O Globo
Quem reclama que o governo Lula não
produziu grandes novidades se esquece de olhar para as crises. Nesse quesito,
Lula 3.0 tem inovado. Depois da crise do Pix, que machucou
seriamente a popularidade do presidente da República, o foco é o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
responsável pelo Censo populacional
e pelos dados de inflação e PIB, entre outras
estatísticas relevantes.
O caso ainda não viralizou como o anterior,
mas a semente está plantada. Já começaram a surgir fake news sugerindo que
esteja havendo manipulação de dados de inflação ou de emprego, e até um pedido
de CPI já foi anunciado pelo deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG).
Não se conhece nenhum indício de manipulação, mas isso não quer dizer que a crise no IBGE não seja grave. Seu presidente, o economista Marcio Pochmann, conseguiu a proeza de unir contra si 289 coordenadores e gerentes do instituto — gente que nunca se manifestou publicamente contra nenhum outro dirigente da instituição, nem no governo Bolsonaro. Eles subscreveram uma carta em solidariedade a duas diretoras que pediram demissão por divergências e falta de interlocução com o chefe.
O principal foco de insatisfação é a Fundação
IBGE+, entidade de direito privado sem fins lucrativos conhecida internamente
como “IBGE paralelo”. Foi criada por Pochmann em julho passado para fazer
convênios e parcerias público-privadas, mas os funcionários só descobriram que
ela existia em setembro.
Depois disso instalou-se a revolta, não só
pela falta de transparência e diálogo, mas também pelo que os servidores chamam
de risco para a soberania estatística do instituto. Fundações como a IBGE+ não
são novidade. A Fiocruz tem
a Fiotec, e não consta que tenha sido privatizada. Mas o caso do instituto é,
sim, delicado e tem riscos.
Assim como a Receita Federal, o IBGE guarda
informações de todos os brasileiros, que franqueiam acesso às suas casas,
confiando que serão usados na produção de estatísticas para a elaboração de
políticas públicas. Permitir que empresas, entidades e até governos
estrangeiros tenham acesso a esses mesmos dados não é trivial.
Outro problema é o conflito de interesses. O
IBGE segue um planejamento anual, quase sempre executado com dificuldade em
razão da falta de recursos. Quem garante que um projeto com dinheiro privado
não passará à frente de outros de dentro do instituto?
Nada disso, porém, foi discutido às claras
nem com a sociedade nem com os técnicos e analistas, que discordam do formato
da fundação. Ao assumir o cargo, Pochmann criou o projeto Diálogos, encontros
da direção com os servidores para discutir “o futuro do IBGE”. Quem participou
desses eventos, porém, diz que mais pareciam assembleias estudantis em que os
dirigentes já chegam com uma lista de assuntos para ser ratificada. A IBGE+
nunca entrou na pauta.
Especialista em assuntos sindicais, Pochmann
foi apoiado pelos sindicalistas do IBGE ao assumir a presidência. Mas, depois
que o sindicato se opôs à fundação, ele enviou ao Ministério Público uma
denúncia em que acusa um grupo de funcionários de prestar consultoria para o
setor privado, sugerindo que eles possam estar ganhando dinheiro por fora à
custa dos dados e da expertise do IBGE. Embora não seja vedado aos servidores
prestar consultoria fora do horário de trabalho, claro que o caso precisa ser
investigado.
Não há como não associar o que acontece no
IBGE ao que se passou quando Pochmann presidia o Ipea,
entre 2009 e 2012, nos governos Lula e Dilma
Rousseff. Foi um período igualmente marcado por demissões de quem se opunha
a seus projetos, além de acusações de interferência na equipe técnica para
favorecer índices econômicos das gestões petistas.
Por isso mesmo, sua escolha para o IBGE
preocupou muita gente no governo — incluindo a ministra do Planejamento, Simone Tebet,
a quem o instituto está subordinado. Lula, porém, reivindicou para si a escolha
e assumiu a responsabilidade.
Ontem, depois de uma reunião entre Pochmann e
Tebet em Brasília,
o Ministério do Planejamento anunciou ter suspendido a fundação para que sejam
mapeados “modelos alternativos”. O líder da oposição no Senado
Federal, Rogério
Marinho (PL-RN), pediu o afastamento de Pochmann ao Tribunal de Contas
da União (TCU),
que já analisa o caso da fundação.
Nada disso diz respeito à confiabilidade dos
dados do Censo, da inflação ou do emprego. Mas esse caso mostra que a
instituição, que já lutou até contra um presidente da República que não queria
fazer o censo, permanece unida. O grande risco para o IBGE, hoje, é seu próprio
presidente.
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