Os
que almejam a Presidência se uniram a quem só quer a caneta
São
90 dias regulamentares, mas a única certeza sobre a CPI da Pandemia é de que
ninguém sabe quando esta termina. Ainda não está composta, mas já produziu, sobre
o Senado, o ajuntamento de duas de suas três forças. Os que querem o cargo do
presidente Jair Bolsonaro uniram-se àqueles que se contentam com sua caneta. É
a junção dessas duas forças que esticará a CPI até 2022. A pauta vai muito além
da incúria bolsonarista na pandemia ou de sua consequência para os Estados. O
que estará em jogo é a ocupação do governo, do Judiciário e do próprio Senado.
A CPI já começou a se definir pelo parto. A anexação das duas propostas foi resultado do jogo duplo que marcou a gestão do ex-presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no cargo e continua a operar no varejo da sustentação bolsonarista na Casa, a um alto custo para o erário, como se viu no relatório do Orçamento do senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Com
os governadores e prefeitos na roda, ainda que de forma mitigada, os aliados de
Bolsonaro que hoje comandam o Senado lhe deram a chance de barganhar o avanço
da investigação sobre seu governo. Foi esta a porta que se abriu com a
possibilidade de serem investigados não apenas o labirinto das verbas federais
nos Estados como a alocação de recursos das emendas parlamentares nos
municípios. Ambas passam pelas planilhas da Secretaria de Governo, ocupada até
outro dia pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
A
CPI ainda avançará sobre as brasas que restaram nas relações entre Ramos e o
ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ontem o Ministério Público Federal no
Amazonas adiantou-se à CPI e denunciou Pazuello por improbidade administrativa
decorrente da crise de oxigênio naquele Estado. O processo correrá em primeira
instância e pode levar à primeira condenação dos generais do governo. Com um
adendo: Pazuello ainda está na ativa.
Com
este caldeirão sob fervura, o presidente jogou com a ameaça de implodir a
sociedade nada anônima em que se transformou seu governo. O sucesso de sua
estratégia dependerá não apenas da composição da CPI mas dos senadores que
virão a ocupar a relatoria e a presidência. A meta é reproduzir a CPI dos Correios,
tida até hoje como aquela que produziu mais resultados, mas o cenário parece
interditado pela força governista na Casa.
Aberta
no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta CPI
entregou a relatoria à oposição. Depois daquela comissão, os parlamentares
descobriram meios para assar o porco sem queimar a cabana e os inquéritos mais
efetivos passaram para o Ministério Público. A dupla Pacheco-Alcolumbre,
estreante na matéria, tenta controlar a labareda mas, uma vez instalada, é a
CPI quem manda.
No
voto de ontem, respaldado por nove de seus pares, o ministro Luis Roberto
Barroso sugeriu que as manobras protelatórias estarão sob a vigilância do
Supremo: não cabe ao Senado definir se e quando a CPI será instalada, apenas
como procederá, se por videoconferência, presencialmente ou por ambos os meios.
É
o MDB o partido que hoje mais se arvora a tomar assento num cargo de comando da
CPI e, a partir dele, ganhar terreno. Em 36 anos desde a redemocratização, o
MDB mandou no Senado ao longo de 30. Perdeu para o DEM em 2019, graças a uma
aliança de Alcolumbre com o grupo lavajatista do Senado. Dois desse grupo são
os primeiros signatários das CPIs fundidas na Casa. O senador Eduardo Girão
(Podemos-CE), autor do requerimento de ampliação do escopo, continua a gravitar
sob a mesma órbita, e o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) aliançou-se com o
MDB.
O
senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi convidado ao Palácio do Planalto na
próxima semana numa operação que visa a tornar palatável, para o presidente,
sua escolha para um dos cargos da CPI. A ambição emedebista não se restringe
aos domínios do DEM no Senado, mas também sobre o governo.
Os
ministros políticos da gestão Bolsonaro são ou foram deputados: Flávia Arruda
(Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Onyx Lorenzoni (Secretaria
Geral da Presidência), Teresa Cristina (Agricultura) e Fabio Faria
(Comunicações). A ambição primeira dos senadores é o Ministério das Minas e
Energia, foco histórico de disputa entre MDB e DEM. Contra todos, Bolsonaro
reforça a ala ideológica do governo. Não apenas tirou o almirante Flávio Rocha
da Secretaria de Comunicação, como mantém o ex-ministro Ernesto Araújo como
entreposto entre si e o novo chanceler, Carlos França.
O
Senado, porém, também ganhará força na queda de braço que hoje antagoniza a
Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A instalação da CPI eleva o
preço de quaisquer das decisões de Bolsonaro sobre o Orçamento. As ambições no
Senado estendem-se ainda à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo
Tribunal Federal. O passado lavajatista do preferido de Bolsonaro, o
advogado-geral da União André Mendonça, o condena no Senado.
A
operação, porém, tem três obstáculos. O primeiro é que o posto de
governista-mor de Alagoas está hoje ocupado pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL). O segundo é que a ampliação do escopo colocou todos os
governadores sob a mira da CPI, entre os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB).
E, finalmente, o terceiro é que a nomeação de Renan para um cargo na CPI deixaria
em maus lençóis dois de seus correligionários, os líderes do governo no Senado,
Fernando Bezerra (PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (TO).
Quem
quer que ambicione o cargo de relator ou presidente na CPI se transformará num
pivô do cenário de 2022. A dominância do MDB fortaleceria o partido na disputa
pela vice do PT. Em meio às disputas intestinas, um presidente menos imiscuído,
como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), seria uma solução tão desejável
quanto improvável.
No pior das hipóteses, às pilhas de cadáveres se juntarão os áudios de whatsapp, comuns entre integrantes deste governo, que a CPI não custará a obter. É a espetacularização da tragédia que vai entrar no ar. Ambas poderiam ter sido evitadas se a apuração das responsabilidades tivesse começado junto com a incúria.
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