Há
muito tempo já desisti de 'fazer a cabeça', como diziam os hippies, de qualquer
pessoa sobre qualquer coisa
Semana
passada cometi um sincericídio do qual acabei sendo vítima, ao lembrar dos
grandes cronistas que divertiam e emocionavam falando com leveza e elegância de
tudo e de qualquer coisa, menos de política. Levei uma gozação do Diogo
Mainardi, revoltado porque trabalha 18 horas por dia no lodaçal da política e
inveja minha liberdade temática. Em compensação, recebi um e-mail estimulante
de minha colega de caderno Martha Batalha sobre a missão da crônica, ela mesma
uma cronista iniciante, mas brilhante romancista de “A vida invisível de
Eurídice Gusmão” e “Nunca houve um castelo”, que me divertiram e emocionaram
muito. Até ela, tão imaginativa, diz que muitas vezes fica tão revoltada que
cai no lodaçal da política, arrastando junto o leitor, como já fiz muitas
vezes, como fazem até cronistas de plantas, animais e comidas, levados pela
fúria incontrolável que a política atual desperta.
O governo Bolsonaro se tornou assunto quase único de todos os cronistas, enchendo o saco dos leitores e chovendo no molhado dos comentaristas políticos. Mas nos tempos de pandemia e horror que vivemos, ele oferece diariamente novos motivos com suas mentiras, ofensas e descalabros.
Dizem
que o destino dos que não gostam de política é ser dominado pelos que gostam.
Faz sentido e é um bom pretexto para um mergulho no pântano, na esperança vã de
contribuir para algum esclarecimento e transformação, que é pura ilusão, nós
cronistas não fazemos a menor diferença. Há muito tempo já desisti de “fazer a
cabeça”, como diziam os hippies, de qualquer pessoa sobre qualquer coisa.
Apenas dou minha opinião e tanto faz se concordam ou não, mas não por
arrogância, por realismo.
Com
todas as desculpas esfarrapadas já alinhadas, vamos ao que interessa, o que é
importante: 2022.
Uma
das raras vezes que concordei com Bolsonaro foi quando ele disse: “Fora
Bolsonaro, mas pra botar quem ?” Todo mundo já desconfia que, por ser mais
inteligente e preparado, o general Mourão pode ser ainda pior do que Bolsonaro.
Mas
quem pode enfrentar Bolsonaro, numa oposição dividida e paralisada entre o
culto da personalidade, ideias antigas e desastres recentes ? Guilherme Boulos
falou certo, antes de escolher um nome, é preciso escolher um projeto de
governo. Mas só uma grande coligação de partidos pode viabilizá-lo.
Por
exemplo, um quadro político da qualidade, da integridade e da experiência de
Fernando Haddad pode ser dessa vez um adversário competitivo. Desde que seja
por uma coligação de partidos do centro à esquerda, inclusive o PT, mas sem
liderança. Uma coligação só faz sentido se contemplar todos os partidos que a
integram, democraticamente, harmonizando um projeto mínimo de governo.
Conhecendo nossos partidos e a vaidade de seus líderes, sabemos que eles não conseguem se unir nem em casa, imaginem em uma coligação da esquerda ao centro, como na campanha das Diretas Já. Bolsonaro confia na antiga máxima “a esquerda só se une na cadeia”.
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