nós
temos que ter a ação política. Nós temos que garantir o direito à ampla defesa,
e isso foi garantido a ele, agora a Justiça não pode determinar como vamos
agir. Nós não vamos processar ninguém, nós podemos tomar a medida política que
for indicada para que o partido tome. Eu não estou condenando ninguém, eu estou
dizendo que não queremos conviver com um determinado militante, com um
determinado parlamentar, com um determinado filiado. Isso é um direito do
partido. O partido não tem a autonomia de dizer que não quer determinado
filiado? Então entramos com recurso para suspender essa liminar que paralisou o
processo, um processo político interno. Esperamos que seja derrubada essa
liminar para que a gente possa decidir isso no Diretório Nacional, que é o
órgão máximo do partido. O que ele fez é um fato com repercussão nacional e até
internacional. Isso não é um tribunal, não é o Poder Judiciário, com primeira
instância, segunda instância, tem a ver com a política, em função da
repercussão. Se for alguém do Diretório Estadual, mas se o que ele praticou é
de tal ordem que repercute nacionalmente, é o Diretório Nacional que tem que
cuidar. A conduta dele não tem justificativa, é claramente um crime.
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