domingo, 19 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Centro de alertas de desastres demanda estrutura robusta

O Globo

Enquanto diferentes regiões do país sofrem com tempestades arrasadoras, Cemaden tem quadro esvaziado

É um contrassenso o esvaziamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) num momento em que estados e municípios de diferentes regiões do país se mostram vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, traduzidas em eventos cada vez mais intensos e frequentes. Como mostrou reportagem do GLOBO, para monitorar enchentes, deslizamentos de encostas, secas e outros flagelos, o centro conta com pouco mais da metade do quadro reivindicado (tem 96 funcionários, enquanto pleiteia 180).

Dicotomia perniciosa - Merval Pereira

O Globo

Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário

A ameaça de uso da máquina pública para perseguir os que espalharam boatos sobre taxação do Pix, especialmente o deputado Nikolas Ferreira, é mais um erro do governo na guerra de comunicação que vem perdendo para a oposição. Espalhar boatos contra os adversários sempre foi uma arma política usada nas campanhas eleitorais, e acusar o governo de querer taxar alguma coisa não pode ser considerado crime.

Pode ser golpe baixo, que reverterá contra o boateiro se respondido de maneira convincente. É diferente de atacar a honra de alguém, ou espalhar calúnias pelas redes sociais. Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário. Já houve campanhas em que se espalhou o boato de que o adversário, caso vencesse, acabaria com a Bolsa Família, e ninguém foi preso.

Golpes sujos em campanhas políticas são deploráveis, mas fazem parte da história de qualquer democracia. O governo petista exagera na tentativa de mostrar-se o único obstáculo antes da barbárie, tendo por isso que ser apoiado necessariamente pelos democratas. É a mesma tática dos adversários, que também se anunciam como os únicos a terem condições de barrar a investida petista contra a democracia.

O petista Quaquá - Elio Gaspari

O Globo

O PT está obrigado a fingir que discute a expulsão do seu vice-presidente, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ). Ele se reuniu com familiares dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, acusados de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Um é deputado e o outro é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio. Ambos estão presos. Quaquá defende o direito dos dois a um julgamento justo e diz não estar convencido de que sejam culpados.

Existe um PT de vitrine, e Quaquá é um petista-raiz. Entrou para o partido aos 14 anos, em 1985, e tornou-se um dos mais influentes quadros da sua política no Rio. Elegeu-se prefeito de Maricá em 2008. Reelegeu-se em 2012 e até hoje o PT governa o município. Quaquá voltou à prefeitura em 2024 com 74% dos votos.

Quando o bolsonarismo cabia num automóvel, Quaquá aproximava-se de seus simpatizantes com uma explicação capaz de defini-lo: “Só é contra quem adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema.”

Maricá fica no mesmo Estado que a Baixada Fluminense, mas pertence a outro mundo. 70% da receita do município vêm de royalties do petróleo extraído em alto-mar. Em 2024 foram R$ 2 bilhões.

Com essa riqueza, Maricá foi a primeira cidade do país a instituir a Tarifa Zero nos transportes públicos. Lá foram entregues três mil casas do programa Minha Casa Minha Vida e um dos condomínios chamou-se “Carlos Marighella”. Outro ganhou o nome de um companheiro de militância da então presidente Dilma Rousseff. Em alguns deles faltavam serviços de água e esgoto.

Trump amplia incertezas para o governo Lula - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Existe uma real conexão entre a Casa Branca e o ex-presidente Bolsonaro, um fã de carteirinha do presidente dos EUA e não apenas seu aliado

O retorno de Donald Trump à Casa Branca é o prenúncio de uma era de muitas incertezas na política mundial. Líderes como Vladimir Putin (Rússia) e Benjamin Netanyahu (Israel) são audaciosos e duros, porém previsíveis. O novo presidente dos Estados Unidos, que tomará posse nesta segunda-feira (20), é imprevisível. Trump é visto como uma ameaça à democracia por grande parcela da opinião pública mundial e divide profundamente a sociedade norte-americana.

Para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa é uma externalidade muito negativa. Existe uma real conexão entre a Casa Branca e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que se comporta como fã de carteirinha de Trump e não apenas como aliado. A mídia norte-americanos tem destacado as relações da direita norte-americana com Bolsonaro, sobretudo da Califórnia.

A volta de Trump à Casa Branca é um alento para o ex-presidente brasileiro, impedido de disputar eleições por oito anos, porém, com sua base eleitoral ainda robusta. Essa relação é analisada no longo artigo intitulado “Uma história de dois caudilhos”, de Omar G. Encarnación e Charles Flint Kellog, acadêmicos norte-americanos, publicado pela Foreign Affairs, influente revista sobre a política externa dos EUA. Investigado por tentativa de golpe de estado, Bolsonaro foi impedidor de ir a posse do aliado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dorrit Harazim - O fim de um mundo

O Globo

A chacoalhada geral que se inicia amanhã encontra terreno fértil neste que já foi batizado de ‘século antissocial’

'Estou morrendo. O que peço é que me deixem em paz. Meu ciclo já terminou’, pediu em entrevista ao jornal Búsqueda José “Pepe” Mujica nos primeiros dias de 2025. Dono de uma trajetória que só não comove quem desconhece o significado de pertencer à espécie humana, o uruguaio Mujica sabe estar doente e cansado. Pediu repouso tendo chegado aos 89 anos como fortaleza moral e cívica de um mundo em extinção. E iniciou o merecido retiro poucos dias depois que outra figura de coerência rara — o ex-presidente americano Jimmy Carter — morrera aos 100 anos para só então receber o reconhecimento culposo que lhe fora negado na Casa Branca.

É com esse pano de fundo que assistiremos, amanhã, à volta ao poder de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos. Oportuno momento para relembrar um histórico comentário de 111 anos atrás, feito por Sir Edward Grey, à época chanceler do então ainda portentoso Império Britânico. Encostado à janela do palacete que abrigava seu gabinete, profetizou:

— As luzes estão se apagando por toda a Europa. Não voltaremos a vê-las acesas em nosso tempo.

Poucas horas depois, duas divisões do Exército alemão esmagavam a fronteira da Bélgica, dando início à Grande Guerra de 1914-1918, que engoliu cerca de 21,5 milhões de vidas (entre civis e militares). Grey sempre argumentara que a neutralidade não era uma opção viável diante do expansionismo alemão.

Gelo em Washington - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Posse de Trump com -12 graus, relações geladas com Lula e Brasil numa ‘escolha de Sofia’

Quem assume a presidência dos Estados Unidos amanhã não é uma pessoa, um líder, Donald Trump, mas um projeto de poder internacional em aliança com os líderes emergentes da direita em todos os continentes, massificado mundo afora pelas principais plataformas da internet e com o uso de aumento de tarifas como chantagem para reduzir a resistência e aumentar a adesão.

Essa é a percepção de quem acompanha de perto a política externa e tem foco na ainda maior potência política, econômica e bélica. Aliás, é justamente pelo temor, ou constatação, de que esse poder não dura para sempre e está cada vez ameaçado, sobretudo pela China, que Donald Trump traçou sua estratégia na geopolítica internacional. Sua ação pode ser vista tanto como ataque quanto como defesa.

Apesar das críticas, da impopularidade e da derrota dos democratas, Joe Biden deixa a presidência com um crescimento maior do que o previsto, a inflação dentro da meta e o menor desemprego em décadas, enquanto a China, apesar de manter altos índices de desenvolvimento, surpreendeu para menos. Mas a guerra não está nos números.

A nova doutrina de Trump - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Biden não foi tão assertivo quanto Trump perante Israel, que depende da ajuda militar dos EUA

O acordo entre Israel e Hamas é o primeiro êxito da política externa de Donald Trump, antes mesmo de tomar posse amanhã. Suas credenciais pró-Israel, o fato de não ter mais eleição a disputar e a abordagem transacional ajudaram. Dificilmente isso poderá ser replicado com Ucrânia e Taiwan.

Trump designou o empresário do ramo imobiliário Steve Witkoff como enviado ao Oriente Médio. Judeu, sem experiência diplomática, foi uma escolha improvável, ao estilo Trump. Witkoff vendeu um hotel em Manhattan para o fundo soberano do Catar, que exerce papel-chave nas negociações.

Wittkoff chegou com uma mensagem dura de Trump: o presidente eleito não desejava ter de se ocupar disso nos primeiros dias de seu governo. A expressão “o preço vai ser o inferno”, caso não chegassem a um acordo antes de sua posse, teve impacto sobre o premiê Binyamin Netanyahu, exatamente por sua imprecisão.

Um cão que ataca sempre - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

A partir desta segunda-feira veremos o quanto morde esse cão que late grosso. Será o dia da posse do novo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, este seguidor do estrategista político da extrema direita (all-right) Steve Bannon, que mandou “atacar sempre”.

Atacar sempre é o que Trump não deixa de fazer, com o objetivo declarado de pôr em prática o lema do aviador Charles Lindbergh, evocado em 1941: “America first”, a América em primeiro lugar.

É postura que implica escolha permanente do inimigo a combater. E o principal é a China, e não mais a extinta União Soviética ou a nova Rússia comandada por Vladimir Putin, hoje tido mais como aliado do que como antagonista.

O que Lula deve esperar do Congresso – Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

Mudanças no Senado e na Câmara causarão dores de cabeça ao presidente

A eleição do novo comando do Congresso marcará uma nova fase do governo Lula (PT). Há quem aposte que as dores de cabeça com o Senado farão os petistas lembrarem, saudosos, dos tempos de desavença com Arthur Lira.

Apesar do jeito zombeteiro, Davi Alcolumbre (União-AP) é considerado duro de negociar e com apetite por cargos —do funcionário que serve o café ao presidente de estatal. É famoso por entrar "em modo avião", inacessível por telefone, quando não quer falar com alguém. Não importa se é um colega senador, um ministro ou o chefe de outro Poder.

Nikolas e o Pix - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas mentem que Haddad imitaria o ministro da Fazenda de Bolsonaro

Desde o início do governo Lula os bolsonaristas mentem que Haddad imitaria o ministro da Fazenda de Bolsonaro: tentaria taxar o Pix. O vídeo em que Paulo Guedes defende taxar o Pix está na internet, e é verdadeiro. O vídeo em que Haddad defende taxar o Pix também está na internet, mas é uma falsificação feita com inteligência artificial.

Por isso, qualquer medida que o governo tomasse referente ao Pix deveria ter sido adotada com extremo cuidado e acompanhada de uma campanha maciça de esclarecimento.

Não foi. A máquina de desinformação bolsonarista chutou contra gol aberto.

O grande vencedor da semana foi o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), cujo vídeo contrário ao monitoramento bateu todos os recordes de audiência.

Show de Trump, fogo no circo - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Com apoio da elite e se não criar revolta popular, governo pode criar ordem mundial sinistra

O show de Donald Trump recomeça. Mais importante do que ver os truques é saber se o show e suas consequências terão o apoio ou a tolerância de partes relevantes do establishment americano; se não vão diminuir o prestígio popular de Trump.

Caso tenham apoio suficiente, se pergunta 1) Trump fará uma "Presidência transformadora"? 2) ou será versão circense e anárquica das correntes mais profundas, de mudanças paulatinas, que persistem tanto sob democratas quanto republicanos?

A presidência de Franklin Roosevelt, de 1933 a 1945, foi transformadora, no juízo dos americanos. Inventou a intervenção ampla do governo na economia, direitos sociais e a administração imperial (americana) da economia e da política mundiais. A de Ronald Reagan (1981-1988) também. No que Trump poderia ser transformador?

Por que nunca revi 'O Homem Elefante' - Marcos Lisboa

Folha de S. Paulo

David Lynch teve sucessos e fracassos memoráveis

Nunca revi "O Homem Elefante", de David Lynch.

Em parte, por covardia. O filme arrasou-me o sono na adolescência. O drama do homem com cabeça descomunal; seu cérebro disforme por imensos coágulos. A pessoa doce e sofrida, que fora transformada em atração de circo.

O tratamento em um hospital, com o cuidado de um médico personificado impecavelmente por Anthony Hopkins. O ator demoraria anos para ser reconhecido como estupendo artesão, comedido em "Vestígios do Dia" e "Terra das Sombras", ou atrozmente sedutor em "Silêncio dos Inocentes".

No filme "O Homem Elefante", contudo, dominava o drama do protagonista. Ele não podia se deitar e dormir em razão do risco de arrebentar seus coágulos. O repouso apenas podia chegar com a aceitação da morte.

Entrevista com o ministro Haddad - Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Trajetória insustentável da economia explica juros muitos maiores do que se imaginava

Na sexta-feira passada o ministro Fernando Haddad concedeu longa entrevista para a CNN.

O ministro foi bem. Teve muita paciência e respondeu a todas as questões em longos 70 minutos de entrevista.

Defendeu muito bem a agenda de reformas da Receita: a reforma dos impostos indiretos, cuja legislação complementar foi sancionada pelo presidente na quinta-feira (16) passada. Defendeu também as diversas medidas de combate ao planejamento tributário e a reforma do Imposto de Renda, que será enviada ainda no primeiro semestre ao Congresso.

A cidade acorrentada por facções - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Na prática, traficantes, milicianos e Estado compartilham os protocolos sobre quem deve morrer e viver

Décadas atrás, exposta numa galeria como escultura, havia uma corrente de metal fixada a um tronco por fibras. Essa ideia de uma corrente aprisionada nos retorna agora na notícia alarmante de uma penitenciária em vias de ser encarcerada por uma teia urbanística. Trata-se nada menos de um complexo com 25 unidades penais (hospitais, institutos e penitenciárias), localizado na zona oeste do Rio. O singular aprisionamento consiste no cerco da penitenciária por uma rede de moradias destinada a controlar, por proximidade e recursos eletrônicos, o cotidiano dos detentos.

Pecados da colonização - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro explica nova apresentação do antissemitismo como o resultado de uma leitura moralista do processo de formação de Estados

Como sempre ocorre quando o João Pereira Coutinho elogia um livro, corri para adquiri-lo e lê-lo. Não foi diferente com "On Settler Colonialism" (sobre o colonialismo de assentamento), de Adam Kirsch. O livro é bom.

Confesso que não conhecia essa moda ideológica universitária. Se seus proponentes se limitassem a reconhecer que várias nações foram forjadas a partir de um processo de colonização que resultou na subjugação ou eliminação de populações que já viviam naquelas áreas, eu seria o primeiro a subscrevê-la. Não dá para negar a história.

Poesia | Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Alceu Valença - Tropicana