"Quando
eu terei um dia de calmaria para falar com os investidores? Preciso trabalhar
notícias boas, mas é preciso encontrar uma fórmula de governar com menos
ruídos.” Esse desabafo eu ouvi dentro do próprio governo, de uma autoridade que
está convencida de que há, na economia, alguns dados positivos para comunicar.
Mesmo quem não vê essas notícias boas concordaria com esse integrante do
governo que o Brasil tem excesso de ruídos, tumultos, conflitos, como se já não
bastasse o que a população vive na pior pandemia em um século.
A avaliação que essa autoridade faz é que o Congresso aprovou algumas medidas importantes no começo deste ano, como o marco do gás e do saneamento. Acha que o país pode ter um segundo semestre de recuperação, se conseguir vacinar parte importante da população neste primeiro semestre. No mundo, as economias em crescimento, como a China, estão valorizando as commodities exportadas pelo Brasil. O mercado global está melhorando, a bolsa americana está batendo recordes, tudo isso ajudaria a amenizar a crise interna. “Mas o Brasil continua prisioneiro da sua história.”
A
questão é que a maior parte dos tumultos é resultado da própria ação do
governo. Hoje, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 tem que chegar ao
Congresso, mas o país ainda não tem o Orçamento de 2021. As fórmulas mais
estranhas para resolver o problema estão sendo discutidas, mas ninguém quer
encarar o que é tecnicamente correto. A solução defendida por integrantes da
equipe econômica — e eu já ouvi isso de mais de um — é vetar as emendas
parlamentares e mandar um PLN reconstituindo despesas obrigatórias. “O ideal é
ter tudo redondo, era vetar tudo, ter um PLN, mas isso não atende ao Congresso,
porque seria a desmoralização dos tratados feitos. E o presidente pode ficar fragilizado”,
explica essa autoridade que quer um dia de calmaria.
O
presidente Bolsonaro sempre foi o principal foco de instabilidade
institucional, e isso ele mostrou ontem novamente, quando fez novas ameaças ao
país. Ele as faz sempre, de forma deliberadamente vaga para dar a impressão de
que tem poderes que não está usando.
“O
Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência. Eu estou
aguardando o povo dar uma sinalização”, disse Bolsonaro, no seu estilo
autoritário e populista. E continuou: “Estamos na iminência de ter um problema
sério no Brasil. Parece um barril de pólvora que está aí. Eu não estou
ameaçando ninguém, mas estou achando que brevemente teremos um problema sério
no Brasil”.
Bolsonaro
foi assim desde o começo desta pandemia. A cada dia ele levanta um fantasma,
joga uma sombra, cria um conflito. Criou, por exemplo, na semana passada,
diretamente com o ministro Luís Roberto Barroso, quando ele determinou a
abertura da CPI. Ficou claro no rápido julgamento de ontem que Barroso teve
todo o apoio do STF para a sua decisão, que apenas determinou o cumprimento da
Constituição. CPI é direito das minorias, e cumpridos os requisitos de um terço
do Senado e fato determinado não cabe ao presidente do Senado impedir.
Barroso
saiu vitorioso e mandou recados educados para responder à truculência do
presidente. Elogiou o senador Pacheco, que, mesmo derrotado, reagiu com
“elegância, correção e civilidade”, lembrando que são qualidades raras nos
tempos atuais. Mas a resposta mais forte de Barroso toca no principal ponto de
instabilidade do Brasil. Para os economistas, a fonte de incerteza é de
natureza fiscal. Um orçamento confuso, soluções esquisitas, como a que surgiu
na tal PEC do fura-teto, elevam os temores de um descontrole nas contas públicas.
Mas o mais eloquente recado veio com o aviso sobre o que está em jogo nos ataques ao STF. “Diversos países do mundo vivem hoje uma onda referida como recessão democrática”. O ministro citou Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Venezuela. Lembrou que todos eles, sem exceção, sofreram processos de esvaziamentos e ataques aos seus tribunais constitucionais. “Quando a cidadania daqueles países despertou, já era tarde. Reafirmar o papel das supremas cortes de proteger a democracia e os direitos fundamentais é imprescindível ato de resistência democrática”. Esse é o ponto. A nossa instabilidade é muito maior do que a questão fiscal. A fonte maior de tumulto institucional é o próprio Bolsonaro.
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