quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Caso Carrefour expõe limites do protecionismo

O Globo

Como bom varejista, empresa deveria oferecer a melhor carne pelo menor preço, de qualquer procedência

O recrudescimento do protecionismo ganhou novo capítulo com a declaração do presidente global do varejista Carrefour, Alexandre Bompard, de “não comercializar nenhuma carne do Mercosul” nas lojas francesas “em solidariedade” a pecuaristas locais. Bompard questionou a qualidade do produto sul-americano. Mais que fazer demagogia com o público francês, ele deixou claríssimas as limitações do discurso protecionista que tem se disseminado mundo afora.

União Europeia e Mercosul estão perto de anunciar a conclusão do esperado acordo de livre-comércio. Agricultores franceses estão entre seus maiores opositores no continente e têm feito de tudo para tentar impedi-lo.

Revoltados com a declaração de Bompard, produtores brasileiros passaram a boicotar as lojas do Carrefour por aqui. Com o risco de desabastecimento na operação que responde por um quarto do faturamento global do grupo, o Carrefour publicou nota para se retratar. O texto ignora o principal. Como bom varejista, o Carrefour deveria declarar que ofereceria a melhor carne pelo preço mais baixo, independentemente da procedência. Em vez disso, afirma que continuará a comprar “quase exclusivamente” o produto francês na França e o brasileiro no Brasil. Não houve mudança prática.

Dano duradouro às instituições - Vera Magalhães

O Globo

Dizer que o golpismo foi extirpado do ecossistema militar seria não só precipitado, mas um erro grave

Muito já se sabia dos fatos finalmente reunidos nas 884 páginas do relatório final da Polícia Federal sobre o inquérito aberto para investigar uma tentativa de golpe ainda na vigência do governo Jair Bolsonaro. Mas a consolidação das informações a respeito da abrangência da conspiração não deixa dúvida: o grau de corrosão institucional que permite que tantos níveis hierárquicos sejam mobilizados para consolidar um plano para abolir o Estado Democrático de Direito não se corrige em dois anos, e seus danos são prolongados.

Será necessário, além de julgar com presteza e sentido de urgência e de punir com o rigor da lei aqueles que atuaram na trama golpista, atuar para descontaminar permanentemente esses órgãos de Estado, sobretudo as Forças Armadas e, dentro delas, o Exército Brasileiro dos muitos desvios comprovados pelo inquérito.

Alguns desses vícios não são novos, mas foram ressuscitados por Bolsonaro de forma sistemática e bem anterior a sua própria eleição. Tudo começou com a atuação do ex-capitão — patente, aliás, que só obteve como espécie de prêmio de consolação incompreensível depois de seu afastamento do Exército justamente por tentar promover uma sublevação — como uma espécie de líder sindical das famílias militares no tempo em que foi deputado do baixo clero.

A última covardia - Bernardo Mello Franco

O Globo

Ex-presidente fugiu do país para evitar prisão e torcer pelo golpe à distância, conclui PF

Foram 44 dias de silêncio. Depois de perder o segundo turno da eleição, Jair Bolsonaro recolheu a língua e saiu de cena. Sem admitir a derrota, o capitão abandonou o Planalto à deriva. Entrincheirou-se no Palácio da Alvorada, onde maquinou um golpe para permanecer no poder.

Em 9 de dezembro de 2022, o ainda presidente interrompeu a clausura. Cercado por seguranças, caminhou até o espelho d’água da residência oficial, onde era aguardado por uma claque em verde e amarelo.

“Hoje vivemos um momento crucial. Uma encruzilhada. Um destino que o povo tem que tomar”, discursou, como se a eleição não tivesse acabado. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”, prosseguiu.

Massu, um patrono dos Kids Pretos – Elio Gaspari

O Globo

O general não comia mel, comia abelha

Com sua boina preta, o general francês Jacques Massu (1908-2002) foi um modelo de oficial das tropas de elite do Exército francês. Em 1940, era capitão quando a França rendeu-se à Alemanha. Estava na África e juntou-se a tropas que atenderam ao chamado do general Charles de Gaulle. Quatro anos depois, desembarcou com as tropas aliadas na Normandia. No fim da tarde do dia 25 de agosto de 1944, estava debaixo do Arco do Triunfo, em Paris.

Passaram-se os anos e, em 1957, a Quarta República francesa enfrentava uma insurreição na Argélia. Um governador socialista entregou a repressão ao coronel paraquedista Jacques Massu. Foi a Batalha de Argel. Em oito meses, Massu neutralizou a insurreição na cidade, matando e torturando insurretos. (Ele aplicou-se choques elétricos para avaliar o efeito do suplício.)

Um grande pequeno vizinho - Zeina Latif

O Globo

Com instituições mais frágeis, o Brasil depende mais da sorte do que o Uruguai para ter lideranças políticas capacitadas para avançar

O Uruguai destoa positivamente dos demais países da América Latina, em muitas frentes. Tem o segundo maior PIB per capita da região, depois do Panamá, e o melhor balanço entre grau de desigualdade e renda per capita – afinal, nada adianta todos serem igualmente muito pobres, como o Haiti.

O índice de Gini (quanto mais baixo o valor, menor a desigualdade) estava em 40,6 em 2022 para um PIB per capita de US$32,7 mil, ante as cifras do Brasil de 52,0 e US$19,9 mil, respectivamente.

Na educação, as notas no PISA (programa internacional de avaliação da educação fundamental) estão atrás apenas das do Chile. A nota em matemática, por exemplo, foi 466 em 2022 ante 379 no Brasil. Igual retrato é observado no índice de desenvolvimento humano.

Indiciamento de Bolsonaro catapulta Caiado – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Além do presidente Lula, quem muito se beneficia eleitoralmente da situação de Bolsonaro é o governador de Goiás, pré-candidato a presidente da República em 2026

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está irremediavelmente fora das eleições presidenciais de 2026. Ao ser indiciado pela Polícia Federal como líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder, após a derrota nas eleições de 2022, a estratégia que vinha sendo implementada pelo PL para aprovar uma anistia aos participantes do 8 de janeiro de 2023 e, no embalo, reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, não tem chance de dar certo.

Bolsonaro está sendo abandonado pelos aliados, inclusive os que apoiou nas últimas eleições, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), que tomou distância regulamentar do ex-presidente já no dia em que foi anunciado o resultado das eleições. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), que chegou a classificar o indiciamento como “carente de provas” e argumentar que Bolsonaro respeitou o resultado da eleição, na mesma entrevista, espertamente, fez a ressalva de que as investigações deveriam ser conduzidas com “responsabilidade e foco na verdade dos fatos”.

Não haverá vácuo no espaço de Bolsonaro - Fernando Exman

Valor Econômico

Ao centro e à direita já se desenha um cenário em que várias legendas tentarão disputar os eleitorados antipetista e antissistema

A convocação de Jair Bolsonaro chegou de repente, por volta das 17h, cerca de duas horas e meia antes de seu avião pousar em Brasília. O ex-presidente avisava a jornalistas e parlamentares que falaria com os presentes após desembarcar. “Sugiro que algum assessor seu se faça presente e abra uma ‘live’”, acrescentou aos aliados.

Por dever de ofício, a imprensa profissional se fez presente. Era preciso ouvi-lo sobre as novas revelações da tentativa de golpe de Estado ocorrida em 2022. Os apoiadores eram mais barulhentos do que numerosos.

A cena pode ser usada para embasar a tese de ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que Bolsonaro (PL) rachou o que até então era considerado o seu campo político. Ao atuar contra aliados durante as eleições municipais, dizem interlocutores de Lula, acabou facilitando os futuros planos eleitorais do governo.

PF mostra como Bolsonaro comandou a operação golpista - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

A atuação do ex-presidente não decorre do desespero ante a perspectiva de ver o poder se esvair com uma derrota eleitoral, mas é uma estratégia construída desde sua posse

São 884 páginas, mas o coração do relatório da Polícia Federal está em apenas sete. É nelas que está a fundamentação daquilo que se busca desde o início desta investigação: a centralidade do ex-presidente Jair Bolsonaro no planejamento, coordenação e execução da tentativa de golpe.

É preciso chegar à página 841 para se deparar com o capítulo “Jair Bolsonaro”, o nº 21 dos indiciados, que abre pela conclusão “inequívoca” de que o ex-presidente “planejouatuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”.

O que Jair Bolsonaro merece é a cadeia - Fabiano Lana

O Estado de S. Paulo

Ao que tudo indica, o golpe não foi para a frente porque parte da Cúpula das Forças Armadas evitou a acompanhar o presidente e seus assessores marginais numa aventura inconsequente

Essa não é uma coluna sobre questões jurídicas. Mas sobre merecimento. Sobre os castigos adequados como aprendizado para condutas inadequadas das figuras públicas. Nesse sentido, o que merece um ex-presidente da República que cogitou dar um golpe militar para continuar ilegalmente no poder por meio da força bruta a não ser a cadeia? Atualmente o ex-presidente e seus asseclas nem negam mais quais eram suas intenções, apenas tentam colocar o crime dentro de outras molduras, como a de ter cogitado um “estado de sítio”, algo assim. Mas o que fizeram, ou mesmo tiveram a intenção de fazer, além de começarem a executar, é algo que obriga ao castigo, a enviar a todos por um longo tempo para o xilindró.

Mas vivemos no Estado de Direito. Nesse sentido Bolsonaro deve ter acesso a toda defesa possível e pode ser que escape ileso, em hipótese. Pulularam uma série de juristas para dizer que, apesar do plano para destruir a democracia brasileira ser repudiável, etc., na verdade o que houve não pode ser tipificado como um crime. É como se admitissem, veja, que o direito pode ser o refúgio dos canalhas. Numa adaptação aqui da frase do escritor inglês Samuel Johnson, que na verdade se referia ao uso cínico do patriotismo para justificar o injustificável.

O alerta de Toffoli para Bolsonaro - Vera Rosa

O Estado de S. Paulo

‘O senhor acha que, se houver um ato de força, os generais vão deixar um capitão assumir o poder?’

No dia 19 de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro participou de um jantar, em Brasília, na casa do então ministro das Comunicações, Fábio Faria. Mas quem pediu para que Faria organizasse o encontro foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Preocupado com a relutância de Bolsonaro em admitir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, Toffoli chamou o então presidente para uma conversa reservada após o jantar.

“O senhor acha que, se houver um ato de força, os generais quatro estrelas vão deixar um capitão assumir o poder?”, perguntou o ministro do STF.

A poucos dias do fim do mandato, o presidente ficou em silêncio. Depois, negou que estivesse planejando um golpe. Admitiu, porém, que temia a prisão e a perseguição política, principalmente contra seus filhos. Afirmou, ainda, que jamais passaria a faixa para Lula.

Donald Trump e a picanha – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Inflação de alimentos não para, republicano anuncia confusão, dólar fica nas alturas

Donald Trump já prometeu aumentar imposto sobre produtos importados de México, Canadá e China. Mais do que nunca, guerra comercial de outros países deixou de ser assunto distante da nossa vidinha de ir ao supermercado e de pagar contas. A depender do que o presidente eleito dos EUA de fato vier a fazer, o conflito no comércio pode derrubar uma sequência de dominós que vai afetar o preço do dólar aqui e, pois, a inflação.

O caldo econômico pode ficar azedo para a política, para o governismo. A carestia não está descabelada. Mas o IPCA está bem acima da meta do Banco Central. Inflação perto de 5% neste ano aumenta a "inércia" (remarcação de preço pela inflação passada, por hábito ou por contrato).

Então era assim o tão prometido golpe? – Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e seus chegados nunca tentaram enganar ninguém: o poder pela força era opção clara

Sempre foi evidente que Bolsonaro e seu círculo íntimo só não dariam um golpe de Estado se não tivessem os meios ou as oportunidades necessárias; motivação nunca faltou, e eles nunca esconderam isso. Se tivessem obtido sucesso, teria sido, provavelmente, o golpe mais anunciado da história.

De fato, a cada obstáculo imposto pelo Poder Judiciário aos seus apetites, Bolsonaro respondia com ameaças histéricas de desrespeitar a Constituição, ignorar decisões judiciais e utilizar as Forças Armadas contra quem lhe contrariasse as vontades. Por várias vezes, de sua cercania e com o seu envolvimento direto, saíram as diretivas para que movimentos bolsonaristas, como caminhoneiros financiados pelo agronegócio, policiais e militantes radicais, voltassem sua fúria contra instituições e indivíduos. Ou, simplesmente, gerassem o caos necessário para justificar o uso da força policial ou militar.

Duro de matar - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Horror a dissonâncias cognitivas explica resistência de bolsonaristas em aceitar informações desfavoráveis ao ex-presidente

Parte significativa dos 25% de eleitores que se declaram bolsonaristas convictos continuará a bater continência para o ex-presidente independentemente do que a Justiça prove contra ele.

Isso tem muito a ver com a arquitetura de nossos cérebros, que têm horror a dissonâncias cognitivas. Elas se dão quando existe uma contradição entre ideias nas quais temos grande investimento emocional e a realidade. Esse choque é mentalmente doloroso, daí que o cérebro se vale de subterfúgios para reduzir a distância entre o desejado e o verificado. São as autojustificativas.

Os comandantes e a rataria - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Relatório final mostra como ex-presidente e a 'rataria' executaram plano para anular eleições

Jair Bolsonaro ouviu "não" dos comandantes do Exército e da Aeronáutica mais do que uma única vez. O relatório final do inquérito do golpe mostra que o então presidente buscou quatro vezes a adesão da dupla. Em certo momento, ele tentou driblar os chefes militares para seguir adiante com a trama.

O brigadeiro Baptista Júnior contou que, até 14 de novembro de 2022, o então presidente parecia "resignado com o resultado das eleições". Naquela data, Bolsonaro convocou os comandantes para apresentar o relatório contratado pelo PL para pedir a anulação das eleições.

A liberdade em quarentena - Antonio Lavareda*

Correio Braziliense

'Às velhas formas de supressão das liberdades vem se somar agora a estratégia do iliberalismo, promovida pela ultra direita internacional. Nela, a democracia é corroída por dentro'

No Ocidente, que é onde minha vista alcança, a questão da liberdade nesses tempos remete sobretudo ao medo. Como o professor Sul-coreano-alemão, Chul Han, descreve, “a liberdade não é possível onde reina o medo. Medo e liberdade se excluem mutuamente”. O medo aprisiona a sociedade. Contraposto ao espírito da esperança, sobretudo à esperança ativa, comprometida com movimentos de busca do progresso, ele a deixa em permanente quarentena (Byung-Chul Han, 2023).

Por certo, isso não signica esquecer o fato de que há diversos países no hemisfério que enfrentam essa questão na dimensão mais concreta, dura, primitiva - de histórica privação de liberdades públicas. Países onde nunca houve instituições propriamente democráticas, a exemplo entre outros de Zimbábue, Ruanda, Gabão ou Burundi. Outros há em que elas existiram mas foram interrompidas por revoluções autodenominadas democratizantes, mas que se corromperam em regimes autoritários como Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Ninguém escreve ou faz a História sozinho - Ivan Alves Filho

Um dos maiores equívocos que um historiador pode cometer é desconhecer as contribuições daqueles que o precederam. Às vezes, mais do que um equívoco, é também uma mesquinhez. A História vive em permanente construção, já ensinava um grande mestre que tive, Pierre Vilar. Com um grande amigo seu, Nelson Werneck Sodré, eu aprendi a necessidade de nunca perder de vista que a História é um processo, e que devemos sempre unir o particular ao geral para entender a sua marcha. E que toda obra data, por maior que seja, de certa forma. 

Nelson abordou inúmeros terrenos do conhecimento, da História à Geografia, da Literatura à Política, da Estética à Cultura Brasileira, sem deixar de ser um observador atento das ciências naturais. Não posso esquecer a sua generosidade em aceitar dividir comigo a publicação do livro Tudo é Política, que assinamos e lançamos juntos no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, o grande historiador marxista e general de Exército participava de um lançamento, o qual se deu no Paço Imperial, palco das lutas memoráveis pela Independência brasileira. Para alguém como ele, que dedicou toda sua vida à transformação social do país, não poderia haver um local mais indicado ou simbólico. 

O leão e a gazela – Gaudêncio Torquato*

Jornal da USP

Daqui a pouco, chega dezembro, o mês que carrega um largo espaço para reflexão. Um tempo que nos convida a pensar sobre as nossas vidas, a partir da insensatez desses tempos turbulentos. Tempo de recauchutar o espírito. Aproveito para sugerir uma pauta temática, pinçando fatos, historinhas e um apólogo, escolhidos para iniciar uma breve leitura do cotidiano.

Há dias, um empresário foi assassinado no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, ao voltar com a namorada de uma a viagem a Alagoas. Fuzilado, a mando, dizem, do PCC. Pretendia fazer de sua delação premiada passaporte para continuar a viver a vida na festança. Dispensou, incrível, a cobertura do programa de “proteção à testemunha”. Arriscou-se, assim, ao fuzilamento, achando que policiais contratados para proteger seus passos lhe garantiriam plena segurança. A investigação levanta suspeitas sobre seus seguranças.

Poesia | Poema em linha reta, de Fernando Pessoa

 

Música | Gal Costa - Cravo e Canela (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)