sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil precisa correr para evitar fiasco na COP30

O Globo

Dificuldades vão da infraestrutura deficiente de Belém à saída dos Estados Unidos dos acordos climáticos

Já não faltavam desafios para o embaixador André Corrêa do Lago, escolhido para presidir a Conferência do Clima (COP30), prevista para novembro em Belém. As dificuldades aumentaram nesta semana com a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. De imediato, Trump anunciou a retirada americana do Acordo de Paris, como já fizera em seu primeiro mandato, e medidas de estímulo aos combustíveis fósseis — ações potencialmente nocivas ao planeta.

Além de serem os maiores emissores de gases de efeito estufa, os Estados Unidos desempenham papel essencial nos esforços tecnológicos necessários para mitigar os estragos das mudanças climáticas. Ainda que oficialmente o governo Trump não participe da COP30, Corrêa do Lago precisará atrair empresas e estados americanos sensíveis à causa. Do contrário, qualquer acordo ou meta que sejam estipulados correm o risco de cair no vazio.

Ele era um nome óbvio para comandar a COP30, mas a escolha do governo Lula demorou demais. Agora, precisará correr. Primeiro, para preparar a cidade-sede, onde há carências graves de infraestrutura para receber um evento dessa magnitude, especialmente no que diz respeito à hospedagem. Segundo, desafio ainda mais complexo, para lidar com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e com as políticas antiambientais de Trump, que representam um baque para os rumos da conferência.

Confusos e à deriva - José de Souza Martins

Valor Econômico

Quem hoje se define como conservador no Brasil tende a ser um reacionário, alguém que não compreende as mudanças sociais, culturais e políticas e que as teme

Para situar a confusão ideológica que caracteriza a visão que da sociedade atual e de si mesmos têm os que se comportam como identificados com o olavo-bolsonarismo e com a extrema direita que nele se expressa, é necessário fazer uma arqueologia das palavras por meio das quais seus atores se definem.

A confusão é grande. O seu palavreado ideológico é pseudoconceitual, porque expressa uma consciência social tosca, fragmentária e de colagens que reúne palavras da linguagem de mera sobrevivência dos que dela carecem.

Mesmo quando aparentemente remetem a orientações doutrinárias conhecidas, são delas descoladas porque nossa realidade social de agitadores ideológicos direitistas, de uma classe média difusa e confusa, não tem consistência política. Só o risco do caos. O conceitualismo da atual direita brasileira é indício de uma esquizofrenia ideológica manipulada, de uma sociedade doente.

Lula tem um canhão na boca e deve usá-lo mais - Andrea Jubé

Valor Econômico

Tradição recomenda que presidente se arme até os dentes para a batalha em Minas

“O senhor já viu guerra? A mesmo sem pensar, a gente esbarra e espera o que vão responder... A coisa que o que era xô e bala. Que qual, agora não se podia mais ter outros lados. Era só gritar ódio, caso quisesse, e o ar se estragou, trançado de assovios de ferro metal”.

A fala é do jagunço Riobaldo em uma passagem de “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, ao lembrar das balas ricocheteando o ar na batalha entre os bandos inimigos, os zé-bebelos e os hermógenes. Mas poderia ser do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se armou para a guerra contra os adversários, ao decretar na reunião ministerial que “2026 já começou”. Faltou dizer: agora é “xô e bala”.

É uma clara mudança de cenário porque, até então, as críticas de aliados a uma certa passividade de Lula na condução do governo eram uma constante. Na visão de um quadro histórico do PT, o presidente e os ministros precisam ir a público, nas ruas e nas redes sociais, para fazer a “disputa política” com a oposição.

A percepção dessa fonte é que o governo está apanhando calado da direita. “Lula tem um canhão na boca, mas não usa”, reclamou. Ele defende que o líder petista fale mais em público, dê mais entrevistas, e mais do que responder às provocações, desafie a oposição porque suas declarações alcançam cada canto do país.

Um pouco de Maquiavel não faria mal ao governo – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Lula tem motivos para se julgar um predestinado, mas seu governo vive um momento delicado, diante de grandes incertezas provocada pela volta de Trump ao poder

Não é raro o político que tenha lido O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, o clássico dos clássicos da política, ao menos uma vez. Publicado em 1532, ou seja, há quase cinco séculos, a obra permanece atual e é considerada seminal para a política moderna. Maquiavel separou a moral tradicional relacionada aos indivíduos da lógica que rege os governos, a razão do Estado.

Maquiavel escreveu O Príncipe em 1513, mas a obra só foi publicada quase 20 anos depois. Foi um texto disruptivo àquela época, pois separava a Igreja do Estado, ao discorrer sobre os principados e repúblicas da Itália daquela época, fragmentada pelo colapso do Império Romano e seus invasores. Seu grande objetivo era inspirar alguém que a unificasse. Um dos trechos mais interessantes do livro, que tem 26 capítulos, discorre sobre a Fortuna na política.

Em conversas privadas e discursos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aborda esse aspecto por um ângulo messiânico, no qual se coloca como um homem predestinado, que sobreviveu a todas as adversidades desde quando, ainda criança, deixou o sertão de Pernambuco como retirante. O destino nunca lhe faltou, mesmo nos momentos mais difíceis. Recentemente, a interlocutores próximos, tem revelado em detalhes como sentiu a morte de perto no atual mandato — e até mesmo chegou a desejá-la.

Oposição já vive no pós-Bolsonaro - Vera Magalhães

O Globo

Empolgação com a nova era Trump e iminência de julgamento do ex-presidente brasileiro aceleram procura por herdeiro do espólio bolsonarista e reduzem poder de influência do capitão

As eleições municipais já foram um ensaio geral de como a direita e mesmo a extrema direita entenderam que, cedo ou tarde, terão de construir um caminho sem Jair Bolsonaro, enrolado até o pescoço com a Justiça. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e sua volta ao poder com ares de quem pode tudo, colocando suas promessas mais radicais num acelerador de partículas, parece ter aguçado por aqui a pressa em definir o futuro.

O patético choro do capitão no aeroporto ao não poder embarcar e ficar de fora da posse de Trump é uma imagem emblemática desse momento, e seu afã em continuar aparentando que está no jogo, com o factoide de que poderia assumir a Casa Civil num eventual governo da mulher, Michelle, é a prova de que ele mesmo percebeu que o chão começa a lhe faltar debaixo dos pés.

Ninguém, da esquerda à direita, acha que o julgamento de Bolsonaro e de seus ex-colaboradores pela acusação de tentativa de golpe de Estado passa deste ano. Portanto, à já aprovada inelegibilidade, pode se somar uma condenação criminal — ainda que não vá preso, sofrerá um desgaste brutal.

Também não se encontra quem, fora da necessidade de publicamente ainda prestar alguma solidariedade ao ex-presidente, aposte em reversão de sua inabilitação para disputar eleições ou em anistia para qualquer um dos crimes a que responde.

Agora, o ataque à alta da comida - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Na sua primeira reunião ministerial deste ano, o presidente Lula avisou que seu principal inimigo a derrotar, de modo a garantir algum sucesso nas eleições de 2026, é a inflação dos alimentos.

Esta não deixa de ser uma novidade, porque, até agora, o governo dizia que tratava de garantir o crescimento econômico e a criação de empregos. Viu que mais PIB e contratações não vêm ajudando na imagem. O aumento dos preços da comida pesa na popularidade do governo.

Em 2024, os preços dos alimentos subiram 7,69% (veja o gráfico). Entre os maiores impactos estão a alcatra, 21,1%; café, 39,6%; óleo de soja, 29,2%; e o leite longa vida, 18,8%. Ou seja, na percepção do consumidor, que não come PIB, como advertia a economista Maria da Conceição Tavares, a vida ficou muito mais difícil.

O sonho americano está mais distante - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

Há uma percepção de que mais americanos não acreditam que o sonho americano seja possível

Uma casa branca, uma varanda, cercas de madeira pintadas de branco, um gramado verde, uma bandeira dos Estados Unidos hasteada no jardim. Este é, ou era, o imaginário do sonho americano. Ele representa a conquista material – a casa, o carro, o jardim –, mas também carrega a promessa de recompensa pelo trabalho árduo. Há uma percepção crescente de que mais e mais americanos não acreditam que o sonho americano seja possível.

Lutemos juntos por um mundo novo - Emmanuel Macron

Folha de S. Paulo

França, Europa e América Latina têm oportunidade histórica de se reunirem em torno de mesmo ideal; queremos um planeta mais justo e seguro

Em um momento em que as sociedades democráticas enfrentam tantos desafios, sejam eles ambientais, econômicos ou tecnológicos, a França, a Europa e a América Latina têm uma oportunidade histórica de se reunirem em torno de um mesmo ideal, de uma mesma concepção do universalismo e da dignidade humana, de uma mesma vontade de agir para o bem comum.

Nós travamos essa luta no passado. Dessa história nós não nos esquecemos. Ela nos inspira. Ela nos lembra que os Libertadores, movidos pelo sopro da Revolução Francesa e por um vento de liberdade, lutaram com bravura pela independência de todo um continente.

No ano passado, minhas duas viagens à América Latina me mostraram, a cada encontro, o quanto essa história continuava a ser escrita todos os dias. E 60 anos após a viagem histórica do general Charles De Gaulle, devemos continuar a defender essa visão combativa e humanista do nosso destino comum diante das grandes mudanças de nosso tempo.

Trump e a queda do dólar no Brasil - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Real se valoriza de modo impressionante; situação econômica do Brasil não mudou

O preço do dólar cai de modo impressionante nesta semana. Tentar entender as andanças no câmbio já é difícil para períodos, digamos, de um ano, que dirá de minúcias de três dias. Muita vez, nem mesmo o Banco Central sabe com precisão o que se passa.

Há estranhezas no ar, inclusive nessas explicações que, em cima do lance, gente falante de "o mercado" dá para cada movimento horário do dólar.

Muito interessante, quase divertido, é saber para onde foi a desconfiança na política fiscal, que em dezembro explicava boa parte da desvalorização do real. Claro que a economia e o mercado brasileiros são barquinhos no mar da finança mundial —vão na onda. Mesmo assim, parece esquisito que o dólar no Brasil tenha perdido quase toda a gordura que ganhou no Natal do pânico, em parte, em tese, por causa do pânico fiscal.

De notável, também, há essa conversa internacional de que Donald Trump pegaria leve no aumento do imposto de importação ("tarifas"), pois não decretou nada até agora e, quanto a ameaças, teria baixado o tom. Assim, diminuiria o risco de que se implementasse uma política que poderia elevar a inflação. É.

Pode ser que os povos dos mercados internacionais acreditem nisso, por ora, o que tem consequências práticas.

No entanto, o governo Trump 2 tinha apenas três dias e meio de duração enquanto se escreviam estas linhas. Trump prometeu tomar atitudes a partir de fevereiro, quanto a Canadá e México; para outros países, a partir de abril. Pode vir chumbo ainda. Não é tudo, porém.

Nos planos do trumpismo, há promessas de cortes de impostos sem previsão de receita extra ou cortes de despesas. A situação fiscal jamais foi tão ruim em 50 anos, fora nos anos da epidemia e naqueles que se seguiram ao desastre financeiro que explodiu em 2008, momentos em que o Fed dava uma mãozona no financiamento do governo.

Do gasto primário americano, 56% vai para Previdência e saúde; 24% para defesa e serviço social para veteranos (manter o império e cuidar de seus soldados custa caro). Um corte vai doer; pode ser difícil.

O problema fiscal já bate nas taxas de juros americanas. De resto, a economia dos EUA deu sinais de que está forte ou se fortalecendo desde o terço final de 2024, mesmo com a alta de juros do Fed.

Além de impostos de importação maiores, também imigração menor, estímulo fiscal extra e economia talvez crescendo além da conta poderiam fazer com que o Fed até não cortasse a taxa de juros neste ano. Resta saber quão fundo Trump irá nessas políticas inflacionárias.

No Brasil, não houve novidades de perspectivas econômicas, fiscais e monetárias. De notório, há menos dinheiro aplicado na hipótese de desvalorização extra do real, embora nem aí seja possível ter clareza do que se passa.

As taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro continuam nas alturas, o que encarece o custo de financiamento dos enormes déficits e dívida do governo. A taxa de um ano ainda está perto de 10% ao ano, em termos reais, nos níveis mais altos desde 2006, afora picos em 2009 e 2016.

Diz-se agora que a diferença de taxas de juros entre Brasil e EUA ajuda a derrubar o dólar. Não raro, ajuda. Mas não era o que se dizia na praça em dezembro e não houve mudança relevante na estimativa de juros aqui e nos EUA.

Precisam inventar uma explicação melhor.

Decreto de cidadania de Trump é tiro no pé - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Força dos EUA reside na capacidade de atrair e fixar imigrantes, para o que o "jus soli" é importante

É péssima a ideia de Donald Trump de tentar acabar com a concessão automática de cidadania norte-americana a filhos de imigrantes ilegais ou que não tenham um "green card". A força dos EUA está justamente em sua capacidade de atrair e fixar imigrantes.

Olhemos para a ciência. Dos 319 americanos que receberam prêmios Nobel em física, química ou medicina entre 1901 e 2023, 36% haviam nascido em outro país, isto é, eram imigrantes. O número vai a 40% se considerarmos as láureas científicas de 2000 até 2023.

Ameaça com cara de blefe - Ricardo Della Coletta

Folha de S. Paulo

Saída do Mercosul traria mais prejuízos que benefícios à Argentina

A ameaça de Javier Milei de abandonar Mercosul caso o bloco não permita uma negociação de livre-comércio com os Estados Unidos de Donald Trump tem cara de blefe.

Primeiro, a premissa é estranha. As primeiras medidas que Trump tomou sobre o tema podem ser classificadas de vários nomes, menos de livre-comércio. O que levaria Trump a tratar produtos argentinos que queiram acessar os EUA com mais benevolência do que os de outros países, além da admiração ideológica?

O timing da fala de Milei tampouco ajuda a convencer. Quando Jair Bolsonaro e Paulo Guedes quiseram pular fora do Mercosul, em 2019, o bloco era acusado de imobilismo e de estar fechado para as cadeias globais. Não eram poucos os que concordavam.

O argumento perdeu força. O Mercosul fechou recentemente um amplo tratado com a União Europeia. Fez um acordo com Singapura e está negociando com o Efta (Associação Europeia de Livre Comércio) e os Emirados Árabes. Milei aceitaria abrir mão do pacto com a UE?

O Brasil no Oscar – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Ainda estamos aqui, o Brasil está no Oscar e ditadura nunca mais

Falado em português, com livro, história, personagens, atores e um grande diretor genuinamente brasileiros, Ainda Estou Aqui vem numa excelente hora para jogar uma lufada de alegria no ambiente nacional, divulgar nosso país de forma positiva mundo afora e servir de alerta evidente contra tentativas de golpe e discursos autoritários e do atraso.

Concorrer ao Oscar já seria o máximo, mas Walter Salles foi muito mais longe e Ainda Estou Aqui está na disputa não apenas de uma, mas de três estatuetas, inclusive a principal, a de melhor filme. Além disso, estamos na lista para melhor filme estrangeiro e... melhor atriz. Ufa! O coração bate forte!

Agora, o sorriso de Fernanda Torres - Giovana Freire*

O filme “Ainda Estou Aqui”, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva [1] e dirigido por Walter Salles [2] , representa um marco no cinema brasileiro e um poderoso testemunho sobre a ditadura militar.

Já tive o privilégio de escrever sobre o longa em texto publicado no antigo endereço do blog Voto Positivo (Que descanse em paz) [3], e mais uma vez gostaria de ressaltar o tanto que o filme nos acrescenta tanto em cultura quando em contexto histórico como população.

A interpretação de Fernanda Torres, premiada com o Golden Globes [4] confere à obra uma profundidade e emoção que a tornaram um fenômeno de público e crítica.

A narrativa, centrada na história de Eunice Paiva, nos convida a refletir sobre as marcas profundas deixadas pela repressão política na vida de milhares de famílias brasileiras. Ao trazer à tona um período obscuro de nossa história, o filme nos desafia a questionar: como podemos usar esse reconhecimento internacional para construir um futuro mais justo e democrático?

A indicação ao Oscar em três categorias [5], sem dúvida, são motivos de celebração. No entanto, é fundamental que não nos esqueçamos do contexto histórico que inspirou a obra. A ditadura militar foi um período marcado por graves violações dos direitos humanos, como torturas, desaparecimentos e mortes. A Comissão da Verdade [6], embora importante, não é suficiente para reparar os danos causados e garantir que crimes semelhantes não se repitam.

"Ainda estou aqui": um grito contra a ditadura no palco do Oscar - Roberto Fonseca

Correio Braziliense

A entrega do Oscar vai ocorrer em 2025 em uma das datas mais populares do nosso calendário: o domingo de carnaval. A transmissão do tradicional desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí vai dividir a audiência na televisão e nas redes sociais com a premiação da Academia de Artes Cênicas e Cinematográficas

O Brasil vive um clima de Copa do Mundo. E não é à toa: presenciamos, sim, um momento histórico. A indicação de Ainda estou aqui em três categorias do Oscar — melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz para Fernanda Torres — é mais um belo capítulo do cinema nacional, relegado a um segundo plano em muitos dos nossos governos.

A conquista de Ainda estou aqui — ou I'm still here, em inglês — é mais do que artística. É a oportunidade de mostrar ao mundo, na maior celebração da sétima arte em todo o globo, uma parte dolorosa da nossa história: os anos de chumbo entre 1964 e 1985. Um período que precisa ser sempre lembrado, contado e recontado aos nossos descendentes para que nunca mais volte a ocorrer.

Poesia | Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, de Luís de Camões

 

Música | Versão de Moraes Moreira para Vassourinhas