Como
parece não aprender com os erros do passado, há pouca esperança que o governo
corrija seus rumos
Em
qualquer dimensão - saúde, educação ou economia, por exemplo - o desempenho do
atual governo é catastrófico. A menos que se usem métricas ideológicas,
caminha-se, ao final destes quatro anos, para um cenário de terra arrasada que
será, provavelmente, o do pior governo de nossa história.
Na
saúde os números falam por si só. Ultrapassamos 4 mil mortos diários, os
hospitais estão sobrecarregados, há filas nas UTIs. Em diversos locais o
sistema de saúde entrou em colapso. Parte grande da culpa é do governo central.
Quando já estava claro que havia um problema grave, o presidente
sistematicamente minimizava a gravidade da crise. E ainda hoje defende
tratamentos ineficazes, combate o uso de máscaras e o distanciamento social, e
sabota medidas de lockdown decretadas por Estados ou municípios. Sua
hostilidade a vacinas só diminuiu quando ficou claro que isso o prejudicava
politicamente. Sua liderança, até agora, foi instrumental para piorar, e não
melhorar, a situação de calamidade.
A falta de coordenação do Ministério da Saúde - a primeira vez em uma grande crise - revelou-se mais danosa que o negacionismo do presidente. Sem uma diretriz única para o país, cada Estado ou cidade decide suas políticas isoladamente, o que reduz a eficácia das mesmas. No auge da crise, demitiu-se um ministro que fazia um bom trabalho junto às secretarias estaduais, trocando-o por um militar que nada conhecia da área e se mostrou péssimo em gestão. Finalmente, a demora em negociar vacinas - não esqueçamos da hostilidade à vacina chinesa e a negativa às vacinas da Pfizer -, e ainda por cima com poucos fornecedores (somente dois!), é de inteira responsabilidade do governo federal.
Uma
outra dimensão de muitas frustrações está na área econômica. A aliança entre os
conservadores bolsonaristas e os liberais prometia uma revolução na economia.
Seria a primeira vez que supostamente “não teríamos um governo social democrata
de esquerda”, mas um legitimamente liberal. Passados dois anos, muito pouco foi
privatizado e o responsável, Salim Mattar, saiu porque o estavam sabotando.
Abertura
comercial foi esquecida e a negociação de acordos de comércio, com a União
Europeia por exemplo, empacou. A reforma tributária também não caminha, pois a
proposta do Ministério da Economia (ME), ao incluir a volta da CPMF, vai na
direção contrária à racionalidade econômica. Mesmo a grande vitória do governo,
a reforma da previdência, deveu-se muito mais ao Congresso que ao ME, que
apostava em um sistema de capitalização inviável politicamente.
Bolsonaro
sempre foi um populista intervencionista e essa é a faceta que está
prevalecendo na economia em detrimento das políticas liberais. A saída dos
presidentes da Petrobras e do Banco do Brasil, por discordarem de intervenções
presidenciais nas suas gestões, mostra que a instrumentalização das estatais
com objetivos políticos iguala-se ao visto nos governos petistas. O apoio
velado do presidente a uma negociação orçamentária que aprovou despesas muito
acima do Teto de Gastos, ignorando despesas obrigatórias, evidencia que o ME é
hoje muito mais um apagador de incêndios que um formulador de políticas. O
sonho liberal acabou muito antes de começar. A conta, em termos de juros,
câmbio e estagnação do produto, já está sendo cobrada.
Na
educação, depois de dois ministros ideológicos e vocais, que pouco ou nada
entendiam do assunto, atingiu-se uma certa calmaria. Mas infelizmente as
prioridades continuam erradas. O Brasil apresenta problemas gravíssimos de
qualidade da educação, de abandono precoce de ensino médio, de atraso escolar,
e nenhum deles vem sendo enfrentado. Já não se fala tanto em combate à
ideologia de gênero - um falso problema -, mas gasta-se energia com políticas
inúteis, como “homeschooling”, ou de retorno duvidoso, como a ampliação da rede
de escolas militares.
O
MEC deveria enfrentar os impactos da pandemia sobre a educação básica,
coordenando esforços (e liberando verbas) para levar banda larga e “tablets”
aos alunos pobres, bem como dar condições para se abrir escolas fechadas há um
ano. Como já registrado neste espaço, a pandemia terá um impacto permanente e
negativo sobre a educação dos mais vulneráveis, mas o MEC nada faz para atenuar
o problema.
Na
área ambiental, o ministro incentiva queimadas, derrubada de matas e combate o
monitoramento por satélite. A devastação da floresta amazônica, que vinha
diminuindo, voltou a aumentar, um resultado esperado por quem se alia a garimpeiros,
grileiros e madeireiros por motivos eleitorais. Nas relações exteriores, o país
isolou-se completamente, devido a uma lunática agenda anti-globalista que
hostiliza seus principais parceiros comerciais e ofende aliados estratégicos.
Na área da cultura... Bem, não há cultura neste (des)governo.
Na
Justiça, Bolsonaro foi eleito com uma agressiva campanha anti-corrupção. Nomeou
como ministro o símbolo desse combate, Sérgio Moro. Entretanto, essa agenda foi
abandonada ao primeiro sinal de que a família do presidente seria investigada
devido às “rachadinhas”. O ministro demitiu-se, por não aceitar a
instrumentalização da Polícia Federal, o que parece estar ocorrendo, e a força
tarefa da Lava-Jato foi enfraquecida. Para garantir sua sobrevivência, o presidente
se apoiou no Centrão, uma aliança fisiológica que ele atacara no passado,
acusando seus membros de corrupção.
Este
governo vai mal em todas as dimensões que podemos pensar, seja por erros
básicos de gestão, seja por escolhas equivocadas, ou por implantar políticas
ideológicas sem qualquer evidência que as ampare. Como também parece não
aprender com os erros do passado, há pouca esperança que corrija seus rumos. O
estrago não terminou, infelizmente.
*Pedro
Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e
Desenvolvimento.
Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV.
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