quinta-feira, 15 de abril de 2021

Fabio Graner - Confusões fiscais

- Valor Econômico

Piso de despesas discricionárias seria R$ 140 bi, diz o economista Bráulio Borges

A crise do Orçamento na qual o país está enredado, apesar de já ter se passado quase um terço do ano, é sintomática sobre sua condição fiscal. A profusão de regras vigentes não dá conta de passar uma segurança sobre a solvência do Estado ao longo do tempo e o seu mau uso ainda coloca o país em constantes armadilhas, como evidencia a discussão no governo sobre vetar ou não a peça.

O resultado tem sido uma economia que não consegue controlar seu endividamento e que tem dificuldades enormes para lidar com situações econômicas e sociais adversas e ter uma trajetória vigorosa e sustentável de crescimento.

Nesse contexto, retornam com mais força debates recorrentes sobre a conveniência de manter o teto de gastos e reconfigurar o arcabouço legal de controle das contas públicas. Até no governo.

Um sintoma disso é o surgimento de ideias como a chamada “PEC fura-teto”, cuja minuta original previa até mesmo gastos não relacionados ao combate à pandemia fora do limite constitucional. A Economia defendia nos bastidores que a PEC visava controlar o tamanho do gasto extra necessário para o combate à segunda onda da covid-19. E que a pasta seria contra incluir outros gastos nesse texto, que já foi descartado. O movimento, porém, evidencia um arcabouço fiscal ineficiente e insuficiente para gerir o país.

Uma fonte do governo, que discorda da ideia de PEC devido ao tumultuado ambiente político, argumenta que a pasta comandada por Paulo Guedes teria uma visão muito dogmática e por isso agiria de maneira errática e até contraditória. E aponta que há outros caminhos fora da PEC, como a decretação de calamidade pública ou trabalhar a execução orçamentária, vetando o mínimo possível no Orçamento e preservando acordos feitos com os congressistas. Esse segundo parece ser a tendência.

Além disso, esse interlocutor aponta ser preciso em algum momento rever o teto de gastos para dar conta das necessidades da economia brasileira. Não seria abrir espaço para gastança, explica, mas sim abandonar um desenho mal formulado (o que, aliás, até Guedes já reconheceu em algumas ocasiões porque o teto veio antes das reformas). Essa arquitetura, diz a fonte, asfixia a gestão da política econômica e nega totalmente o papel do Estado, na contramão do que está ocorrendo em uma série de países.

Essa autoridade garante não estar sozinha com essa visão no governo, mas aponta que Guedes tem ascendência importante sobre Bolsonaro, por isso muitos evitam se posicionar.

Uma outra fonte que defende o teto reconhece que sozinho ele não está sendo suficiente para a tarefa de controlar a dívida. Nesse sentido, aponta que a PEC Emergencial, mesmo desidratada, deu contribuição importante para o arcabouço fiscal, ao apontar o foco para trajetória do endividamento.

Agora, explica, a tarefa é regulamentar o comando constitucional, sinalizando principalmente que o resultado primário, hoje tratado como uma mera burocracia, seja realmente definido como instrumento para controlar a dívida. Nesse sentido, lembra a fonte, medidas como a reversão de renúncias fiscais (que se estivessem no nível pré-2012 o país já estaria quase de volta aos superávits primários) passarão a ser consideradas mais urgentes.

Para o economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador do Ibre/FGV, Bráulio Borges, embora ter uma regra de teto de gastos não seja ruim, o dispositivo brasileiro está mal desenhado. Ele comenta que há várias experiências positivas de teto no mundo, mas com desenhos que definem outros tipos de correção do limite, melhores do que apenas a reposição da inflação em 12 meses, como ocorre no Brasil.

Ele lembra que, além do teto, o Brasil tem mais de uma dezena de regras fiscais e que, por isso, acaba não tendo nenhuma direito. “A gente não vai escapar de fazer essa discussão em 2023, mesmo que o atual governo seja reeleito”, salientou Borges.

O economista levantou um ponto importante sobre a qualidade do ajuste fiscal brasileiro, que, sem considerar a pandemia, comprime ano após ano as despesas discricionárias, aquelas que podem ser direcionadas livremente, como investimentos. Embora muito se fale que esses gastos, hoje em torno de R$ 100 bilhões, já estariam perto do limite mínimo, Borges acredita que esse piso na verdade já foi rompido.

Para ele, quando se considera a necessidade de pelo menos manter igual o estoque de capital da economia, compensando a depreciação (por exemplo, o desgaste de estradas), as despesas discricionárias deveriam estar em torno de R$ 140 bilhões. Para chegar ao número, ele incluiu na estimativa dados do Tesouro que mostram uma depreciação da ordem de 0,5% do PIB em 12 meses até o terceiro trimestre do ano passado - o órgão ainda não atualizou esse número para o fechamento de 2020.

Além de melhorar o perfil do gasto, Borges alerta que é preciso olhar também o lado das receitas, não só para rever renúncias, mas também para medidas como tributação de carbono, de fundos de investimento fechados e outras. “Isso ajudaria a financiar o gasto extra da covid, com mais segurança sobre a dívida.”

Para o economista e professor João P. Romero, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a situação atual é uma “tragédia anunciada”. Na visão dele, o teto de gastos tem sido usado para forçar cortes, em uma agenda política de redução do Estado, em vez de se buscar resolver estruturalmente o arcabouço fiscal de forma mais ampla no país. “O ideal seria retirar algumas regras obsoletas... a literatura aponta que o ideal é ter regras que sejam flexíveis e organizar melhor a sobreposição que hoje há de regras”, disse.

Segundo ele, a principal questão é como estruturar o gasto público, colocando foco nas despesas mais eficientes, como investimentos e servidores de menor renda. “É necessário uma análise mais aprofundada sobre custo e benefício do gasto, já que a despesa gera ganhos de curto e longo prazo, como crescimento, produtividade e arrecadação”, disse.

Romero destacou ainda o que considera um erro de planejamento na gestão da crise, que foi o fim da PEC de Guerra e da calamidade em 2020. “Agora estamos em momento mais grave e com auxílio muito menor, sem orçamento, sem ajuda as empresas e se a PEC de Guerra tivesse sido mais longa, teria resolvido isso”, disse.

O debate fiscal é complexo e o Brasil tem um quadro particularmente difícil, pela combinação de baixo crescimento e alta dívida. Discutir esse tema com franqueza é mais do que nunca necessário para o país alçar voos maiores.

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