Folha de S. Paulo
Incógnita é até onde irá apego ao ideário
da ditadura e ao poder de impô-lo em caso de derrota eleitoral do presidente
Nenhuma instituição mostra maiores perdas,
na confrontação dos conceitos públicos mais aparentes, do que as Forças
Armadas atingidas pelas características do mandato
de Bolsonaro.
O Judiciário, com seus momentos de alta e
de baixa, a Câmara nos níveis mais deploráveis, o Senado, os partidos e a
política em geral reproduzem, neste período singular, as suas imagens
anteriores. Graças ao SUS, o serviço público viveu a experiência de aplaudido,
com exceção das polícias.
As Forças Armadas, e o Exército em particular,
têm situação sem precedente há mais de um século, desde os tempos de Floriano e
de Hermes da Fonseca.
É eloquente, cheio de significados, o
rompimento da cautela nas referências aos militares, criada pelas represálias
de violência vigentes por muito tempo.
Cartunistas, humoristas, boa parte dos e
sobretudo das comentaristas profissionais, cartas de leitores e, claro, as
redes de internet praticam, uns, a franqueza de crítica, outros a libertação do
sarcasmo e do deboche.
Militares mais antigos, crias e guardiães da ditadura como realidade e como memória, viram na candidatura de Bolsonaro, com as circunstâncias produzidas pelos agentes da Lava Jato, a oportunidade ideal: impor as visões da ditadura sem a ditadura, tornada difícil e talvez insustentável.
Eram e são as visões para a exploração
da Amazônia,
para os costumes, para as relações internacionais, os indígenas, várias das
minorias, para a cultura. A tolerância com a violência organizada, policial ou
não, o condicionamento dos tribunais e o mais que temos visto em prática ou
tentativas.
O governo Bolsonaro corresponde à visão
geral das Forças Armadas, no mínimo por decorrência das dimensões majoritárias
do Exército.
É natural, portanto, a identificação também
em outras características, como demonstrações patéticas de incompetência,
quando não de ignorância primária, a normalidade de abusos de poder e, além de
várias outras, agora os escândalos. Estes, com um toque original: o cômico. Ou
ridículo.
Os cidadãos estamos a financiar próteses
penianas e viagra para as Forças Armadas, ou um tanto desarmadas.
Nas palavras do próprio Bolsonaro:
"Foram trinta e poucos mil comprimidos para o Exército, 10 mil para a
Marinha e eu não peguei da Aeronáutica, mas deve perfazer o valor de 50 mil
comprimidos. Com todo respeito, isso é nada".
Já se soubera da fortuna gasta com outras
comidas, as preciosidades de mesa, não esclarecido se consumidas nas casernas
ou também servidas em residências.
Bolsonaro não faltou com a mentira. Os 10
mil comprimidos que citou como "valor" para a Marinha são, no
processo de compra, 28 mil. Trambiques em curso, pois. Um, já desvendado, no
verdadeiro significado de valor: o acréscimo de 143% no preço real.
A má fama da Intendência militar, até que o
golpe de 64 silenciasse notícias dos seus feitos, volta com lentidão por
deficiências do jornalismo praticado. Ainda assim, não deixa dúvida da inclusão
militar na bagagem de corrupção
do governo Bolsonaro.
Contrafeitos no Estado Democrático de
Direito, os herdeiros da mentalidade expressada pela ditadura tiveram, de fato,
a oportunidade esperada do papel da Lava Jato e da eleição de Bolsonaro.
O resultado está à vista. Está no inovado
conceito público do ideário das casernas para o país. E está no conceito
internacional que a ONU concentra em sua cobrança, ao governo, de explicação
sobre as ameaças à democracia e aos direitos humanos no Brasil.
A incógnita é até onde irá o apego ao ideário da ditadura e ao poder de impô-lo, em caso de derrota eleitoral de Bolsonaro —e dos representados por ele.
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