Folha de S. Paulo
Faz dois anos, presidente da rachadinha
rachou o governo com o centrão
Sinais ostensivos de roubança no governo
não prejudicaram a popularidade
de Jair Bolsonaro. Nem o repique da inflação, nem
o aumento dos combustíveis.
Há indícios de que seu prestígio subiu um par de pontos.
A avaliação de Bolsonaro não está muito
abaixo do que era nos tempos menos anormais de seu governo. No ano anterior ao
início da epidemia, até fevereiro de 2020, 34% do eleitorado lhe dava nota
"ótimo/bom", em média. No início deste abril, 29% (dados da pesquisa
Ipespe, de maior frequência).
Sim, Bolsonaro leva nota "ruim/péssimo"
de 54% desde agosto de 2021. Mas o assunto aqui é resistência eleitoral e
política. Neste abril, faz dois anos que Bolsonaro organizou a sua sobrevida.
Na primavera da epidemia de 2020, o
desprestígio de Bolsonaro crescia rápido por causa de sua indiferença à morte.
Perdia feio no Congresso. Temia o impeachment e a prisão de filhos.
Foi um abril de reviravolta e ataques em várias frentes. No início do mês, aconselhado por seus generais, Bolsonaro chamou o centrão. No dia 16, demitiu Luiz Mandetta, o popular ministro da Saúde. No dia 19, foi ao comício diante do Quartel-General do Exército, no qual se pedia golpe militar contra Congresso e Supremo. No dia 24, Sergio Moro caiu.
A partir de maio, entregou cargos rendosos
para o centrão. Levaria um ano para que PP e PL, em especial, passassem de
diretorias a ministérios como o da Casa Civil, sob Ciro Nogueira (PP-PI). Não
conseguiram alguns postos-chave, ocupados por militares, nem tiveram sucesso no
avanço recente sobre a Petrobras. Mas a aliança rendeu. O governo passou a
perder menos no Congresso, o impeachment morreu e renasceram os escândalos.
Bolsonaro cometeu vários estelionatos
eleitorais. Mais do que aliado, o centrão se tornou regente do governo. Chutou
Moro, mas o lava-jatismo já não tinha muito voto. Seu eleitor pouco se importa
com o abafa de Procuradoria-Geral, PF, Coaf, Receita e de investigações de
escândalos vários, de roubança inclusive.
Em setembro de 2021, Bolsonaro chutou de
vez o "liberalismo". Avacalhou o teto
de gastos e Paulo Guedes —mais estelionato. Mesmo com mentiras
descaradas ou atrocidades sinceras, Bolsonaro resistiu.
Desde 2015, com a decadência da Presidência
e a incapacidade da sociedade de fazer mudança política democrática, o
Congresso-centrão tem mais poder de picotar, em seu interesse, o que resta de
Orçamento livre. É assim por causa de emendas de execução obrigatória e também
do controle sobre o "orçamento secreto", pois Bolsonaro ou está refém
ou se dedica a seu projeto de tirania. O Congresso-centrão tem ainda fundões
eleitorais para barrar a entrada de novos concorrentes no mercado político.
É uma geringonça de direita, um
parlamentarismo branco-sujo ou um semipresidencialismo de
avacalhação. Ciro Nogueira e Arthur Lira (PP-PI), presidente da Câmara,
comandam o barco, com a camarilha parlamentar. Contêm os chiliques golpistas
piores e falações mais repulsivas de Bolsonaro, que atrapalham os negócios. O
casamento de conveniência na delegacia funciona.
O Congresso-centrão precisa menos do
governo, que ainda é um aliado útil, porém. Pode ajudar a fazer bancadas
grandes, fisiológicas e ultradireitistas. O próximo passo seria tolerar algum
avanço autoritário de um Bolsonaro reeleito em troca de mudanças institucionais
que deem mais poder à camarilha parlamentar.
É por isso que a conversa sobre
semipresidencialismo ou variante está na mesa. É o grande avanço do sistema
político podre sobre o que resta do Executivo e da República. Seria o
liberalismo só de maus costumes: a autocracia pirata.
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