Correio Braziliense / Estado de Minas
Falta uma candidatura robusta que possa cumprir
o papel de pautar o futuro no debate eleitoral e oferecer uma alternativa nova
para o país
Por suas convicções, declarações e
atitudes, o presidente Jair Bolsonaro (PL) é considerado pela oposição uma
ameaça à democracia no Brasil. Sua visão de mundo, a compreensão sobre o papel
do Estado na vida nacional, seus métodos de atuação, tudo corrobora o seu
perfil político autoritário. Em decorrência disso, e da postura negacionista e
da falta de empatia com as vítimas da pandemia de covid-19, disseminou-se uma
grande rejeição na opinião pública à sua reeleição, que se reflete nas
pesquisas.
Em contrapartida, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) aparecia como franco favorito nas pesquisas
eleitorais, gerando grande expectativa de poder, uma vez que já não estava
preso e suas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Diante de um cenário de 660 mil mortos, 11 milhões de desempregados, alta da
inflação e estagnação econômica, a volta de Lula ao poder parecia apenas uma
questão de tempo e não, como seria necessário ser, de uma estratégia
bem-sucedida para consolidar o isolamento de Bolsonaro.
O presidente parecia fadado a ser enxotado do poder pelo eleitor. Com fim da pandemia, a situação mudou completamente. A principal preocupação da população já não é com a saúde. Passou a ser com a economia, cujos problemas relatados acima estão sendo mitigados pelo governo. O programa de transferência de renda Auxílio Brasil substituiu o Bolsa Família, uma herança do governo Lula. Outras medidas estão sendo adotadas, como mudanças na tabela do imposto de renda, subsídios para o gás de cozinha, adiantamento de 13º salário, liberação do fundo de garantia etc.
O governo opera de forma aberta em favor da
reeleição. Bolsonaro exibe a competitividade que parecia perdida e reduz a
distância em relação a Lula nas pesquisas. Como são muito conhecidos, esses
votos estão sendo consolidados antes da campanha eleitoral de rádio e tevê.
Isso ocorre em meio a um choque de narrativas, em quatro chaves: 1) as
condições de vida da população durante os governos Lula e Bolsonaro; 2) a
disjuntiva democracia x corrupção; 3) a mudança dos costumes, ou seja, as
chamadas pautas identitárias; e 4) o tema do desenvolvimento, tendo como eixo a
globalização e a questão ambiental.
Voto útil
A primeira chave tem uma base muito
objetiva. Para o cidadão comum, as perguntas são: está empregado ou não,
consegue serviço ou não, recebe ajuda do governo ou não, dá para pagar as
contas, comprar a comida e chegar ao fim do mês com a dinheiro da passagem? O
que ameaça Bolsonaro e favorece Lula nesse quesito é a inflação, que está fora
do controle. O peso da economia nas eleições costuma ser fundamental, embora
possa ser decidida em razão de outros fatores.
Do ponto de vista institucional, porém, a
segunda chave é mais preocupante. Não é somente a corrupção na política que
está sendo naturalizada com a liquidação da Lava-Jato e anulação de processos e
condenações, entre os quais os de Lula. Diga-se de passagem, a aliança de
Bolsonaro com o Centrão está tendo um papel determinante para isso, inclusive
para livrar o governo de investigações sobre seus escândalos.
Também está havendo, em contrapartida, a
naturalização do autoritarismo de Bolsonaro, cujo projeto de reeleição embute
propósitos já bastante conhecidos, como subjugar o Judiciário, verticalizar o
poder do Executivo e transformar a democracia brasileira num regime “iliberal”.
Setores que haviam se afastado do governo, com a desistência de Sergio Moro e a
crise instalada na chamada terceira via, na qual os partidos se digladiam
internamente — a começar pelo PSDB —, estão começando a tratar o autoritarismo
de Bolsonaro como um mal menor, diante da volta de Lula ao poder.
O debate sobre a agenda dos costumes, a
terceira chave, consolida a polarização esquerda x direita, num ambiente social
em que o conservadorismo vem levando a melhor. O tema do desenvolvimento, no
eixo da globalização e da questão ambiental, que seria o verdadeiro debate
sobre o futuro do país, está sendo tratado de forma subalterna, quando Lula e
Bolsonaro se reverenciam nas ações e realizações de seus respectivos governos,
que já fazem parte do passado.
Falta uma candidatura robusta que possa cumprir esse papel de pautar o futuro no debate eleitoral e, assim, oferecer uma alternativa nova para o país. Essa possibilidade está cada vez mais difícil, a ideia de uma candidatura única dos partidos de centro corre contra o tempo. As pesquisas estão dando sinais de que o “voto útil” no primeiro turno pode abduzir a candidatura da terceira via.
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