segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Saída dos EUA da OMS cria riscos geopolíticos

O Globo

Desestabilização com a perda de verbas da organização global terá impacto maior em países mais pobres

Entre as decisões tomadas por Donald Trump na volta à Casa Branca, a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a que deverá ter mais impacto nas populações mais pobres de países onde a ação do Estado em prol dos desassistidos é rarefeita. Em seu primeiro governo, Trump só retirou o país da OMS em 2020, e a medida foi revogada por Joe Biden logo no início de seu governo, em 2021. Por isso os efeitos negativos sobre a estrutura e a ação da OMS não foram sentidos. Agora serão.

Os Estados Unidos são, de longe, os maiores financiadores da organização que reúne 194 países. Com o desembolso de cerca de US$ 1 bilhão anualmente, respondem por algo como um quinto do orçamento. A contribuição financeira americana aumentou com a pandemia, tendo chegado a US$ 1,28 bilhão em 2022 e 2023, quase 40% mais que a segunda fonte de recursos, a Alemanha. O temor é que, sem os aportes de Washington, diversas ações fiquem comprometidas, em especial nas regiões menos desenvolvidas. A revista científica Science afirmou em editorial que, com uma OMS enfraquecida, o mundo ficará mais exposto e menos seguro diante de novas doenças ou pandemias. Como princípio, em organizações dessa natureza, cuja missão é agir em benefício de toda a humanidade, é razoável que a maior carga de recursos recaia sobre os países mais ricos.

A complexa arte de resistir – Fernando Gabeira

O Globo

Mesmo marchando com cuidado num mundo tão difícil, evitar o negacionismo não basta. O Congresso atrasa o país

É preciso remoer os fatos, processá-los. Lembro-me de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. Desde que suportemos as dores. Com o apoio de todos os governos, o Acordo de Paris repercutiu pouco na prática. E agora, com a nova saída dos Estados Unidos?

Já estouramos a meta de 1,5°C de aumento na temperatura. Já esgotamos o tempo, é tarde demais. Já extravasamos o espaço; para sustentar o nível de vida americano, precisaremos de cinco planetas Terra.

O drama estará completo se o Brasil cair nas mãos do negacionismo climático. A direita daqui realmente não acredita no aquecimento global. Trump apenas finge, pois está de olho na Groenlândia, que terá outro valor, como terra e como rota.

Aparentemente, e com uma dose de otimismo, podemos dizer que o Brasil ainda é moldado por nós. Mas as coisas aqui não são e nunca foram fáceis. O objetivo estratégico pode até ser comum, mas haja cotoveladas e pontapés no que aparenta ser o mesmo lado da trincheira. 

Apoiar o governo tem vários significados. Um deles é defender tudo o que ele faz, inclusive seus erros. Outro é exigir eficácia, inovação, leitura mais precisa do Brasil moderno. Uma coisa é se contentar com reuniões ministeriais que não são mais do que pajelanças: precisamos, não podemos mais, a partir de agora… Outra coisa é esperar que haja um programa em movimento, saber a quantas anda a transição energética, a política de IA, a reconstrução de uma infraestrutura das pontes que caem ou cairão.

Comédia ideológica brasileira – Miguel de Almeida

O Globo

Depois de ler “Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas”, eu chorei. Ali se enxerga um país esfumaçado nas próprias pernas. É aquilo que perdemos. O denso livro de Fabio Mascaro Querido reconstitui o percurso de personagens seminais do pensamento brasileiro, digamos, uma das gerações mais brilhantes surgidas no Brasil e, ao mesmo tempo, incapaz de dominar seu brilhantismo egoísta e vaidoso. Ah, a soberba.

Para contar a boa história, Querido estabelece o “Seminário d’O Capital”, em 1958, como um marco histórico. A partir de iniciativa do filósofo José Arthur Giannotti, se reúnem nomes como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Paul Singer, Roberto Schwarz, Michael Löwy e Francisco Weffort, entre outros, para estudar a obra de Karl Marx. O que propicia o encontro quinzenal nas tardes de sábado é o ambiente intelectual instado pela Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Filosofia na mítica Rua Maria Antônia.

A USP surge em 1934 como reação das elites paulistas derrotadas na Revolução Constitucionalista de 1932 pelo governo federal de Getúlio Vargas e seu projeto de desenvolvimento. O ditador gaúcho acredita na indução estatista como motor para o crescimento econômico. Os liberais de São Paulo defendem a iniciativa privada como ator principal na modernização. O confronto entre arcaico e moderno vinha já desde o Império, quando a sociedade se dividira entre a manutenção da escravidão como mão de obra e a industrialização dos meios de produção. Durante o governo de Dom Pedro II, um tipo não muito afeito à livre circulação de dinheiro, alguns parlamentares se horrorizam quando o Banco do Brasil, sob gestão do barão de Mauá, começou a emprestar a juros considerados baixos. Aquilo provocaria um mau costume entre a população…

Auschwitz cala políticos para celebrar 80 anos de sua liberação dos nazistas - José Henrique Mariante

Folha de S. Paulo

No campo de concentração em que o regime de Adolf Hitler matou mais de um milhão de pessoas, a maioria judeus, apenas sobreviventes terão voz em cerimônia

Em "Zona de Interesse", filme de Jonathan Glazer de 2023, o cotidiano da família Höss na casa 88 é acompanhado de maneira crua. A ideia do diretor era não fetichizar as imagens, deixá-las limpas, sem que a estética induzisse a qualquer julgamento. A exceção era o que vinha de fora, um ruído fabril, às vezes monótono, às vezes destacado por algo mais agudo, como latidos de cães ou gritos.

O ruído vinha da instalação ao lado, Auschwitz, o campo de concentração nazista que matou 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus.

Há 80 anos, completos nesta segunda-feira (27), Auschwitz e Birkenau, na Polônia, foram liberados pelo Exército Vermelho nos estertores da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha de Adolf Hitler capitularia meses mais tarde, e o mundo levaria um tempo para entender o que ocorria naquelas instalações.

Oito décadas depois, a tarefa de não deixar o extermínio e a brutalidade serem esquecidos ganha complexidade. Entre 50 e 60 sobreviventes falarão durante a cerimônia em memória desse período. Apenas eles. Autoridades e políticos presentes não terão voz. O mundo flerta com populismo, extrema direita e saudações nazistas. O ruído fabril agora vem das redes sociais.

Reformas eleitorais e o ocaso tucano - Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Esperança para a sobrevivência do PSDB é apostar em discussões de nova reforma eleitoral

Em setembro de 2017 o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional 97, considerada a mais importante reforma eleitoral desde a Lei das Eleições.

A EC 97 proibiu a formação de coligações nas disputas proporcionais e instituiu a cláusula de desempenho, que condiciona o acesso aos recursos públicos do fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão aos partidos que atingirem um desempenho eleitoral mínimo nas eleições para a Câmara dos Deputados.

A cláusula exigirá, em 2026, que os partidos obtenham pelo menos 2,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos nove UFs, com um mínimo de 1,5% em cada uma delas, ou alternativamente elejam 13 deputados por nove UFs distintas. Em 2030, a exigência subirá para 3% dos votos nacionais ou 15 deputados eleitos.

Donald Trump e as bravatas - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Há um paradoxo entre Poder Executivo fraco nos Estados Unidos e o estilo imperial do novo presidente

Em "The Art of the Deal" ("A Arte da Negociação")Donald Trump afirma que: "a chave final para a maneira como eu consigo as coisas é a bravata. Eu jogo com as fantasias das pessoas. Elas nem sempre pensam grande, mas ainda podem se entusiasmar muito com aqueles que pensam. É por isso que um pouco de hipérbole nunca faz mal. As pessoas querem acreditar que algo é o maior, o melhor e o mais espetacular. Eu chamo isso de hipérbole verdadeira. É uma forma inocente de exagero — e uma forma muito eficaz de se conseguir o que quer".

O bizarro episódio do ‘imposto sobre o Pix’ - Gustavo Loyola

Valor Econômico

Mais além dos prejuízos específicos que afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua vulnerabilidade a pressões

O vai e vem do governo Lula no caso da Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal, que valeria a partir de 1º de janeiro do corrente ano, indica não apenas óbvias falhas de comunicação do governo, mas também o poder das “fake news” sobre a grande massa de brasileiros, carentes de educação financeira e ainda marcada pelas barbaridades cometidas no passado, como o Plano Collor e a tributação das transações financeiras, como a famigerada e felizmente extinta CPMF.

BC ganhou tempo para ajustar a dose de juro - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Resultado do IPCA-15 em janeiro trouxe notícias bem negativas

Os dados do IPCA-15 de janeiro não foram nada bons e estão levando mais analistas econômicos do mercado financeiro a elevarem as suas projeções de inflação para 2025, que já se encontram acima do intervalo de tolerância da meta. Como o Banco Central vai reagir?

Em tese, a piora do cenário inflacionário deverá exigir como resposta juros ainda mais altos, sobretudo se ela se estender ao horizonte relevante de política monetária. Alguns economistas do setor privado, inclusive, já estão defendendo uma postura ainda mais dura, que leve a taxa Selic para acima dos 15% ao ano.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, porém, não precisa agir já, para além de reafirmar que vai fazer o que for necessário para cumprir a meta de inflação. Os seus passos futuros mais imediatos já estão amarrados: vai subir a Selic a 13,25% ao ano esta semana e para 14,25% ao ano na reunião de março.

Independência dos bancos centrais será testada - Bruno Carazza

Valor Econômico

Em semana de reuniões do Copom e do FOMC, afloram dúvidas sobre resiliência das instituições

Nos últimos anos ganhou reconhecimento mundial a percepção de que as instituições importam e são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Ronald Coase, Douglass North, Elinor Ostrom, Oliver Williamson e, no ano passado, Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson são alguns dos economistas laureados pelo prêmio Nobel, cujas obras baseiam-se na demonstração de que o conjunto de “regras do jogo” influencia o comportamento dos agentes e afeta a qualidade e o resultado final da partida.

Garantir que os campos das pelejas sejam nivelados, cuidar das boas condições dos gramados, exigir que todos os jogadores pratiquem o “fair play” e proporcionar um sistema de disputa justo - tudo isso incentiva a competição e colabora para que, ao final, os melhores vençam e o público saia satisfeito com bons espetáculos.

Como a rejeição de Trump ao multilateralismo pode avançar - Assis Moreira

Valor Econômico

Três posturas diferentes são esperadas dos EUA nas organizações internacionais a partir de agora

O desdém de Donald Trump por alianças multilaterais e seu desejo de mudar unilateralmente as regras do jogo, conforme a exclusiva conveniência dos Estados Unidos, deverão causar mais turbulências na cena global.

Em meio a questões cruciais como mudança climática, crises humanitária e de saúde, mais desigualdade econômica, inteligência artificial, nos últimos tempos começaram a aparecer tentativas de criação de foros plurilaterais (reunindo um certo número de países) para negociar entendimentos e depois tentar expandi-los multilateralmente.

Agora, é preciso ver como isso pode ainda ocorrer com a postura isolacionista e imperial de Trump 2.0.

Pode-se esperar pelo menos três tipos de postura do líder do ‘Make America Great Again’ envolvendo governança global multilateral.

O valor da direita limpinha - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro arrisca-se a cometer o mesmo erro de Lula em 2018, quando Haddad foi opção em cima da hora

O filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983), referência do pensamento liberal, identificou duas formas de conservadorismo. A primeira, democrática, compreende que as tensões políticas e sociais jamais serão inteiramente sanadas, mas que é possível reduzi-las com reformas graduais. A segunda persegue uma ordem eternamente válida, sustentada por um conjunto de valores absolutos, inquestionáveis. Esse tipo de conservadorismo pode ser tão autoritário quanto as vertentes revolucionárias da esquerda. Ele exige adesão completa, sem concessões e negociações, ao movimento que promete redenção final.

Civilidade, diálogo, respeito à diversidade de ideias e preocupação com o bem comum eram algumas das qualidades que Aron atribuía ao conservadorismo afeito à democracia liberal. Na semana passada, Jair Bolsonaro usou uma expressão lapidar para classificar essa forma de conservadorismo, ainda que ele a tenha pensado como ofensa. A “di r ei t a limpinha” tem “boa vontade” (preocupação com o bem comum), faz “gestinho para lá e para cá” (diálogo), mas “não tem como enfrentar o sistema” (não trocará a ordem estabelecida pela ordem eternamente válida).

A ‘lei’ do mais forte - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Dados o caráter não belicista de nosso país e as fronteiras estáveis com nossos vizinhos, a força militar não é uma preocupação central. Deveria sê-lo!

Nas relações internacionais, geopoliticamente falando, embora isso se aplique às relações diplomáticas e comerciais, não há lei no sentido estrito, pela ausência de um poder coercitivo. Há, sim, regras de conduta aceitas de comum acordo por Estados para dirimir os seus conflitos, sem que esses não derivem para a violência. Tratados e mesmo instituições internacionais dependem, para sua execução e operacionalidade, do arbítrio dos Estados signatários, sobretudo os de maior força econômica e militar. Em caso de descumprimento de algum acordo, um Estado determinado pode impor sanções econômicas, a exemplo das sanções americanas e europeias ao Irã e à Rússia. Pode eventualmente recorrer ao confronto militar direto ou indireto.

Uma política externa transacional - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Trump prefere lidar com autocratas, que enfrentam menos obstáculos para fechar acordos

As semanas que antecederam a posse de Donald Trump foram marcadas pela disputa pública entre dois grupos-chave do novo governo dos EUA – os “tech bros”, liderados por Elon Musk, que defendem facilitar a imigração de quadros qualificados, e o movimento populista Maga (“Make America Great Again”), liderado por Steve Bannon, que defende reduzir todo o tipo de imigração.

No âmbito de política externa, o racha mais relevante ocorre entre conservadores tradicionais, liderados pelo secretário de Estado, Marco Rubio, e um grupo ascendente de diplomatas do movimento Maga, como o embaixador Richard Grenell, que rejeitam os pilares da política externa americana das últimas décadas.

A retórica de Rubio é parecida com aquela dos “águias” do governo Bush e, sobretudo no que diz respeito à América Latina, abraça a visão liberal tradicional dos EUA como defensores da democracia. Rubio recentemente rejeitou qualquer negociação com Maduro e disse que o “narcorregime” precisa chegar ao fim. Ele lamentou que empresas americanas, como a Chevron, estejam despejando bilhões de dólares nos cofres do regime ao explorarem petróleo.

DIVERGÊNCIA. No dia da posse de Trump, porém, Grenell, escolhido pelo presidente como enviado para missões especiais, portfólio que inclui a Venezuela, rejeitou a estratégia de Rubio e anunciou: “Conversei com vários oficiais na Venezuela hoje e começarei reuniões amanhã . A diplomacia está de volta.”

Poesia | Educação pela Pedra - João Cabral de Melo Neto

 

Música | Maria Bethânia - O que é o que é (Gonzaguinha)