terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas de Trump exigem cautela do Brasil

O Globo

Política comercial americana é péssima para o mundo. Diplomacia brasileira deve tentar contornar efeitos negativos

A tarifa de 25% anunciada por Donald Trump sobre importações de aço e alumínio afetará as exportações brasileiras, mas seus efeitos ainda devem ser analisados de modo mais detido. No ano passado, o Brasil exportou US$ 4,1 bilhões em aço aos Estados Unidos. Com 15% do mercado local, ficou em segundo lugar entre os fornecedores externos. No alumínio, as exportações e a participação brasileira são bem menores, inferiores a US$ 800 milhões e a 1%. Embora medidas de retaliação sejam a resposta natural a esperar em casos do tipo, o governo brasileiro precisa primeiro avaliar as consequências antes de tomar decisões. Apesar de Trump dizer que não haverá exceção às tarifas, o passado pode servir de guia.

Sob o pretexto de defender a segurança nacional, no início de 2018, ainda no primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio importados. Duas semanas mais tarde, a Casa Branca informou que, para a União Europeia e para seis países, entre eles o Brasil, as tarifas seriam suspensas até o fim de negociações. Em maio, Trump impôs cotas às exportações brasileiras. Em agosto, nem mais isso estava em vigor. Se o importador americano comprovasse falta de matéria-prima no mercado interno, poderia comprar o produto brasileiro sem pagar 25% a mais em imposto.

Um governo navegado pelo mar - Carlos Melo

O Globo

Um balanço sincero conclui que o terceiro mandato de Lula não tem senso de urgência, não articula relações com a sociedade, com a nova economia

Num aparente paradoxo, o governo Lula apresenta bons números na economia sem reciprocidade nas curvas de popularidade e intenção de voto. A taxa de desemprego é a menor da história, 6,6% (IBGE); a equivalência do salário mínimo em cestas básicas (1,79) é a melhor desde 2020. Preocupante, a inflação de alimentos não supera a aceleração de preços no governo anterior.

O crescimento anual, acima de 3%, é incomparável com a média da última década (0,3%). O resultado fiscal, responsabilidade também dos grupos de pressão, não foi, ao final, a tragédia anunciada. Aos poucos, o dólar volta a patamar razoável. Pela indesmentível trama de um golpe de estado, inelegível, o líder da oposição pode estar entre a fuga e a prisão.

Nada disso atinge percepções e altera expectativas: a desaprovação a Lula (49%) ultrapassa a aprovação (47%). Mês a mês, complicam-se as chances de reeleição — feita, aliás, para reeleger. Sob olhares do centrão, do centro e do empresariado, pressionada, a direita já discute o nome de seu candidato, antes que outro aventureiro ocupe o espaço.

Guerra comercial e insensatez - Míriam Leitão

O Globo

Donald Trump taxa aço e o alumínio, mas o problema do seu comando vai além: é a marcha da insensatez

O aço sempre esteve no meio do tiroteio. A indústria americana é ineficiente, tem velhas queixas das importações, seus trabalhadores são parte do eleitorado de Donald Trump e estão convencidos de que medidas assim levarão a manufatura americana a ser grande de novo. Elevar a tarifa produz inflação porque o aço importado chegará

mais caro às empresas americanas. Como é um bem intermediário, o preço afetará da construção aos automóveis. Se houver mais espaço para os produtores locais, os subirão ainda mais. Para nós, o impacto é imediato porque quase metade do que exportamos de aço vai para os Estados Unidos. O problema, contudo, vai muito além do aço, é a marcha da insensatez.

O embaixador Marcos Azambuja define o presidente americano como sendo “a irracionalidade combinada com a vontade imperial”.

O sentimento em Israel – Pedro Doria

O Globo

A preocupação de todos é com os reféns. Acreditam que o governo nem de perto fez o suficiente pela libertação. Então a comunidade civil se juntou. Os israelenses se uniram uns aos outros

Israel foi tomado, no último ano e meio, por um sentimento. Trauma é uma palavra de que se poderia lançar mão, mas ela não dá conta de explicar. Esta coisa, esta emoção forte que vem de uma mudança brusca na maneira de enxergar o mundo, é nítida principalmente em quem é de esquerda. Nesses, o sentimento choca. Na linguagem do corpo, aflora como uma secura na fala e um olhar caído à meia pálpebra, parado. Fixo. Compreender que ele existe, entender sua natureza, é fundamental para ter uma visão realista do que ocorre no Oriente Médio. Porque nos leva a perceber que não há esperança tão cedo para a paz.

Estou no país desde 6 de fevereiro, numa viagem organizada pelo Instituto Brasil-Israel para conversar com gente de todo tipo. Ativistas, colegas jornalistas, diplomatas, políticos. Povo nas ruas. Judeus e árabes.

Como o fico fortalece a pauta de Múcio - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Pedido de comandantes ao presidente para que o ministro da Defesa permanecesse pode reforçar a pauta das reformas

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, receberá o almirante Alvin Holsey, primeiro negro a assumir o Comando Sul dos Estados Unidos, unidade militar que lida com a América do Sul.

É o primeiro contato entre autoridades da Defesa dos dois países. Holsey foi nomeado e empossado na função nos últimos dias de Joe Biden no poder. Tanto sua antecessora, Laura Richardson, quanto o ex-secretário de Defesa, Lloyd Austin, se manifestaram publicamente, em visitas ao continente, sobre a defesa da democracia contra “ameaças autoritárias” internas e externas.

Cuidado, expansão vem de escada, e recessão, de elevador - Pedro Cafardo

Valor Econômico

Nos últimos anos, os profetas do mercado financeiro erraram feio ao prever crescimento muito abaixo do ocorrido

Chamou a atenção da comunidade acadêmica um discurso do novo membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, o professor Alan Taylor, da Columbia University. A fala é dedicada basicamente à economia do Reino Unido, mas traz lições para os bancos centrais em geral.

Ao discursar na Leeds University Business School, em janeiro, Taylor não estava otimista sobre as perspectivas econômicas de seu país nem dos parceiros ocidentais e orientais. Ele acha que pode haver pouso suave ou forçado da atividade no segundo semestre. O “soft landing” ou o “hard landing”, no economês global, vai depender muito de decisões dos bancos centrais sobre juros. Por isso, ele votou pela redução da taxa no Reino Unido para 4,50% em dezembro, mas a maioria dos membros aprovou a manutenção em 4,75%. Na semana passada, o Banco da Inglaterra reduziu a taxa para os 4,50% defendidos por Taylor, mesmo prevendo que a inflação atingirá o pico de 3,7%, quase o dobro da meta de 2%.

A COP-30 e Trump - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Objetivo da COP é salvar o mundo e o de Donald Trump, destruí-lo

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reconhece a gravidade dos retrocessos de Donald Trump na área ambiental, mas tenta minimizar seus efeitos na COP-30, em Belém, planejada para ser o mais importante evento internacional do Brasil no terceiro mandato de Lula. Para ela, os EUA sempre entraram nas discussões para atrapalhar. Logo, não muda muita coisa.

Trump assumiu fazendo apologia da indústria automobilística, do petróleo e do uso dos combustíveis fósseis. Os passos seguintes foram retirar os EUA do Acordo de Paris, que limita emissões de CO2, e suspender a contribuição de US$ 4 bilhões para o Fundo Climático da ONU.

Lei da selva no comércio internacional - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Governo brasileiro deveria promover estudos para definir legislação que defenda os interesses do agro e da indústria

O mundo se transformando rapidamente, tanto na economia como na ordem política. O livre comércio está sendo substituído pelo nacionalismo, pelo protecionismo e por medidas que enfraquecem a globalização. O comércio exterior já está sofrendo fortes impactos.

Considerações de poder, com base na segurança nacional, passaram a influir na aplicação de restrições comerciais como arma política, como as sanções e restrições. Medidas americanas (tarifas, chips, nuvem) e chinesas (área de mineração). O início do governo Trump nos EUA é uma clara indicação de que poderá haver uma escalada nessas medidas restritivas levando a uma guerra comercial envolvendo os EUA, a China e a Europa, com fortes consequências para os países em desenvolvimento, como o Brasil.

‘Lunáticos radicais’ serviam à Casa Branca? - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

A atuação da Usaid está longe de ser consensual. Na verdade, é coberta de controvérsias

Confusão, desinformação ou ignorância alimentada pelo radicalismo? É o que se pode i maginar quando alguém com grande poder econômico e imensa influência no governo norte-americano acusa a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, a Usaid ( United States Agency for International Development), de “organização criminosa” envolvida “em trabalhos sujos da CIA” e manipulada pela “esquerda radical”.

Quando se trata do bilionário Elon Musk, pode ser tudo isso e talvez mais. Considerado o homem mais rico do mundo, Musk é dono da SpaceX, da Tesla e do X (antigo Twitter) e um dos cofundadores da OpenAI. Atualmente, chefia o Departamento de Eficiência Governamental (Doge), criado para dar conselhos ao presidente americano, Donald Trump, sobre onde cortar gastos públicos. Segundo Musk, além dos “trabalhos sujos”, a Usaid promovia a censura da internet e apoio a partidos políticos e imprensa esquerdista em todo o mundo, razão pela qual “é hora de ela morrer ”. Dias antes, Trump dissera que a Usaid era administrada por “lunáticos radicais”.

Negacionismos e perseguição pautam o Conselho de Medicina – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A sanitarista Lígia Bahia é perseguida porque criticou o apoio do CFM ao uso de cloroquina contra a covid-19 e a falta de incentivo à vacinação na pandemia

Disponível na plataforma de streaming Netflix, o filme Joy se baseia na história real da criação da técnica de fertilização in vitro (FIV). A história de Louise Joy Brown, o primeiro bebê concebido por meio da técnica, nascido em 1978, é uma vitória contra o negacionismo. Dirigido por Ben Taylor, o longa mostra uma figura menos conhecida na história: a enfermeira e embriologista Jean Purdy. Interpretada por Thomasin McKenzie, ela se une ao fisiologista Robert Edwards (James Norton) e ao ginecologista Patrick Steptoe (Bill Nighy) na missão de criar a solução para a infertilidade.

Antes do marco histórico de 25 de julho de 1978, casais que enfrentavam dificuldades para conceber naturalmente encontravam poucas soluções eficazes. A jornada iniciou-se em 1969, quando Edwards fertilizou com sucesso um óvulo fora do útero, no Hospital Dr Kershaw's Cottage, em Manchester. Ao lado de Steptoe, eles implantaram embriões em 282 mulheres, mas as gestações não foram bem-sucedidas. Por essa razão, sofreram muitas críticas e quase desistiram. Jean Purdy convenceu os dois cientistas a retomar as pesquisas.

Tempos e silêncio em Ainda estou aqui - Alberto Aggio*

Correio Braziliense

O início e o final do filme mostram reuniões familiares que evidenciam as marcas do tempo em que se sustenta a narrativa do filme

Ainda estou aqui é um grande filme. Muito já se escreveu e se falou sobre ele por diversos ângulos e razões. E se vai continuar falando e escrevendo sobre ele por algum tempo. Seu lugar na cultura brasileira vai além da filmografia, da arte. Trata-se de um filme político, de ensinamentos e aberto à reflexão política. Pela amplitude de espectadores, ele é também um fenômeno político. Cativa por expressar o desejo de compreender o que se passou no Brasil nas últimas décadas do século 20 e o que esse período nos legou.

O filme, dirigido por Walter Salles, diz muito sobre o Brasil desse período, mas também sobre o Brasil dos dias que correm, por meio dos acontecimentos que marcaram a vida da família do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura no início da década de 1970, especialmente pela resistência da mulher, Eunice Paiva, a principal protagonista do filme, representada de maneira extraordinária por Fernanda Torres.

O Congresso no Brasil e nos EUA - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

A polarização da discussão política não se transforma em paralisia legislativa

Não passou nem um mês de governo Trump e já perdemos as contas de suas ordens executivas. É quase como se o Congresso americano não existisse. Ele é, hoje, disfuncional, entregue à polarização. O Partido Republicano —salvo raras exceções— virou o partido do movimento Maga (Make America Great Again).

O Congresso lá funciona como um freio de mão. Quando está nas mãos da oposição, trava o andamento do governo, inclusive impedindo a aprovação do Orçamento e punindo toda a população. Quando está nas mãos do governo, lhe dá carta branca. Como as maiorias são sempre pequenas, também não permite que o governo aprove mudanças mais profundas, que exijam votações superiores a 50%. Pelo mesmo motivo, um impeachment é impossível. Quase não há negociação entre os partidos.

Que reforma vem aí? - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A mera troca de nomes no ministério não garante bom caminho a Lula em 2026

Em meio a distrações tais como a instituição do semipresidencialismo e ataques à Lei da Ficha Limpa, Brasília gira (em falso) no ritmo da prometida reforma ministerial.

Solução velha para circunstância nova está evidente, mas vamos lá: pode ser que o presidente Luiz Inácio da Silva (PT) tenha alguma ideia original para lidar com o atual ambiente de mar refratário a peixes.

A distribuição de cargos já não consegue ter o efeito de tempos atrás. Ainda que as 38 pastas fossem entregues a deputados e senadores e todos os partidos contemplados com cadeiras no primeiro escalão, isso não garantiria fidelidade no Parlamento nem consolidaria alianças para a próxima eleição. Falamos em fevereiro, ainda como hipótese, de uma reforma anunciada pelo ministro da Casa Civil a ser feita em janeiro, cujas conversas, segundo indicou Lula, só começarão em março na volta do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) das férias.

Golpe ou baderna? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Novo presidente da Câmara diz que não considera 8/1 uma tentativa de golpe e gera reação de governistas

Sempre que algum neófito assume cargo público relevante, acaba levando um susto com a força que a nova função empresta a suas palavras. Não foi diferente com o novo presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta.

Depois de uma campanha em que sabiamente evitou pronunciar-se sobre questões polêmicas, Motta resolveu dizer o que pensa. Mostrou-se simpático à anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, ao esvaziamento da Lei da Ficha Limpa, entre outras pautas que desagradam ao governo.

Ele nunca trabalhou tanto na vida - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

São tramoias no Congresso, apelos ao STF, entrevistas ventríloquo, lágrimas de crocodilo

"Uh, vai ser preso!", gritaram torcedores do Vasco para Bolsonaro quarta-feira (6) no estádio Mané Garrincha, em Brasília. É um assunto inflamável, que irá pautar os passos da política em 2025. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve apresentar sua conclusão sobre a trama golpista até o fim do mês, podendo coincidir com o Carnaval —já imaginou? Depois o caso passará para análise do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O capitão nunca trabalhou tanto na vida como agora, ao tentar evitar a sua prisão. São várias as frentes de luta. No Congresso nacional, há as tentativas de anistia aos participantes do 8/1 e de aprovação de um projeto que praticamente acaba com a Lei da Ficha Limpa, reduzindo de oito para dois anos a punição aos condenados. Quem fortalece essa cartada —como Hugo Motta, o presidente da Câmara— não pode reclamar de ser chamado de golpista.

Uma viagem através do mundo-espelho (Resenha) - Ricardo Marinho

Para Benjamin

Klein, Naomi. Doppelgänger: Uma viagem através do Mundo-Espelho. Tradução de Renato Marques. São Paulo: Carambaia, 2024. 480 págs.

Naomi Klein fez novamente um esforço de síntese da política da direita contemporânea que opera entre a radicalização e a institucionalização e o intercâmbio possível dessas dinâmicas. Alguns de seus livros anteriores Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido (2002), Cercas e janelas: na linha de frente do debate sobre globalização (2003), A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre (2008), Não basta dizer não (2017), Em chamas: uma (ardente) busca por um novo acordo ecológico (2021) e Como mudar tudo (2022), onde sistematizaram características incipientes de nosso tempo em um todo coerente, estão contidos no novo volume. Um exemplo claro é Sem logo, onde ela sintetizou com exemplos concretos a maneira como as marcas se alimentam de tudo o que é emocionante no mundo para dar vida aos seus produtos. O resultado como ela mostra são os ressentimentos das marcas fracassadas. Em A doutrina do choque, ela sintetizou como o sistema se aproveita de sociedades abaladas por crises para avançar em seus negócios. É verdade: ambas as ideias já existiam. A possibilidade de dar características a diferentes produtos refere-se aos diversos tipos de fetichismos. A ideia de crise como ferramenta de disciplina social e oportunidade para o sistema também assombrou a muitos. Mas o mérito de Klein é aproveitar sua posição metamórfica que combina ferramentas teóricas para se aprofundar com um jornalismo investigativo que a leva a mergulhar naquelas realidades paralelas nem sempre visitadas pelos acadêmicos.

Em seu novo livro, Doppelgänger, uma viagem através do mundo-espelho, ela mais uma vez consegue articular peças que pareciam soltas para formar uma figura mais clara neste presente colocado propositadamente na confusão. É o seu trabalho mais pessoal, no qual mais se expôs, possivelmente para ter mais empatia com os leitores que também estão preocupados e que têm batido a cabeça contra a realidade: como é possível que pessoas que se consideravam razoáveis agora acreditem em bizarrices como a de que o 5G vai nos matar com câncer ou eles vão colocar um microchip em nosso sangue?

Poesia | Às vezes em dias de luz perfeita e exata, de Fernando Pessoa

 

Música | Cristina Branco -Tudo isto é fado

 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Rio de Janeiro deveria ser capital honorária do Brasil

O Globo

Proposta do prefeito Eduardo Paes repararia perdas do passado e abriria novos rumos no futuro

Nas últimas décadas, a cidade do Rio de Janeiro sediou, com orgulho e competência, eventos de repercussão internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a final da Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada de 2016 e a cúpula do G20 no ano passado. A vocação da capital fluminense e ex-capital federal como anfitriã e referência do Brasil é inequívoca. O Rio é um centro cultural pujante de onde emana a imagem que o mundo tem dos brasileiros— e os próprios brasileiros também.

Por isso é oportuno o pedido que o prefeito Eduardo Paes (PSD) levará ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o Rio — segunda cidade mais populosa do país, com 6,7 milhões de habitantes — seja reconhecido oficialmente como capital honorária do Brasil e cidade federal. Paes sugere que a decisão seja tomada por decreto. Propõe que o ato seja assinado em julho, na cúpula do Brics, próximo evento de alta envergadura internacional sediado no Rio.

É preciso repensar a política em tempo de incerteza – Fernando Gabeira

O Globo

Está cada vez mais difícil acreditar em progresso inclusivo. A tendência é acentuar as diferenças

Estou lendo um livro que estimula a imaginação. Chama-se “O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo”. Sua autora é Anna Tsing, e é um trabalho sério de pesquisa coletiva. Algumas conclusões, portanto, não podem ser atribuídas ao livro, mas a meu exercício de imaginar.

Matsutake é o nome de um cogumelo aromático muito valorizado no Japão. Ele sobrevive em áreas devastadas pela indústria madeireira, como no Oregon, e reapareceu em Hiroshima depois da explosão atômica. Esse crescimento inesperado em áreas devastadas faz do matsutake uma inspiração para repensar a política de nossos tempos, marcados pela incerteza: mudanças climáticas, ascensão de Trump, precariedade do trabalho.

O Estado pedinte – Miguel de Almeida

O Globo

Estava em Alto do Moura, agreste pernambucano, quando começou a onda de taxação do Pix. Na loja de dona M., separei algumas lindas peças em cerâmica. Quis pagar, mas ela enrolou:

— Só aceito em dinheiro — me disse. — Nada de Pix. Dizem que vão cobrar imposto.

— Mas a senhora vai perder a venda?

— Fazer o quê? — retrucou.

Alto do Moura, em Caruaru, é a terra de Mestre Vitalino, artista do barro, autodidata genial. Seu talento inspirou gerações de artesãos, e hoje a cidade tem dezenas de oficinas de cerâmica. O charmoso lugarejo vive da arte — cerca de 95% da receita tem origem naqueles delicados estúdios, um ao lado do outro. Pequenos museus registram a trajetória dos artistas. Pelas ruas ecoam conversas em francês, inglês e até em árabe — ao contrário de Miami, preferida por muitos brasileiros, por ali chegam turistas de várias partes do mundo. As peças reproduzem personagens do cotidiano, como casais, cangaceiros apaixonados ou ainda cenas do trabalho camponês. É um mundo idílico, onírico, construído sob a aridez do sol — e único em sua beleza.

Pobres do mundo pagam a conta de Trump - Natalia Fingermann

O Globo

Corte na Usaid prejudica combate à desnutrição e programas de saúde em países subdesenvolvidos, sobretudo na África

Dentre as inúmeras ordens executivas assinadas pelo presidente Donald Trump no dia de sua posse, em 20 de janeiro, uma pôs em xeque a credibilidade dos Estados Unidos junto aos países do Sul Global. A paralisação, por 90 dias, dos programas de ajuda externa da Unites States Agency for International Development (Usaid) logo teve impactos significativos em programas de combate à desnutrição e de saúde em países subdesenvolvidos, especialmente na África Subsaariana.

Principal doador mundial, com recursos que representam aproximadamente 40% de toda a cooperação internacional, o governo americano desempenha papel chave na provisão de serviços públicos em mais de 200 países. Em 2024, os Estados Unidos desembolsaram US$ 7 bilhões na África, destinando recursos significativos a políticas de prevenção do HIV, combate à malária, auxílio agrícola e alimentar, além de iniciativas ligadas às mudanças climáticas.

O PT chega envelhecido aos 45 anos - César Felício

Valor Econômico

Partido tem dificuldades para renovar quadros e discurso

A média de idade dos deputados federais no Brasil em 2022, data da eleição, era 49 anos. É consideravelmente maior que a do atual presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), 35 anos hoje, 33 quando saiu das urnas. Mas é bem menor que a média de idade dos deputados do PT, um pouco menor que 56 anos. A bancada federal petista é aproximadamente uma geração mais velha do que o parlamentar paraibano.

O ano padrão de nascimento dos seus integrantes oscila entre 1966 e 1967, época em que estavam sendo constituídos a Arena e o MDB, partidos do regime militar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não fazia parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo . Em sua maioria, os deputados petistas eram adolescentes em 10 de fevereiro de 1980, quando, em uma reunião no Colégio Sion, em São Paulo, foi fundado o PT, há exatos 45 anos.

O recado de Musk e Milei para Barroso e os togados - Bruno Carazza

Valor Econômico

Desconexão de autoridades judiciais com realidade abre flanco para ações autoritárias

“Tribunal de Rondônia garante salários acima de R$ 400 mil a juízes”. “Em Minas, 32 magistrados receberam salários de mais de R$ 300 mil em 2024”. “Todos os juízes do Tribunal de Justiça de Sergipe receberam salários acima do teto”. “Tribunais usam ‘dezembrada’ para pagar benefícios e penduricalhos milionários a juízes”. “Ministério Público de São Paulo autoriza penduricalho de até R$ 1 milhão a promotores”.

Apesar de todas essas evidências factuais, coletadas em manchetes de jornais publicadas apenas no último mês, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez minimizou os absurdos remuneratórios no Poder que dirige. No discurso de abertura do ano judiciário, Barroso declarou que “é preciso não supervalorizar críticas que muitas vezes são injustas ou frutos da incompreensão do trabalho dos juízes”.

Quando o BC vai atingir a meta de inflação? - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Copom tem assumido o compromisso de que fará o que for necessário para cumprir a meta de inflação, mas carece de credibilidade perante o mercado

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deu um choque de juros em dezembro, que levará a taxa Selic a um patamar “bastante restritivo”. Mas, ainda assim, participantes do mercado financeiro não estão seguros sobre quando a meta de inflação deve ser cumprida.

As contas do Banco Central não fecham. O Copom vai subir os juros dos atuais 13,25% ao ano para 14,25% na próxima reunião, em março. Os analistas econômicos consultados na pesquisa Focus antecipam que a autoridade monetária vai seguir em frente nos encontros seguintes, levando a Selic a 15% ao ano. Mesmo considerando todo esse aperto monetário, os modelos de projeção do BC estimam a inflação em 4% no período de 12 meses até setembro de 2026.

Motta defende o indefensável - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Ele se prepara para fazer o errado com orgulho, seguindo o modelo de Trump e de Bolsonaro

Stephen M. Walt, um dos cientistas políticos mais influentes da atualidade, publicou em 2010 um curto e provocativo artigo intitulado Defendendo o indefensável: um guia prático. No texto, ele observa que autoridades e simpatizantes tornam-se “apologistas” quando se veem obrigados a justificar decisões oficiais que são claramente erradas ou contraprodutivas.

Walt expõe a evolução de um discurso apologético em 21 passos, que começam com a negação pura e simples (“não fizemos isso!”), passa pela confirmação do ato seguida de uma minimização das consequências (“os resultados podem ser imperfeitos, mas a intenção era nobre”) e termina com a defesa escancarada do indefensável (“um dia o mundo vai nos agradecer”) e com ameaças (“se ficarem criticando, vamos ficar bravos e fazer algo realmente maluco”).

Táticas de Trump desorientam a oposição e a mídia - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Estratégia conhecida como flooding the zone busca dificultar a construção de uma resposta eficaz

O maior desafio para analistas políticos, jornalistas e governos ao redor do mundo desde que Donald Trump voltou ao poder tem sido diferenciar notícias relevantes de manobras diárias de distração. Trump certa vez pediu a seus principais assessores que pensassem em cada dia de sua presidência como um episódio de um programa de televisão no qual ele derrota seus rivais. Isso implica acumular vitórias – mesmo que meramente simbólicas – e produzir, de forma metódica, notícias bombásticas que lhe permitam pautar a agenda política. Essa estratégia, conhecida como flooding the zone (inundando a área), busca desorientar e atordoar a oposição e a mídia, dificultando a construção de uma resposta eficaz.

Trump - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Apesar de seu estilo desagradar a muitos, presidente americano é um fino estrategista. Sabe utilizar as armas que tem: a força militar e o poderio econômico

É Donald Trump “louco”? Bravateiro? A seguir boa parte da cobertura midiática e jornalística, o mundo estaria à beira da falência. Outros o qualificam como “colonialista”, “imperialista”. Todavia, tais apelações apenas expõem a perplexidade da esquerda e de autointitulados “especialistas”, que procuram tão só aferrar-se a suas ideologias. A questão consiste, porém, em que quando não se entende um fenômeno, a única alternativa reside na repetição de velhas fórmulas e ações infrutíferas. Se há loucura em Trump, é a que se faz com método.

Trabalho indecente - Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Número de pessoas em condições análogas à escravidão mostra que Brasil segue ancorado em raízes escravocratas

A quantidade de gente que se encontra em condições análogas à escravidão ou submetida a trabalho forçado no Brasil é (além de um escândalo) evidência de que a lógica do escravismo nunca deixou de ferir direitos humanos em território nacional.

Exploração extrema, trabalho forçado, maus tratos, acomodações insalubres, restrição de locomoção, retenção ou ausência de remuneração são algumas das práticas que afrontam a legalidade e a civilidade das pessoas submetidas ao trabalho escravo contemporâneo. A relação entre essa prática abjeta e os quase quatro séculos de escravização é flagrante. A verdade é que o Brasil segue ancorado em raízes escravocratas.

Os Poderes da República estão perdidos no espaço - Lygia Maria

Folha de S. Paulo

Discurso sobre inflação, gastos do Judiciário e farra das emendas mostram que Lula, STF e Congresso estão desconectados da realidade dos brasileiros

Como disse Jack Swigert, astronauta da Apollo 13: "Houston, we have a problem". No Brasil, os Poderes estão fora de órbita, completamente desconectados da realidade social do país.

Em meio à alta da inflação, Luiz Inácio Lula da Silva disse que o povo precisa aprender a trocar alimentos caros por mais baratos para que os preços baixem.

Até um extraterrestre perceberia o disparate dessa fala. Acostumados historicamente com situações de carestia, os brasileiros já estão substituindo produtos.

Bolsonaro e a Lei da Ficha Limpa - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Qual o significado de longo prazo de mudanças institucionais virtuosas e viciosas?

Há uma dinâmica curiosa em relação à corrupção e abuso de poder. Quando um grupo político é hegemônico e está no poder, e sua hegemonia é avassaladora, não há registro de denúncias por duas razões. Esse grupo tipicamente controlará meios de comunicação e instituições de controle, aqui incluídas as congressuais; a oposição legislativa terá assim baixa capacidade de incidir sobre a corrupção. As denúncias, portanto, terão pouca visibilidade. Ações individuais e coletivas da sociedade civil terão a mesma sorte: há poucos incentivos para as denúncias. Afinal, por que agir se as chances dessas ações prosperarem são baixas? Quando não há grupo hegemônico, mas dois competitivos, os incentivos são outros. Quanto mais competitivo o sistema, mais incentivos para a criação de um escândalo que afete o incumbente.

Castrando nossos futuros Elon Musk - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

O uso do celular em sala de aula remete a  situações divertidas,  Intrigantes e até transgressoras  mesmo .   Ficaram  registradas   no histórico  da vida docente. Eram   turmas de 40 a 50 estudantes . Uma aluna  transmitia minhas aulas para fora da sala, não sei para onde, nem para quem, descobri tarde. Um aluno negociava drogas no campus de dentro da sala de aula, sem eu perceber. Duas estudantes  teciam comentários jocosos  pelo celular,  acredito que sobre a aula.  Uma outra fotografava tudo que escrevia no quadro.   Em termos de socialidade, entretanto,  era um belo grupo. Não sei se uma rede.

Poesia | Os 07 poemas mais Lindos da Literatura Brasileira

 

Música | Casuarina - Arco Íris

 

domingo, 9 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Enfraquecer Lei da Ficha Limpa é ofensa ao eleitor

O Globo

Projeto oportunista que quer reduzir prazo de inelegibilidade representa retrocesso institucional

É um acinte o Projeto de Lei Complementar (PLP) que propõe mudar a Lei da Ficha Limpa, para reduzir de oito anos a apenas dois o prazo de inelegibilidade de políticos condenados em segunda instância. A proposta do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aguardando parecer do relator, deputado Filipe Barros (PL-PR). Nunes alega que o prazo de oito anos é “absurdo”. Ora, absurdo é abrir as portas do Executivo e do Legislativo a criminosos condenados.

Apesar de pernicioso para a sociedade e para a democracia, o projeto tem ganhado fôlego. Já soma mais de 70 assinaturas, reunindo deputados da oposição bolsonarista e da base governista. Nos últimos dias, foi endossado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Oito anos representam quatro eleições no modelo democrático que temos, e quatro eleições são basicamente uma eternidade”, disse Motta. Trata-se de uma declaração sem sentido. O Brasil tem pautas muito mais relevantes e urgentes.

Ainda em choque – Dorrit Harazim

O Globo

A ideia de Donald Trump é atordoar até obter submissão, nem que seja por cansaço

Estão equivocados os analistas que, à falta de ferramenta mais adequada para explicar o método de poder performático usado por Donald Trump, recorrem à conhecida “teoria do louco”. Ela foi adotada por Richard Nixon em meados do século passado, quando os Estados Unidos já não conseguiam mais extricar-se do atoleiro militar no Vietnã. Nixon fora eleito presidente em 1968 e queria fazer chegar aos ouvidos dos comunistas de Hanoi e apoiadores no Kremlin que sua paciência tinha limites. Segundo o livro de memórias de H.R. Haldeman, então chefe da Casa Civil, Nixon usou agentes e diplomatas para disseminar a ideia de ser irascível, homem de rompantes irracionais. Segundo o relato do próprio Haldeman, ele lhe disse:

— Quero que os norte-vietnamitas pensem que farei qualquer coisa para acabar com a guerra, que tenho obsessão por comunistas, que ninguém pode me conter e que tenho uma mão no botão nuclear.

Como se soube depois, os norte-vietnamitas realmente consideravam Nixon o líder capitalista mais perigoso do mundo, mas nem por isso aceitaram uma paz qualquer. Combateram até a vitória final.

Pondo os números da comida na mesa - Míriam Leitão

O Globo

Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado

No preço dos alimentos, o pior passou. Quem diz é o economista José Roberto Mendonça de Barros. Isso não significa vida fácil. Alguns preços continuarão pressionados, mas a inflação de alimentos deste ano será mais baixa do que no ano passado. A supersafra de soja deve derrubar deve derrubar as cotações internacionais, reduzir o preços da ração, que, por sua vez, diminui o custo de aves e suínos. Carne bovina continua no ciclo altista do boi. O café continuará amargo.

O custo do alimento é o mais sensível, bate no orçamento familiar, aumenta o mau humor da população com os governos, mas as intervenções estatais no passado deram muito errado. Há medidas que o governo pode tomar, mas é bem menos óbvio do que parece aos políticos. O assunto virou parte da guerra dos bonés, mas, nesse ponto, a oposição não tem razão alguma: os preços de alimentos explodiram no governo Bolsonaro. Quando a demagogia entra no assunto, o melhor remédio é olhar os números.

O semipresidencialismo é uma jabuticaba política – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O semipresidencialismo da emenda Hauly é um eufemismo, um parlamentarismo de inspiração francesa, no qual o presidente da República ainda tem muito poder

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que propõe o semipresidencialismo e o voto distrital misto no Brasil a partir das eleições de 2030, apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly-PR) e outros parlamentares de Centro à Câmara dos Deputados, é vista por muitos caciques do Congresso como a melhor alternativa para evitar novos impeachments. Resgata uma antiga proposição (PEC 20/29) do ex-deputado Eduardo Jorge, que hoje lidera movimento em rede denominado Livres da Polarização, ao lado do ex-deputado Roberto Freire, do cientista político Augusto de Franco e do vereador Gilberto Natalini (PV).

No semipresidencialismo, o presidente eleito pelo voto popular direto divide o poder com um primeiro-ministro nomeado por ele, ouvindo os partidos com maiores representações na Câmara. O Brasil teve dois regimes semelhantes, o "parlamentarismo às avessas" do Segundo Reinado, cujo poder moderador era exercido pelo imperador Pedro II, uma grande jabuticaba institucional, e a "República Parlamentarista" do começo dos anos 1960, no governo João Goulart.

Em 1847, o Imperador deixou de nomear todos os ministros, passando a nomear apenas o presidente do Conselho, que, por sua vez, escolhia os demais integrantes do ministério, de acordo com o parlamento. Evitava o desgaste político, sem que este tivesse diminuída sua autoridade, em um sistema inspirado no parlamentarismo britânico. O  modelo durou 42 anos, ou seja, até a proclamação da República.

A segunda experiência foi a breve "República Parlamentarista", uma fase do governo João Goulart, de 8 de setembro de 1961 a 24 de janeiro de 1963, o que corresponde a 1 ano, 4 meses e 17 dias (504 dias). Em meio a uma crise militar, a adoção do parlamentarismo foi a contrapartida para a posse de João Goulart (PTB), o vice-presidente eleito pelo voto direto, que viria a substituir Jânio Quadros (UDN), que renunciara.

Foi um período conturbado, com três primeiros-ministros: Tancredo Neves (307 dias) e Francisco Brochado da Rocha (68 dias), do PSD;  e Hermes Lima (128 dias), do PTB. Um referendo restabeleceu o presidencialismo pelo voto popular em 1963. Em 31 de março do ano seguinte, Jango seria deposto pelos militares, o que resultou em 21 anos de ditadura.

Durante a Constituinte de 1987, havia uma maioria favorável ao parlamentarismo, mas o regime não foi adotado. Futuros candidatos a presidente da República, Ulysses Guimarães e Mario Covas inviabilizaram a proposta. O presidente José Sarney até estava disposto a apoiar o parlamentarismo, desde que o seu mandato presidencial, que era de seis anos, não fosse encurtado de cinco para quatro anos, mas não houve acordo.

Entretanto, um plebiscito sobre a adoção do parlamentarismo e a volta à monarquia foi convocado pelos próprios constituintes. Cerca de 36,6 milhões de eleitores (55,41%) votaram pelo presidencialismo, contra 16,4 milhões de parlamentaristas (24,79%). A República foi a opção de 43,8 milhões de eleitores (66,28%), contra 6,8 milhões de monarquistas (10,29%). Participaram do plebiscito 90,2 milhões de eleitores.

À francesa

O semipresidencialismo da emenda Hauly é um eufemismo de inspiração francesa, no qual o presidente da República compartilha o governo com o parlamento, porém mantém muito poder. É uma jabuticaba sugerida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ao ex-presidente Michel Temer, que empoderou o Congresso durante seu governo e pretendia levá-la adiante. A emenda Hauly divide o poder do presidente eleito pelo voto direto com um primeiro-ministro nomeado por ele, ouvido os partidos com maiores representações na Câmara. De acordo com a proposta, o primeiro-ministro será um dos integrantes do Congresso Nacional maiores de 35 anos.

O presidente da República atua como chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, com o dever de garantir a unidade e a independência da República, a defesa nacional e o livre exercício das instituições democráticas. Já o primeiro-ministro, juntamente com o conselho de ministros de Estado, chefia o governo.

O primeiro-ministro elabora e apresenta ao presidente da República o programa de governo e, uma vez aprovado, comunica seu teor à Câmara dos Deputados. Deve comparecer mensalmente ao Congresso, para explicar a execução do programa de governo ou expor assuntos de relevância para o país. Sustenta-se no apoio da Câmara dos Deputados. Quando esse apoio faltar, todos os ministros devem renunciar. Ou a Câmara pode votar a destituição do governo, por meio do voto de censura.

A emenda Hauly muda também o sistema eleitoral no Brasil, instituindo o voto distrital misto para a Câmara dos Deputados. Pelo sistema sugerido, o eleitor terá dois votos desvinculados: um para o candidato de seu distrito eleitoral e outro para o partido de sua preferência. Segundo o deputado Hauly, o "presidencialismo arcaico praticado no Brasil" já não tem sustentabilidade. "Esse quadro institucional precisa ser revisto para que o Brasil não enfrente as prolongadas e incertas crises políticas que antecederam as quedas de Collor e Dilma e acabam afetando também o quadro econômico brasileiro", justifica.