Mesmo as ameaças do presidente estão perdendo credibilidade
Por
ser o STF uma
instância política, preocupada com política, e tomando decisões políticas, não
é surpresa que esteja dando aulas de política para Jair Bolsonaro, aquele que assumiu
recusando-se a fazer política. O próprio Bolsonaro acha que não, que está
fazendo política, atividade que ele confunde com esbravejar declarações
desconexas para grupelhos de apoiadores, proferir bobagens em lives e postar
falsidades em redes sociais, além de vociferar ao telefone com senadores.
Algumas
decisões do STF são para lá de exóticas (para se usar linguagem diplomática) e
geram enorme insegurança jurídica, mas o ponto principal é que o conjunto da
Suprema Corte tem um entendimento mais apurado do que Bolsonaro do que é o jogo
institucional, o papel dos seus atores, seus limites políticos e legais. É esse
jogo que o voluntarioso Jair disse que ia liquidar no gogó. Não conseguiu, e
está perdendo de lavada do STF, mas não só.
Alguns feitos políticos de Bolsonaro são notáveis – pela ironia dos fatos. Ao seguir adiante com um Orçamento inexequível, mas que negociara com o Congresso, pois precisa gastar para se reeleger, acabou permitindo que os profissionais do Centrão carimbassem na testa do ministro que já foi estrela, Paulo Guedes, a expressão “fura-teto”. Outra ex-estrela, Sérgio Moro, o paladino da luta anticorrupção, Bolsonaro já tinha empurrado para uma espécie de vala comum de malfeitores (sob aplausos de ministros do STF, no único elogio que destinam a Bolsonaro).
Há
dúvidas se Bolsonaro se deu conta do “golpe” que o Centrão lhe aplicou na esteira
dessa ainda não resolvida confusão do Orçamento. O Centrão se recusou a votar
uma PEC que, para acomodar interesses, declararia algumas despesas como fora
dos limites hoje vigentes. O Centrão declarou que não aprova medidas
“fura-teto”. Mas o motivo principal para a recusa é outro, e se constitui em
mais uma aula de política: o Centrão não quer abrir mão de suas prerrogativas
de determinar alocação de recursos via Orçamento, um clássico instrumento de
poder que o presidente cedeu.
A
dor de cabeça de uma CPI no Senado é real, porém
pequena se comparada à dor de cabeça de uma economia que teima em não
deslanchar. O problema para o governo é que não adianta dizer, como Guedes
insiste, que o “Brasil estava decolando” e a economia “se recuperava em V”
quando ocorreu uma segunda onda do vírus. Os fatos na cabeça das pessoas são
preços em subida, inflação voltando, desemprego persistente, e economia andando
devagar.
Nem
todos os acontecimentos da economia são negativos para os planos do governo e o
País, conforme atesta o sucesso dos leilões de concessão de portos, ferrovias e
aeroportos. Porém, a inequívoca aposta de investidores na obtenção de bons
retornos via concessões é coisa de longo prazo, e as questões emergenciais de
pandemia e economia são no curtíssimo – as consequências políticas idem. A
confiança de varejo, indústria e setor financeiro está sendo demolida pelo
cenário político de instabilidade e imprevisibilidade.
Dedicado
dia e noite a acelerar e piorar o que sozinha já seria uma tempestade perfeita,
Jair Bolsonaro está perdendo a credibilidade até quando faz ameaças do tipo “aguardo sinal do
povo para tomar providências”. O PT foi apeado do poder
quando achava que era dono das ruas, mas não era. Vivendo na bolha peculiar de
sites, portais e redes sociais amigas, Bolsonaro confunde esse tipo de espuma
em meios digitais com “povo”.
A expressão “mentalidade do bunker” se consagrou para descrever o governante que perde a noção da realidade, pois vive distante dela. No caso de Bolsonaro, deveria ser trocada por “mentalidade do cercadinho”. Fica do mesmo jeito em um outro universo, paralelo.
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