Editoriais
O fracasso das políticas de segurança
O Globo
Não é aceitável que mais da metade dos
moradores de uma cidade queiram mudar-se com medo da violência. É o que
acontece com 59% dos cariocas e 55% dos paulistanos, de acordo com pesquisa do
Datafolha. A melhor tradução da mensagem desses dados é que a maior parte da
população das duas maiores cidades do país não acredita que os administradores
públicos que elegeram sejam capazes de protegê-la.
Rio e São Paulo são vítimas do mesmo
populismo que permite a ocupação desordenada de áreas das cidades que se convertem
em santuários paralelos à margem da lei. No Rio, pela topografia local, as
favelas podem ser mais visíveis que em São Paulo. Um paulistano que não saia
dos bairros nobres das zonas Sul e Oeste pode passar a vida ao largo delas, mas
nas periferias persistem as mesmas mazelas: falta de saneamento, ausência de
agentes públicos, moradias improvisadas (com frequência em áreas de risco) e a
sensação de insegurança trazida pelas facções criminosas.
É certo que houve avanço no combate à criminalidade, mas a pandemia trouxe um recuo dramático. O aumento da pobreza, da fome e a multiplicação na quantidade de moradores de rua contribuem para ampliar a sensação de abandono e insegurança nas grandes cidades. As redes sociais funcionam como um amplificador de notícias sobre assaltos e assassinatos, frequentemente em bairros onde a situação parecia controlada há poucos anos.
É isso que explica o medo dos moradores,
apesar da queda contínua nos índices de violência nos últimos anos. O estado de
São Paulo registrou em 2021 o menor número de homicídios desde 2001 (2.847) e o
Rio de Janeiro o menor desde 1991 (3.245). Apesar disso, na cidade de São Paulo
83% da população tem medo de ser assassinada, segundo o Datafolha. No Rio, o
índice é idêntico, com um agravante: 88% dos cariocas têm medo de ser atingidos
por bala perdida, o que ocorre com trágica frequência em ações mal planejadas
da polícia nas favelas. Só isso deveria fazer autoridades municipais e
estaduais parar para refletir sobre o êxito de suas políticas de segurança.
O Rio viveu a experiência inicialmente
bem-sucedida das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), baseada em princípios
corretos: não pode haver armamento nas favelas, muito menos armamento pesado,
como fuzis e metralhadoras; a polícia tem de circular em todas as comunidades
de forma integrada, sem restrição de áreas; e os serviços públicos básicos
precisam subir o morro. O auge das UPPs foi a retomada do Complexo do Alemão em
2010, com apoio das Forças Armadas. Criminosos foram expulsos do conjunto de favelas
no subúrbio carioca, permitindo até a construção do teleférico inaugurado em
2011 pela presidente Dilma Rousseff.
O projeto das UPPs passou a ser expandido
sem planejamento nem preocupação com a formação de um novo tipo de
policiamento, com base em interesses meramente eleitoreiros. O resultado foi a
perda de credibilidade e o esvaziamento. De lá para cá, o tráfico retomou o
território do Alemão, e o que resta do teleférico está enferrujado. Outros
pontos da cidade são controlados por milícias vinculadas a corporações
policiais, que se tornaram foco crescente e preocupante de criminalidade. Elas
se expandiram pela Zona Oeste carioca e se fortaleceram a ponto de contar com
representação na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj), na Câmara de Vereadores
carioca e com o beneplácito do governo federal.
A geografia do crime em São Paulo é
distinta. Em suas penitenciárias, surgiu uma das mais fortes organizações
criminosas do país, o PCC, que gerencia o crime mesmo atrás das grades, tendo
expandido seus domínios a outros estados e até países vizinhos. O poder dessas
quadrilhas, não só em São Paulo, é suficiente para reduzir os indicadores de
violência quando estabelecem uma trégua com inimigos ou quando se tornam
hegemônicas. Volta e meia explode um conflito que transborda para fora dos
presídios. A inexistência de uma política nacional consistente de segurança
pública torna as cidades brasileiras reféns do humor dos comandantes das
facções.
O presidente Jair Bolsonaro assumiu envolto
na bandeira da segurança pública, com apoio de todas as corporações policiais.
Infelizmente sua gestão da área só tem contribuído para agravar os problemas.
Em sua visão primária, Bolsonaro parece acreditar que facilitar a compra de
armas pelos cidadãos é a melhor forma de combater o crime. O resultado dessa
política são os sucessivos recordes na venda de armas e munições, o
afrouxamento dos controles e, como revelaram sucessivas reportagens do GLOBO, o
uso dessas brechas por criminosos para continuar a se armar. É questão de tempo
até que os índices de violência reflitam essa realidade.
É lamentável o Estado até hoje não conseguir proteger o cidadão brasileiro da violência. Há uma enorme quantidade de conhecimento acadêmico acumulado sobre o assunto que deveria orientar as políticas públicas. A direção a seguir passa por transformações não apenas no policiamento ou na investigação, mas também na legislação penal, no Judiciário e no sistema carcerário, de modo a desbaratar as facções e garantir punição ágil aos criminosos. É uma mudança que levará tempo e exigirá determinação dos governantes. Por isso mesmo precisa começar logo. O combate ao crime exigirá do próximo presidente uma atitude mais firme, madura e inteligente do que fazer arminha com a mão para a plateia das redes sociais.
Globalização em xeque
Folha de S. Paulo
Desaceleração do comércio expõe riscos
oriundos da guerra e da nova geopolítica
O agravamento das tensões geopolíticas já
impõe custos para a economia mundial. De mais dramático, disparam os preços dos
alimentos, devido a interrupções no fornecimento de insumos e ao encarecimento
da energia e do transporte, com enorme dano social.
De forma mais ampla, a integração global
também começa a ser afetada, conforme nova projeção da Organização Mundial do
Comércio (OMC). A instituição revisou de 4,7% para 3% a expectativa de
crescimento das transações neste ano. Há riscos de piora.
O mais óbvio deles é uma escalada da guerra
na Ucrânia, capaz de levar a embargos ocidentais contra o petróleo e o gás da
Rússia. Esta também pode limitar ainda mais a venda de produtos essenciais,
como fertilizantes e metais industriais, além de impedir o escoamento de trigo
ucraniano, que é especialmente importante para a África e o Oriente Médio.
O aumento da inflação, nesse contexto,
resultaria em mais juros e, no limite, a uma recessão, que traria redução no
volume de comércio. Tal possibilidade fica clara com a nova projeção da OMC
para o Produto Interno Bruto mundial, que caiu de 4,1% para 2,8%.
Outro fator de incerteza é a política
chinesa de combate à Covid-19. O gigante asiático ainda não abandonou a
estratégia de tolerância zero, que vai se tornando mais onerosa diante da
variante ômicron, altamente contagiosa.
As quarentenas em grandes cidades, centros
produtivos fundamentais para numerosos setores, ameaçam provocar paralisia nas
fábricas e na logística —um novo golpe na frágil trajetória de normalização dos
últimos meses.
Recorde-se que a pandemia já havia
suscitado questionamentos quanto à estratégia das multinacionais de espalhar
seu fornecimento ao redor do mundo —o que ocorreu nas últimas décadas, durante
o pico da integração global.
Tudo somado, há sem dúvida obstáculos para
o que chamamos de globalização, ao menos nos moldes em que foi implantada.
A tendência de crescimento do comércio
começou a ser enfraquecida com a crise financeira de 2008. A guerra tarifária
entre Estados Unidos e China, iniciada pelo ex-presidente Donald Trump,
reforçou o movimento. Desde então, os conflitos geopolíticos se tornaram ainda
mais agudos.
Uma reorganização geral pode resultar de
fatores como o maior foco das grandes potências em nacionalizar tecnologias e
produção em setores sensíveis, bem como a menor disposição do setor privado em
assumir riscos. Ganhos de eficiência podem ser sacrificados em prol da
percepção de segurança, com impacto inflacionário.
A globalização trouxe benefícios econômicos
e sociais, embora nem sempre bem distribuídos. O novo cenário exigirá a
adaptação de todos —e pode significar oportunidades para países produtores de
commodities como o Brasil.
Redenção improvável
Folha de S. Paulo
Projeto do semipresidencialismo subestima
custo; melhor aperfeiçoar regime atual
Nas várias medições comparativas que
cientistas políticos foram capazes de criar, o parlamentarismo se sai um pouco
melhor do que os demais regimes —isto é, do que o presidencialismo e as várias
modalidades de governos iliberais.
Daí não resulta que todos os países devam
correr para adotá-lo. Custos de transição tendem a ser elevados, e é preciso
considerar que todos os sistemas têm suas virtudes e seus pontos fracos.
Os últimos são mais fáceis de enxergar do
que as primeiras, o que leva muitos países a sonhar com uma improvável reforma
política redentora. Na maioria das vezes, aperfeiçoamentos nas regras
existentes funcionam melhor.
Nos últimos 60 anos, a população brasileira
foi consultada duas vezes sobre uma mudança de regime. Em 1963 e 1993, o
parlamentarismo foi rejeitado por ampla margem. Agora, o mundo político fala
em semipresidencialismo —um modo de fazer avançar o parlamentarismo
conservando o voto direto para presidente.
O presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), criou grupo de trabalho, composto por deputados e assessorado por
juristas, que tem 120 dias para apresentar sugestões. O propósito de Lira é
debater o tema ainda este ano e, se for o caso, fazer com que o
semipresidencialismo comece a valer a partir de 2030.
Note-se que o Legislativo já se fortaleceu
nos últimos anos, com perda do poder da Presidência. O Planalto não pode mais
reeditar medidas provisórias indefinidamente, o que é correto, e as emendas
parlamentares ao Orçamento se tornaram gastos obrigatórios —o que tem permitido
abusos por parte de deputados e senadores.
Ademais, ainda estão por serem conhecidos
os efeitos das medidas tomadas para estimular a redução do número excessivo de
partidos políticos —e, assim, facilitar a formação de coalizões estáveis.
São pequenas, de todo modo, as chances de a
reforma de Lira prosperar. A Folha questionou os presidenciáveis a
respeito do semipresidencialismo, e a palavra "golpe" foi a mais
utilizada para descrevê-lo.
A mudança de regime é uma opção legítima, mas o fato de algumas das principais forças políticas assim se posicionarem é indicativo das dificuldades para a mudança.
Onde está o Ministério Público?
O Estado de S. Paulo
Diante das evidências de corrupção no MEC de Bolsonaro, a omissão da PGR é ainda mais escandalosa. O MP deve defender a lei, sem jacobinismo e sem negacionismo
Mais um caso dos tempos da Lava Jato chegou
a um fim inteiramente desproporcional ao barulho gerado anos atrás.
Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a rejeição da denúncia
por obstrução de justiça contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff e contra o ex-ministro Aloizio Mercadante. Segundo o órgão
acusador, a denúncia, oferecida em 2017 pelo então procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, não se sustenta, seja pela falta de provas, seja
porque eventuais crimes já estariam prescritos.
O diagnóstico não é novo, mas à medida que
o tempo passa adquire maior nitidez. A atuação do Ministério Público no âmbito
da Lava Jato produziu muito alvoroço, mas seus resultados ficaram muito aquém
dos escândalos causados. Nessa longa distância entre discurso e realidade, há
muitas lições a serem aprendidas: por exemplo, o respeito ao devido processo
legal, a incompatibilidade do Ministério Público com a arena política, o
reduzido valor probatório das delações, a diferença entre o papel dos
procuradores e o dos magistrados e a importância, para uma Justiça realmente
imparcial, do juiz de garantias.
Todo esse aprendizado institucional, que
poderia servir para um importante e necessário amadurecimento do Ministério
Público, encontra-se ameaçado, no entanto, por uma atitude diametralmente
oposta – e igualmente distante da lei. Refere-se aqui à omissão e à passividade
instauradas por Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nos tempos atuais, é preciso recordar o
óbvio. Por força de sua missão constitucional, o Ministério Público não pode
ser conivente com indícios de crimes. E – não é necessária uma lupa para ver –
o governo de Jair Bolsonaro tem produzido abundantemente tais indícios e, para
piorar, em áreas fundamentais, como saúde e educação. No entanto, Augusto Aras
age como se tudo estivesse dentro da mais absoluta legalidade.
Por mais que queira agradar ao Palácio do
Planalto, o procurador-geral da República não pode ignorar tantos indícios de
crime. O relatório final da CPI da Covid foi caso paradigmático. O documento
não se baseou em delações ou em complexas elucubrações. O trabalho dos
senadores reuniu robusto conjunto de indícios criminosos, que, em boa medida,
são de conhecimento público e prévios à própria comissão. Por isso, o encaminhamento
dado ao caso por Augusto Aras afronta a missão do Ministério Público. Depois de
receber o relatório, o procurador-geral da República simplesmente abriu alguns
procedimentos preliminares, que, mais do que colaborar com o esclarecimento dos
fatos, parecem destinados a assegurar que os indícios sejam todos esquecidos.
Agora, o País toma conhecimento de uma
série de escândalos envolvendo o Ministério da Educação (MEC). Nenhum deles
teve origem em delação ou em interpretações jacobinas da lei. São indícios, por
assim dizer, explícitos e inequívocos: gabinete paralelo operado por pastores,
pregão para compra superfaturada de 3.850 ônibus escolares rurais, kit de
robótica com sobrepreço para escola sem água encanada, autorização de
construção de 2 mil escolas sem dotação orçamentária. O sr. Augusto Aras
considera tudo isso normal? Seria mera escolha política do bolsonarismo, a que
a PGR deveria assistir passivamente?
A sociedade precisa do Ministério Público,
que é o titular da ação penal. Quando algum procurador escolhe a passividade
diante de indícios de crime, a sociedade fica desprotegida em seus valores
fundamentais. No caso da PGR, suas omissões são ainda mais graves, porque
deixam a população à mercê do exercício corrupto e corruptor do poder.
Na subserviência da PGR aos interesses de
Jair Bolsonaro, o mais estranho é que a Constituição de 1988 assegurou a
autonomia do Ministério Público. Nada impede Augusto Aras de cumprir seu dever.
Nada o obriga a virar as costas ao Direito. É mais uma lição a ser aprendida: a
autonomia do Ministério Público é para defender a lei, e não para que cada um
se sinta autorizado a fazer suas vontades. Não é Janot, tampouco Aras.
Eleição como desculpa esfarrapada
O Estado de S. Paulo
Congresso procrastina reformas e deixa de investigar o escândalo no MEC porque os parlamentares colocam as eleições acima dos interesses do País
O País já se acostumou à tradicional
letargia do Congresso em anos eleitorais. Com o horizonte de outubro,
parlamentares pensam apenas na sua própria eleição, mas a tradição é que os
trabalhos legislativos prossigam ao menos até junho. Neste ano, esse calendário
parece ter sido antecipado. Líderes partidários já admitem que projetos
polêmicos e reformas estruturantes ficarão para 2023. A estratégia é evitar
qualquer tema que possa custar votos. É esse mesmo espírito que tem trazido
dificuldades para a instalação de uma imprescindível Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) para investigar as inúmeras irregularidades do Ministério da
Educação (MEC).
Como revelou o Estadão, pastores evangélicos
tinham trânsito livre na pasta para negociar verbas do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) com municípios em troca de propina. Os
indícios de irregularidades foram fortes o bastante para derrubar o ministro da
Educação, Milton Ribeiro, que reconheceu, em gravação, dar prioridade ao
atendimento dos pedidos dos pastores a pedido do próprio Bolsonaro. Chamados a
depor na Comissão de Educação no Senado, três prefeitos confirmaram as
denúncias, com detalhes escabrosos.
Se tudo isso não bastasse, 3,5 mil escolas
inacabadas, cuja conclusão é prioritária inclusive por força de lei, foram
preteridas em detrimento de 2 mil novas unidades, que muito provavelmente
tampouco serão entregues, já que o FNDE detém uma fração dos recursos
necessários. O esquema, que remete a pirâmides financeiras que já levaram
milhares de investidores à ruína, seria comandado por apadrinhados do ministro
da Casa Civil, Ciro Nogueira. O prejuízo, evidentemente, fica com a base da
pirâmide: a população, que observa o dinheiro público ser drenado sem que as
escolas sejam de fato entregues.
Em situações normais, essa sistemática
corrupta já mereceria investigação, mas o fato de que ela levou à queda do
quarto ministro da Educação de um mesmo governo é argumento mais do que
suficiente para justificar uma CPI. Instrumento de fiscalização da minoria, as
comissões têm o direito de instalação assegurado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF): basta que obtenham apoio de um terço dos parlamentares.
Surpreendentemente, o líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues
(Rede-AP), ainda não conseguiu alcançar o número mínimo de assinaturas. Pior,
teve que amargar as defecções de três senadores – um do PDT, do pré-candidato à
Presidência Ciro Gomes, que classificou o escândalo da Educação de coisa de um
“governo dramaticamente corrupto”, e dois do Podemos, que há apenas duas
semanas planejava lançar à Presidência o ex-juiz Sérgio Moro, tido e havido
como campeão da luta anticorrupção.
A desculpa esfarrapada para não apoiar a
CPI é evitar que ela seja usada como palanque eleitoral, uma vez que a Comissão
de Educação poderia fazer o mesmo trabalho. Balela. A natimorta CPI poderia
convocar qualquer pessoa, prendê-la em flagrante, requisitar informações
oficiais sob reserva e quebrar sigilos bancário, fiscal e telemático dos
investigados. Bem mais limitada, a Comissão de Educação só consegue intimar
ministros e titulares de órgãos subordinados ao governo federal; qualquer outra
autoridade ou cidadão somente pode ser chamado a convite, o que assegura a
prerrogativa de negá-lo.
Que a base do governo trabalhe para conter
danos à imagem de um presidente ruim, agravada pelas revelações da inicialmente
subestimada CPI da Covid, é algo mais do que esperado, mas o fato de que a
maioria dos senadores compactua com esses planos dá indícios da abrangência de
esquemas como o orçamento secreto e da natureza das relações atuais entre
Executivo e Legislativo. Nesse casamento de conveniências, a maioria, inclusive
os que dizem se opor ao governo, parece disposta a abrir mão de seus deveres e
responsabilidades como parlamentares para garantir sua eleição. A única
esperança é que os eleitores se lembrem de responder a essa notória e ofensiva
negligência política nas urnas.
Guerra enfraquece o comércio global
O Estado de S. Paulo
Invasão da Ucrânia prejudicou negócios, reduziu o crescimento da economia e pode deixar os pobres mais pobres
O impacto sobre o comércio mundial da
invasão da Ucrânia pela Rússia foi direto, com a abrupta suspensão dos
embarques dos principais produtos de exportação dos dois países e a imediata
alta dos preços de importantes commodities, do trigo ao petróleo. Os efeitos
continuam e persistirão. O comércio mundial perdeu dinamismo, ficou menor do
que poderia ser e pode se fragmentar em blocos formados por interesses
geopolíticos, o que o fragilizaria ainda mais. A economia mundial também será
afetada. E, como em outras crises, os países mais pobres sofrerão mais. Em todo
o mundo, as famílias de renda mais baixa sentirão a crise mais do que as
outras, pois entre os preços que mais sobem estão os dos alimentos.
Talvez este cenário denote um certo
pessimismo num quadro mundial marcado pelos horrores da guerra. Mas não é
improvável. A Organização Mundial do Comércio (OMC), sucessora de uma das
instituições criadas após o fim da 2.ª Guerra para assegurar a paz e o
crescimento mundial, adverte que a invasão da Ucrânia pode estimular a criação
de blocos baseados em interesses geopolíticos, o que tornaria mais frágil o
comércio internacional. Isso enfraqueceria o potencial da economia mundial,
cujo crescimento poderia ser reduzido em até 5% no longo prazo.
Mas os efeitos imediatos já são notáveis.
Por causa da guerra na Ucrânia, a OMC reduziu de 4,7% para 3,0% o crescimento
do comércio mundial neste ano. Para 2023, a projeção é de aumento de 3,4%. Para
a economia mundial, que cresceu 5,1% em 2021, a OMC reduziu sua previsão de crescimento
em 2022 de 4,1% para 2,8%.
O relatório não trata diretamente da
inflação, mas esta, que afeta duramente a renda dos brasileiros (foi de 11,3%
nos 12 meses terminados em março), se tornou problema mundial. Nos Estados
Unidos, alcançou 8,5%, a maior em mais de 40 anos. É outro efeito da guerra,
que fez subir os preços de combustíveis e alimentos, além dos custos
industriais, entre outros itens.
“A guerra da Ucrânia causa imenso
sofrimento humano, mas também prejudica a economia mundial em um momento
crítico”, disse a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala. O impacto será
particularmente mais forte nos países de baixa renda, nos quais os alimentos
estão entre os maiores gastos das famílias. Em entrevista ao Estadão em março,
Ngozi Okonjo-Iweala já dizia que seu grande temor com relação aos impactos da
guerra era o risco de surgimento de uma nova crise alimentar no mundo. Rússia e
Ucrânia são grandes exportadores mundiais de trigo e a interrupção de suas
vendas externas por causa da guerra afetou o preço do pão em todo o mundo. “Em
muitos países pobres, pão é uma comida básica”, disse ela ao jornal.
Quanto ao risco de “desintegração da economia em diferentes blocos”, a resposta, diz a OMC, é o fortalecimento multilateral baseado em regras claras. É uma advertência aos países-membros da organização, cujo papel foi duramente combatido e boicotado pelo então presidente americano Donald Trump e ainda aguarda seu total restabelecimento.
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