‘O
Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu
estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o
desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair
Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do
Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a
pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de
pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”
Tudo
o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras
ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um
ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem
muita convicção.
Embora
o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o
presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora
a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O
capitão percebe, também, que seu
“povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já
prestadas em manifestações de rua e buzinaços.
Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.
O
que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do
Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco
de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas,
se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades
pelos erros na condução do governo na pandemia.
Na
guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não
aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para
deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica
defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante,
que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao
cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.
Embora
já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos
olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito
não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro
manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria
admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe
que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.
Nesse
contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão
do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente
simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como
alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o
ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu
operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.
Há
muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment,
até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a
inflação alta. Escândalos
de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes
assombrando o Planalto.
Mas
há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros
que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A
segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.
Por
fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo
usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza
diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em
agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e
Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.
Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.
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