sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ameaças de Trump indicam mandato mais turbulento

O Globo

Antes mesmo de assumir, republicano não descartou uso da força para pressionar aliados históricos

Logo após o republicano Donald Trump vencer com folga as eleições presidenciais e ver seu partido conquistar maioria no Congresso, líderes de países em diferentes partes do mundo passaram a traçar novos cenários sobre o que aconteceria com sua volta à Casa Branca. Trump não os fez esperar tanto. A menos de duas semanas da posse, deu o tom do segundo mandato. Em entrevista nesta semana, declarou ser possível o uso da força para desafiar a soberania de países aliados. Trump quer o controle do Canal do Panamá e que a Dinamarca venda a Groenlândia. Na mesma ocasião, fez provocações e ameaças de pressão econômica para que o Canadá se torne um estado americano. Pode ser tudo parte de estratégia para obter concessões. Com exceção de Trump e seus assessores, ninguém sabe. Daí a impressão de que o segundo mandato será ainda mais imprevisível que o primeiro.

Nos últimos dias como secretário de Estado, Antony Blinken tem aconselhado seus pares “a não perder tempo” com a ameaça à Groenlândia. Jean-Noël Barrot, ministro de Relações Internacionais da França, também acha improvável um ataque à Dinamarca, membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Expressando o sentimento de muitos, Barrot disse que estamos entrando num período “da lei do mais forte”.

Governo de minoria - Vera Magalhães

O Globo

Aliados admitem que Lula precisará colaborar, na retórica, com o esforço do ministro da Fazenda

Um diagnóstico curioso parece ter se consolidado em diferentes gabinetes de Brasília, nos três Poderes, no raiar deste 2025 que abre o segundo biênio de Lula 3: trata-se de um governo de minoria, e assim terá de navegar até a eleição.

A lógica que conduzirá a reforma ministerial será a de tentar virar esse jogo, mas os mais realistas com quem se conversa não acreditam que isso acontecerá, por vários motivos.

O principal deles é o que os mais experimentados nos meandros do poder chamam de parlamentarismo de fato — que teria sido implementado com a captura de um naco substancial do Orçamento pelo Congresso.

Nem Rosa Weber nem Flávio Dino conseguiram, com suas sucessivas decisões tentando disciplinar as emendas parlamentares, fazer o gênio voltar para a lâmpada.

Diante disso, ministros de Lula e do STF coincidem no receituário realista que deveria ser adotado pelo presidente para seguir nos dois próximos anos: tentar encontrar um mínimo de equilíbrio para o futuro e deixar que a Polícia Federal cuide dos escândalos sobre o que foi derramado em estados e municípios sem nenhum controle até agora.

40 anos de democracia - José Sarney*

Correio Braziliense

Eu creio na democracia. É o melhor regime porque é capaz de defender-se e vencer os que contra ela investem cometendo crimes, como ocorreu nos episódios de 8 de janeiro

Tenho a sensação de que o tempo está passando por uma compressão nos últimos anos. Se fosse físico, fascinado como sou pelas partículas de altas energias, iria estudar esse fenômeno que sinto. O tempo, como tenho dito, é uma criação do homem. Principalmente as datas redondas. Fui surpreendido quando verifiquei que, no dia 15 de janeiro, daqui a cinco dias, completamos 40 anos da minha eleição com Tancredo Neves para a Presidência da República. Assim, encerramos o período dos governos militares, quando tivemos leis e procedimentos autoritários, o que, para uns, era uma ditadura e, para outros, um regime de exceção, em que de quatro em quatro anos era eleito um general, por um Colégio Eleitoral composto de deputados e senadores. Durante esse tempo, estava em vigor o Ato Institucional nº 5, que suspendia os direitos individuais e civis, possibilitando um regime autoritário de abandono da Democracia — em 1978, no governo Geisel, fui relator no Congresso da Emenda Constitucional nº 11 extinguindo o AI-5.

Enfrentamento à desinformação como ato de defesa da democracia - Rozana Reigota Naves*

Correio Braziliense

O lançamento do Comitê UnB de Enfrentamento à Desinformação representa um ato de resistência e compromisso da UnB com a democracia e com a ciência

A data de 8 de janeiro entrou para a história brasileira como a culminância da tentativa violenta e golpista de subtrair a democracia. O discurso de ódio se converteu em palavras de ordem e força bruta, que destruiu os principais símbolos da República: os palácios dos Três Poderes, incluídas as obras de arte e as peças históricas que deles faziam parte e que foram restauradas e devolvidas, dois anos depois, em ato simbólico, aos espaços de onde nunca deveriam ter saído, ou, ainda, onde nunca deveriam ter sido tocadas.

Discurso, palavras... o campo da linguagem e da comunicação tem sido utilizado intensivamente para os ataques à democracia e aos avanços civilizatórios da nossa sociedade. Cria-se a dúvida — sobre a eficácia das vacinas, sobre a segurança das urnas, sobre a importância da arte e cultura nacional etc. Planta-se a suspeição — sobre as instituições, sobre os agentes públicos. Difunde-se o medo e a mentira, que, no mundo conectado das redes sociais e no submundo da deep web, sob a tese da liberdade de expressão — também falseada —, alcança e subverte inclusive as mentes escolarizadas.

Viver para ver – Flavia de Oliveira

O Globo

De Palm Springs, destino na Califórnia que trilhou no dia seguinte à consagração de Fernanda Torres no Globo de Ouro, para cumprir nova rodada de exibição e debate sobre “Ainda estou aqui”, Walter Salles disse que o filme é também sobre a transmissão. A palavra define precisamente o motivo do turbilhão de sentimentos aflorados a partir daquele 6 de janeiro, Dia de Reis, madrugada de rainha. Quando o diretor escreveu a mensagem, dona Fernanda Montenegro, ainda inebriada pela conquista da filha, acabara de ler ao vivo no “GloboNews Mais” a carta que redigiu para eternizar a emoção. E proferiu a sentença definitiva:

— Eu estou muito carregada, porque a minha idade não é de começo de vida. E eu vivi para ver isso.

O ano começa veloz com a posse de Trump – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A democracia está vulnerável no mundo. Vivemos uma onda autocrática e iliberal. Trump potencializa essa vulnerabilidade ao assumir a Presidência dos EUA

É prudente analisar a gravidade do novo contexto histórico mundial, não apenas a partir a Europa Oriental e do Oriente Médio, respectivamente, onde as guerras na Ucrânia, invadida pela Rússia, e em Gaza, onde Israel mantém os bombardeios indiscriminados, ou do avanço da extrema direita nas potências europeias. A situação se complicou ainda mais com a eleição de Donald Trump, que tomará posse no próximo dia 20 de janeiro e deve acelerar as mudanças políticas em curso no mundo. Nada será como antes.

As declarações do novo presidente norte-americano, antes mesmo de tomar posse, anunciam uma grande distopia: tomar de volta o Canal do Panamá, anexar o Canadá, comprar a Groenlândia, sobretaxar os produtos mexicanos, mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, expulsar os imigrantes latinos, anistiar os invasores do Capitólio que, sob sua liderança, tentaram impedir a diplomação de Joe Biden...

O Lebensraum de Trump - Bernardo Mello Franco

O Globo

Donald Trump ainda não tomou posse, mas já transformou o mundo num lugar mais perigoso. O republicano vai assumir o poder com planos expansionistas. Quer anexar o Canadá, encampar a Groenlândia, tomar o Canal do Panamá.

O presidente eleito dos EUA expôs suas ambições na campanha à Casa Branca. Nesta terça, avisou que pode usar as Forças Armadas para concretizá-las. Em dez dias, ele voltará a comandar o maior arsenal militar do planeta.

Trump disse que a tomada da Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, seria uma “necessidade absoluta” dos americanos. Afirmou que o controle do canal panamenho seria “vital” para seu país. As declarações ecoam a ideia de Lebensraum, que teve consequências funestas no século 20.

Odorico Paraguaçu - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

Como o fictício prefeito de Sucupira, populistas têm criado realidades alternativas

Odorico Paraguaçu, o prefeito da fictícia Sucupira, sempre de paletó impecável e discurso inflamado, era obcecado por inaugurar um cemitério. A promessa gerava desconfiança, mas também muitos aplausos. O cemitério, contudo, nunca ficava pronto. Entre anúncios e cerimônias frustradas, Odorico mantinha o povo enredado em uma realidade distorcida.

Sucupira, a cidade fictícia de Dias Gomes em O Bem-Amado, é um presságio das dinâmicas que hoje emergem nas redes sociais e suas hipérboles. Anne Applebaum, na revista The Atlantic, ilustrou esse fenômeno com o caso de Calin Georgescu, um ambientalista romeno que trocou o ativismo por uma narrativa populista e conspiratória.

Sidônio já sabe que o povo ‘não come PIB’ - Andrea Jubé

Valor Econômico

Publicitário tem cobrado agilidade no envio do projeto que amplia isenção do IRPF ao Legislativo

O novo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, admitiu a interlocutores que, para além de sua área, o governo tem mais e maiores problemas a serem enfrentados na longa jornada até as urnas em 2026. Ele sabe, por exemplo, que um dos principais entraves para turbinar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a alta dos preços dos alimentos.

Nos últimos dias, o publicitário observou, em conversas com interlocutores, que a população “quer menos índices, e mais de carrinho de supermercado”. O próprio Lula e vários ministros têm reiterado declarações comemorando dados positivos da economia, como a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), que deve alcançar 3,5% em relação a 2024, ou o índice recorde de desemprego, que atingiu 6,1% no ano passado.

A volta de Donald Trump - Armando Castelar Pinheiro

Valor Econômico

Política econômica é uma das áreas em que há grande incerteza sobre que caminho o novo governo seguirá

Segunda-feira passada o Congresso americano referendou o resultado da eleição de 5 de novembro, pavimentando o caminho para a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, prevista para o meio-dia de 20 de janeiro, também uma segunda-feira. Há grande expectativa sobre que rumo Trump dará às políticas públicas do país. As alternativas em discussão cobrem um amplo espectro, dado que o Partido Republicano também controla a Câmara dos Deputados e o Senado, a Suprema Corte tem se mostrado alinhada com as visões de Trump, e o bom desempenho da economia dá graus de liberdade para experimentações.

José de Souza Martins - Ritos de ano novo

Valor Econômico

A criançada saía batendo de portão em portão. Já com a mão no bolso da calça ou do avental, o dono ou a dona da casa dirigia-se ao portão e dava para a criança uma moeda

No período colonial, o ano novo começava no dia 25 dezembro. Documentos oficiais, como as atas das câmaras municipais, mudavam a indicação numérica do ano no dia de Natal. Escrevia-se 24 de dezembro de 1580, por exemplo. E, na ata seguinte, 25 de dezembro de 1581.

Lentamente, concepções relacionadas com a passagem de ano enquanto marcação da passagem do tempo, enquanto tempo litúrgico e histórico, foram sendo corroídas, envelhecendo aos poucos.

Minha geração viveu e sofreu a angústia de mudanças rituais na marcação do tempo, que a colocaram em face da consciência de protagonista de um tempo sem volta, o tempo do fim e da finitude. A criança como personificação do avesso e do invisível, do novo contido no que é velho e morre.

Uma tragédia anunciada - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

E agora, José? Qual será a reação do Brasil a um banho de sangue na Venezuela?

O sequestro violento da líder oposicionista María Corina Machado, de véspera, aumenta o temor de um banho de sangue na Venezuela hoje, quando o ditador Nicolás Maduro toma posse para um novo mandato presidencial sem jamais mostrar as atas eleitorais ou qualquer prova de que tenha vencido a eleição. Pelo contrário, quem mostrou atas e comprovou a vitória foi a oposição.

Assim como Maduro bate pé e insiste em assumir, a oposição não desiste, nem deve, de questionar e resistir. O confronto entre os dois lados sai hoje da esfera política e do âmbito das lideranças e vai parar nas ruas de Caracas e das grandes cidades venezuelanas, sob os holofotes e debaixo da desaprovação da comunidade internacional, principalmente na América do Sul. Maduro está isolado.

Meia-noite em Caracas - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Logo antes da posse, ditador turbinou aparelho de segurança e direcionou mira para opositores

Logo antes de assumir um novo mandato, Nicolás Maduro reuniu suas tropas. Durante a semana, o ditador venezuelano vestiu uma roupa camuflada e discursou para as milícias bolivarianas, formadas por militares da reserva e civis que atuam a serviço do chavismo. Depois, ele se encontrou com comandantes das Forças Armadas para lançar um programa regional de defesa.

Nos dois atos, a tônica de Maduro foi a mesma. Ele acusou a extrema direita fascista de tramar a derrubada de seu regime, com o apoio de governos estrangeiros. Noticiou a prisão de mercenários que estariam envolvidos nesse plano e anunciou o reforço de órgãos armados para, de acordo com suas palavras, defender a soberania do país.

Com Zuck e Musk na coleira, Trump late - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Em pronunciamento patético, dono da Meta ajoelha e reza para o novo presidente americano e abole checagem factual

Numa patética declaração de sabujice e oportunismo, Mark Zuckerberg ajoelhou e rezou para Donald Trump, o novo presidente CEO dos Estados Unidos, conhecido mentiroso serial.

O anúncio da reviravolta na checagem de fatos em conteúdos na Meta, dona do Facebook e do Instagram, não pareceu ter nada a ver com convicções e princípios. Foi uma rendição governista em defesa de seus bilhões, o que diz muito sobre a situação da comunicação de massas em nossos tempos de big techs e pós-verdades.

A declaração fez lembrar aqueles vídeos gravados à força por ativistas "arrependidos", com uma arma fora de cena apontada para sua testa. É bastante preocupante que o arrependido tenha citado um suposto consenso de ideias na América e aceitado docilmente a coleira de Trump para latir com o pitbull louro contra o mundo, curiosamente com ênfase no ocidental.

Notas sobre Zuckerberg - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Mudanças nas redes sociais determinadas por dono da Meta são resultado de oportunismo político

Nunca foi a coragem política que caracterizou o comportamento do empresariado como classe social. Se você é dono de um negócio que pode prosperar ou naufragar de acordo com decisões tomadas por reguladores, é natural que você evite indispor-se com as autoridades que controlam esses reguladores. Não é bonito nem virtuoso, mas não é algo que deva causar surpresa a ninguém.

Mark Zuckerberg, da Meta, não fugiu à lei do oportunismo ao anunciar, às vésperas da posse de Donald Trump, mudanças no sistema de checagem de fatos de suas redes sociais que agradam ao futuro presidente dos EUA. E não se trata de um fato isolado.

Sem noção de sua importância ao votar - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Os americanos que amamos não são os EUA. Os EUA são pessoas que não conhecemos e que votam em Trump

Na virada de 1999, vários órgãos nos EUA foram convidados a listar os americanos mais admirados, influentes ou importantes do século 20. Saíram centenas de nomes, famosos ou nem tanto, todos dignos de admiração. Mas houve unanimidades, pessoas sobre as quais não restava a menor dúvida, representantes do que de melhor o povo americano poderia produzir. Eis algumas.

Poesia | Mar Morto, de Jorge Amado

 

Música | Chico Buarque - Vai Passar