sábado, 1 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Queda no desemprego traz sensação ilusória

O Globo

Apesar do número auspicioso de 2024, cenário futuro não será bom para o Brasil nem para o governo

A taxa média de desemprego no Brasil em 2024 foi de meros 6,6%, a menor da série histórica iniciada pelo IBGE em 2012. A medida do bom momento do mercado de trabalho no ano passado fica evidente quando se constata que o menor índice até então eram os 7% registrados em 2014, antes de a economia mergulhar em dois anos de recessão profunda. Entre os avanços de 2024 estão o aumento no número de empregados com carteira assinada e a alta no rendimento médio entre trabalhadores formais e informais.

A pesquisa Quaest divulgada no início desta semana captou o efeito do mercado de trabalho aquecido na opinião pública. Em agosto de 2023, a economia era o tema que mais preocupava 31% dos brasileiros. De lá para cá, houve queda de 10 pontos percentuais, e a economia deixou de ser apontada como o principal problema do país.

Mas tal quadro é ilusório e dificilmente será duradouro. Infelizmente, as análises mais confiáveis apontam para reversão dessa tendência. Olhando para a frente, é difícil acreditar que os números auspiciosos de 2024 serão mantidos neste ano. Se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiver um mínimo de responsabilidade, eles arrefecerão. Por ter crescido nos últimos dois anos acima do potencial, a economia brasileira está superaquecida. Um dos sintomas é a alta nos preços.

Elogio da tolerância - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Sociedades diversas só se tornam viáveis se pessoas e grupos tiverem casca grossa para suportar ideias que lhes desagradem

Quanto mais diversa e plural uma sociedade, mais tolerante ela precisa ser. É fácil ver isso olhando para as religiões, por exemplo. Se cada fé ou denominação achar que pode impor seus credos a pessoas de fora do grupo, instala-se o inferno na Terra.

Para um hinduísta ou qualquer outro seguidor de fé politeísta, a simples afirmação do Deus único das três religiões abraâmicas já tem algo de blasfemo, uma vez que nega um ponto nuclear de seu sistema de crenças. Se as pessoas não criarem uma espécie de casca grossa que as faça não se incomodar muito com as ideias dos outros, tanto as religiosas como as políticas e filosóficas, seguem-se atritos e eventuais explosões de violência.

Entre o buraco negro e o beco sem saída - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Eleição de Hugo Motta aponta para mais fiascos no Congresso

Sai a República das Alagoas, entra a da Paraíba. A chegada de Hugo Motta à Presidência da Câmara muda o cenário, mas o fundo permanece o mesmo. Um fundo de buraco negro e sem fim que sugou mais de R$ 148,9 bilhões em emendas parlamentares em cinco anos. Um big bang de dindim.

Em 2024 cada deputado levou ao menos R$ 38 milhões em emendas, a maior parte delas de execução obrigatória aprovada pelo Congresso. A eleição de Motta, com apoio da bancada do PT, representa o consenso em torno do projeto de poder que enfraquece os ministérios. Mais verba para obras em redutos eleitorais. Com transparência zero.

Duas soluções para Gaza – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Retirada de tropas é proposta de paz, enquanto sugestão de Trump implode democracia israelense

Na Cidade de Gaza, uma paisagem de ruínas, em cena cuidadosamente coreografada, combatentes armados do Hamas transferiram reféns israelenses à Cruz Vermelha. Na Salah Al Deen, a via que corta a Faixa de Gaza desde Khan Younis até o campo de Jabalia, uma multidão retornou para o norte –a pé, em carroças ou carros– até suas casas que já não existem. As imagens do interregno propiciado pelo cessar-fogo situam-se numa encruzilhada histórica que definirá os destinos de Israel e da Palestina.

Tecnoutopia ou tecnofraude? - Pablo Ortellado

O Globo

Na periferia de São Paulo espalhou-se pelo boca a boca que qualquer um poderia “vender sua íris” por R$ 500 nas lojas de um aplicativo de celular chamado World. A notícia logo chegou às autoridades e pautou a imprensa. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados pediu esclarecimentos à empresa. A imprensa cobriu a história com certa dificuldade técnica e uma saudável dose de desconfiança. Afinal, porque uma empresa americana, fundada por Sam Altman, do ChatGPT, pagaria ao brasileiro que quiser escanear a sua íris?

A empresa em questão se chama Tools for Humanity (Ferramentas para a Humanidade) e oferece o equivalente a R$ 500 em criptomoedas a quem fizer a verificação de humanidade única por meio do World.

O Copom de Lula – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Todo mundo no governo continua achando que a taxa de juros já estava e continua alta demais

Não faz muito tempo, Lula disse que a única coisa fora de lugar na economia brasileira era a taxa de juros. E que a culpa era do então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tratado como adversário do governo e inimigo da pátria.

Hoje, a taxa básica de juros (Selic) está mais alta — 13,25% ao ano. Seria elevada, na semana passada, numa reunião em que sete dos nove diretores do BC estão lá por indicação de Lula. Inclusive o “companheiro” Gabriel Galípolo, novo presidente da instituição.

Mas a culpa continua sendo de Campos Neto, na opinião de Lula. Na entrevista que concedeu, ele disse que a alta da taxa era esperada, pois havia sido definida em decisão do “outro presidente” do BC. De fato, foi na última reunião presidida por Campos Neto que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) aumentou a Selic para 12,25% e anunciou que aplicaria mais duas altas da mesma magnitude nas reuniões seguintes, de janeiro e março de 2025.

Desemprego cai a 6,6%, menor patamar da história - Carolina Nalin

O Globo

Pesquisa do IBGE começou em 2012. No último trimestre, taxa foi de 6,2%, também a menor para o período

O Brasil fechou 2024 com a menor taxa média de desemprego desde o início da série histórica, em 2012. O índice anual caiu de 7,8% para 6,6%. O número de pessoas ocupadas nunca foi tão alto no país, com recordes no emprego formal e por conta própria, além do maior rendimento médio já registrado. É o que mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE.

No trimestre encerrado em dezembro, a taxa foi de 6,2%, também o menor índice já registrado para o período desde 2012. O resultado veio em linha com o esperado pelos agentes econômicos, que projetavam que a taxa recuasse para 6% no quarto trimestre do ano passado, segundo mediana coletada pelo Valor Data.

Em defesa da liberdade - Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

A defesa da liberdade e da democracia, diretriz orientadora nos primeiros 50 anos do ‘Estadão’, veio a ser a senda do jornal no século que se seguiu

O sesquicentenário do Estadão convida a visitar o papel deste importante veículo de imprensa na história do País. O traço característico da caminhada de 150 anos está na defesa e no respeito da liberdade, cabendo destacar sua participação nos acontecimentos desde sua fundação até o fim do primeiro quartel do século 20.

Ressaltam-se as figuras dos jovens fundadores, Rangel Pestana e Américo de Campos, o primeiro, signatário do Manifesto Republicano de 1870, o segundo, integrante da Convenção de Itu de 1873, nascedouro do partido republicano. Ambos estiveram comprometidos com a causa da abolição da escravatura. São duas tônicas do novel jornal fundado em 4 de janeiro de 1875. Como disse Martinho Prado Jr., em 16 de março de 1882, a causa da nefanda escravidão estava na monarquia. A luta pela república andava junto com a da abolição.

A inutilidade dos muros - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O mundo vem sendo dividido por muros desde priscas eras, com objetivo de cada grupo, ou tribo, preservar tradições, comércio e vantagens comparativas em relação aos vizinhos

A pequena cidade de Aguas Blancas, na província de Salta, Argentina, fronteira com a Bolívia, colocou a América do Sul no mapa das divisões tribais quando decidiu construir um muro para marcar sua fronteira com o vizinho naquela região andina. Explico melhor: o mundo vem sendo dividido por muros desde priscas eras, com objetivo de cada grupo, ou tribo, preservar tradições, comércio e vantagens comparativas em relação aos vizinhos. 

A iniciativa dos vizinhos parece ridícula, porque a construção é, na realidade, uma cerca de arame farpado com 200 metros de comprimento, numa área muito maior que pode ser violada a pé para quem quiser caminhar um pouco mais. Vale, contudo, como registro de um tempo de impossibilidade de convivência pacífica com quem pensa ou age diferente. Ou simplesmente é mais pobre. Trata-se de mensagem de apoio do mundo subdesenvolvido para o grande irmão Donald Trump.

Monroe revisitado - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Como os Estados Unidos encaram o excepcionalismo. E como o resto do mundo o vê

A deportação de imigrantes pelo governo Trump foi analisada como um evento excepcional na história norte-americana. Uma caminhada pelos desvarios incrustados na história do Irmão do Norte traria, no entanto, informações que desmentem a excepcionalidade das proezas do atual presidente e seus asseclas. No artigo American Exceptionalism, Daniel ­Deudney e Jeffrey Meiser desvendam as origens da autolouvação dos EUA que invoca o caráter único e superior de sua posição no âmbito dos Estados Nacionais. “Desde a sua fundação, há quase um quarto de milênio, os Estados Unidos da América se consideram e são amplamente percebidos como excepcionais.”

Notícias falsas e democracia - Marcus Pestana

A democracia está em crise? Qual o papel da desinformação? Há hoje abundante literatura e espaço central para o debate sobre a manipulação da verdade como ferramenta de ação política através das tão propaladas “Fake News”.

Mas este é um problema novo? De jeito algum. A fofoca, as notícias falsas, as mentiras são presentes na vida pública e privada desde que o mundo é mundo, desde a Grécia Antiga e o Império Romano. E foram eficazes em grandes momentos da História.

O 8 de janeiro e a questão militar - Hamilton Garcia de Lima

A jovem democracia brasileira segue seu curso, em seu ciclo mais extenso e profundo sob a República, sem se animar a sanar os graves problemas que a acometem desde 1985 (vide A crise e suas raízes). Seguindo assim, continuaremos suscetíveis a ameaças políticas como a representada pelo bolsonarismo.

A bem da verdade, o malogro do golpismo bolsonarista se deveu mais à inconsistência de seus estrategos (vide A viagem redonda – de volta à política de vetos) do que a qualquer propalada fortaleza institucional. Quem conhece nossa história republicana sabe que intervenções militares exitosas só se produzem quando em conexão com amplos movimentos sociais extra-caserna. A tentativa de Bolsonaro de se manter no poder passou longe disso.

Forjado no âmbito do centrão como líder corporativo (militar), sem ter estudado a história, Bolsonaro imaginou que a mera mobilização do “soldado-cidadão”, à moda da República da Espada (Governo Deodoro-Floriano, 1889-1894), junto com o toma-lá dá cá da Nova República, seria suficiente para pavimentar seu projeto autoritário. Não foi.

Poesia | Mãos Dadas, de Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Música | João Bosco - Desenho de Giz