domingo, 29 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Globo

Produtividade é maior fraqueza da economia brasileira

Mercado de trabalho aquecido não deve trazer ilusão. Sem aumentar a eficiência, é inevitável o retrocesso

À primeira vista, o mercado de trabalho parece estar em situação próxima do ideal. O desemprego caiu a 6,1%, menor taxa da série histórica iniciada em 2012. O rendimento médio mensal cresceu na comparação com o ano passado, tendência idêntica à observada nos empregos com carteira assinada. A informalidade e a proporção dos que desistiram de procurar trabalho registram quedas. Na superfície, o quadro é positivo. Um olhar mais atento, porém, mostra que todos esses avanços correm o risco de retrocesso.

O problema é a baixa produtividade por hora trabalhada, que cresceu mero 0,1% no terceiro trimestre, na comparação com mesmo período de 2023, segundo dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Com o impulso da agropecuária, o ano passado registrara crescimento de 2,3%. Mas o setor perdeu força neste ano, e a produtividade passou a depender mais do setor de serviços, notório no Brasil pela baixa eficiência. “Observando o crescimento desde o último trimestre de 2019 até o terceiro trimestre deste ano, a produtividade está 2% acima do nível pré-pandemia. Mas o crescimento está perdendo vigor”, diz a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). Sem aumentar a produtividade do trabalho, a economia como um todo não tem como recuperar eficiência. Isso pode pôr a perder todas as conquistas registradas nos últimos anos.

Vale a pena ver de novo? - Merval Pereira

O Globo

Se o Congresso pudesse ou quisesse explicar a questão das emendas - quem aprovou, para onde foi o dinheiro, etc - já teria feito, diante das exigências do STF

Quando todos, especialmente os parlamentares, esperavam que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino iria acatar as respostas nada esclarecedoras da Câmara a respeito da liberação das emendas, eis que ele se manteve firme na exigência de informações precisas. Não havia por que a manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira, e os líderes, depois da reunião com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, pudesse obrigar o governo a pagar as emendas que foram suspensas pelo ministro Dino. A não ser que ele estivesse realmente de conluio com o presidente, como parecem acreditar os parlamentares.

O problema não é com o governo, que está disposto a pagar para não se atritar com o Congresso. Aliás, já fez mais do que deveria, isto é, afirmar, através da Advocacia Geral da União (AGU) que está tudo normal na tramitação, quando todos sabem que ela transgrediu as normas mais elementares de transparência e pessoalidade, como aliás frisou o ministro Dino na resposta. Os líderes que estavam na reunião são os que aprovaram a liberação das emendas, mudando grande parte do que havia sido decidido nas comissões, desviando dinheiro para seus apoiadores.

A revolta das emendas - Bernardo Mello Franco

O Globo

O ministro Flávio Dino operou seu primeiro milagre: fez a cúpula do Congresso aparecer em Brasília entre o Natal e o réveillon. Na última semana do ano, parlamentares tiraram os paletós do armário e correram para Brasília. Foram discutir formas de pressionar o Supremo a revogar o bloqueio das emendas.

Dino suspendeu pagamentos de R$ 4,2 bilhões, que escorreriam dos cofres públicos no apagar das luzes de 2024. Na decisão, citou um quadro de “degradação institucional” e “inconstitucionalidades em série”.

Irritado, o deputado Arthur Lira convocou os líderes para uma reunião de emergência. Do encontro, partiram recados de que haverá retaliação se o dinheiro não for liberado.

As ameaças se repetem desde novembro de 2021, quando a ministra Rosa Weber determinou o primeiro bloqueio do orçamento secreto. Ela foi substituída por Dino, que herdou o processo e a disposição de impor limites à farra das emendas.

Boas surpresas e crises de 2024 – Míriam Leitão

O Globo

Marcado por bons indicadores econômicos, 2024 termina com ar de crise. O ano foi de embates políticos e fortes recados do clima

No começo do ano, falando para um grupo de pessoas que tinha me pedido uma avaliação do que aconteceria em 2024, eu disse: preparem-se para as surpresas positivas na conjuntura econômica. Elas foram ainda mais positivas do que eu pensava. O país cresceu mais e de maneira menos concentrada do que no ano anterior, houve aumento do consumo, da renda, do emprego e do investimento. A agricultura, que havia puxado 2023, recuou, mas os serviços e a indústria subiram gerando o crescimento não esperado por ninguém e que chegou a 3,5%. O desemprego caiu para 6,1%, o menor da série histórica.

Mesmo assim, o ano termina com o travo amargo da inflação fora da meta, um ambiente de crise no mercado financeiro, estresse político, o câmbio disparado, o Banco Central fazendo a maior operação de venda de dólares da história. As boas notícias se confirmaram e foram até melhores do que o previsto, mas inflação de 4,7% pelo IPCA-15, estourando o teto da meta, é um problema que ficou para ser resolvido em 2025.

No espaço – Dorrit Harazim

O Globo

Astronautas talvez nunca tenham pensado na condição humana como hoje, por estarem encalhados numa estação orbital

Em “Orbital”, obra que deu à escritora inglesa Samantha Harvey o prestigioso Booker Prize em 2024, seis astronautas ancorados na Estação Espacial Internacional orbitam a Terra e contemplam a vida cá embaixo. A missão do grupo (quatro mulheres e dois homens) é essencialmente científica — testar os limites do corpo humano, coletar dados meteorológicos, realizar experimentos. Contudo, durante esse orbitar que lhes permite observar, no espaço de um único dia, a dança dos continentes, o ciclo das quatro estações, a potência das geleiras, desertos, montanhas e oceanos, também a vida terrena os alcança, com suas pequenas grandes tragédias. Recebem a notícia da morte da mãe de um deles, acompanham a formação de um tufão que vai devastar uma ilha e pessoas queridas, sentem a concretude da fragilidade humana.

Coragem é dizer ‘não’ - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O ‘todo mundo faz’ corrompe Congresso, polícias, Judiciário, Forças Armadas e até igrejas

A cultura do “todo mundo faz” na vida cotidiana, na corporativa, na institucional, é um dos maiores males nacionais. Se todo mundo ao meu redor faz errado, por que só eu tenho de fazer direito, cumprir as regras, seguir à risca a lei, não tirar vantagens indevidas, não fraudar um benefício daqui, outro dali? Enfim, não usar o ambiente para se autoconceder um salvoconduto para “se dar bem”, com o velho “jeitinho carioca”, naturalizado e nacionalizado.

A missão da polícia, por exemplo, é nobre e fundamental, mas, se um superior segue a linha do “bandido bom é bandido morto”, ele contamina a tropa e o, ou a, policial que veste a farda para combater a violência vira agente dela. Daí a pancadaria e tiros letais em pessoas desarmadas e rendidas, cidadãos jogados de pontes ou mortos com gás em porta-malas. O, ou a, jovem policial segue o exemplo de cima e vai servir de exemplo para quem vem depois.

Um 2024 aos tropeços... - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

“Al volver la vista atrás/ se vela senda que nunca/ se ha de volvera pisar ”, cantava o poeta Antonio Machado.

Voltar avista atrás para a economia de 2024 deixa um sentimento ambíguo. Que molha apenas para os resultados imediatos, tem um balanço positivo. Mas quem repara nos rastros deixados pelas pisadas nota certo desarranjo.

É a atividade econômica crescendo a ritmo invejável, de 3,5%; éo desemprego de 6,1%, menor nível da história; a inflação que não deverá passar dos 5,0%; e as contas externas – pesadelo dos anos 70 e 80 – continuam exuberantes.

O que houve de pior aqui no Brasil foram as enchentes nunca vistas no Rio Grande do Sul, que produziram prejuízos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento avaliou em R$ 88 bilhões. Mas o desastre expôs um lado positivo: a enorme resiliência e a capacidade de recuperação do povo gaúcho, graças, em boa parte, às transferências de recursos de outros brasileiros e do governo federal.

Por um pacto nacional pelo equilíbrio fiscal - Ricardo Alban *

Correio Braziliense

O crescimento econômico de 2025 já ficou comprometido com a política monetária contracionista e o movimento exagerado do câmbio. Ainda assim, podemos ter um certo crescimento da indústria e do agronegócio

Até meados de 2024, a economia superou as expectativas, com forte crescimento do PIB, apesar da contração do agro. Havia motivos para comemorar: inflação sob controle; a nova política industrial dando resultados e a indústria puxando o crescimento e a criação de empregos; aumento da arrecadação; anúncios de investimentos; aprovação da reforma tributária.

Em agosto, uma chave virou e o Brasil caminha para o fim do ano com um cenário preocupante de incerteza econômica em 2025. Preocupam o setor produtivo, o caminho rumo à racionalidade dos gastos públicos, a trajetória de alta da taxa de juros e a escalada do dólar. São gatilhos para agravar o desequilíbrio fiscal e comprometer o desempenho dos setores que mais contribuem para o crescimento. As consequências serão sentidas pela parcela da sociedade que mais precisa de desenvolvimento social.

Haddad e a esquerda louca e ignara - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ministro fica amarrado entre a direita que não quer imposto e a esquerda que quer gasto

"Eu sei que esse discurso desagrada à esquerda e à direita... porque um lado não quer contenção de gastos e outro não quer pagar imposto. Aí, fica difícil, né. A direita não quer pagar os impostos que deve. A esquerda não quer conter gastos. Como é que fecha as contas?".

Com aspecto de exausto e em tom desconsolado, foi o que disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na entrevista coletiva que concedeu no dia 20 de dezembro.

O que o comando do PT e esquerda em geral pensam dessas frases de Haddad? O ministro teria sido abduzido pela direita, pela "Faria Lima"? Foi convertido à adoração do "deus mercado" (como escreve nas redes tanta gente de poucas letras e números)? Teria passado por lavagem cerebral em reuniões com donos do dinheiro grosso?

Livros de política de destaque em 2024 - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

'Extremos' é a obra do ano, ao conciliar tema urgente com estratégia expositiva genial

Foi mais um ano forte em obras sobre autoritarismos, democracia e desigualdades.

Duas reedições merecem menção: em "Lélia Gonzalez: Um Retrato", Sueli Carneiro apresenta ao grande público uma introdução à trajetória de uma grande intelectual e ativista brasileira. Por sua vez, o historiador português Rui Tavares procurou, em "Esquerda e Direita: Um Guia Histórico para o Século 21", reconstruir os pontos cardeais do debate público com notável sensibilidade histórica.

Entre os lançamentos, "Cachorros", de Marcelo Godoy, se destaca por narrar com riqueza de detalhes a operação de assassinato da direção do Partido Comunista Brasileiro pela ditadura militar brasileira. A matança foi possível graças a uma infiltração nos mais altos níveis do partido, aqui revelada pela primeira vez. O PCB não aderiu à luta armada.

Idade também faz parte dos cálculos de Lula – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Desde que voltou ao poder, petista deu poucas demonstrações de que tema seria tabu

Nas primeiras semanas de governo, Lula confidenciou a um amigo que teria que passar por uma cirurgia no quadril. O presidente sentia as dores de uma artrose desde a campanha eleitoral e vinha passando por sessões de infiltração às escondidas. Decidira, no entanto, adiar a operação e o processo de recuperação por uma questão de imagem.

Aos 77 anos, Lula confessou naquela conversa que não gostaria de deflagrar questionamentos sobre sua idade. Ele reconheceu aquelas razões oito meses depois, quando resolveu fazer a cirurgia. "Eu queria operar logo depois das eleições, mas eu falei: ‘Bom, se operar agora, vão dizer que o Lula está velho, ganhou as eleições e já está internado’."

Sobre a depressão dos brucutus - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Por que então estariam sorrindo os sírios que se querem filhos de um Deus menos surtado?

Aplicada à vida política, a cosmética mental permite esdrúxulas aproximações entre realidades tão diferentes como a síria e a brasileira. É que as aparências, a terapia de águas mornas tem efeitos de pensar feridas e molificar tensões. Mesmo ante o risco de cair a maquiagem de moderação da liderança jihadista, os sírios acorrem às ruas de Damasco para festejar o fim da ditadura de 54 anos da família de Bashar al-Assad um país destruído por 13 anos de guerra civil. Estranho que pareça, a alegria se sobrepõe à incerteza quanto ao cenário futuro.

Cointeligência - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro sobre IA diz que devemos tratá-la como a um humano, o que significa sempre considerar a possibilidade de que esteja mentindo

"Co-Intelligence", de Ethan Mollick, não é um livro pretensioso. Ele se propõe a fazer uma apresentação de nível bem introdutório da inteligência artificial (IA) e a dar dicas práticas de como utilizar ferramentas como o ChatGPT e seus concorrentes.

Devo confessar que minha reação inicial à leitura não foi das mais favoráveis. O pouco espaço dedicado a questões teóricas me incomodou. O nome de Claude Shannon é mencionado uma única vez e bem "en passant". Idem para Von Neumann.

Rola a bola - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Na toada da globalização, o futebol tornou-se mercadoria cobiçada

Albert Camus, autor do clássico A Peste, tomava sua refeição em um restaurante do Quartier Latin, quando foi informado de sua escolha para o Prêmio Nobel de Literatura de 1957.  M.M. Owen conta que uma semana mais tarde, Camus foi entrevistado pela televisão francesa. O escritor e seu entrevistador, contudo, não estavam sentados em um estúdio confortável. Estavam no estádio Parc des Princes, em meio a uma multidão de 35 mil torcedores, assistindo a uma partida entre o Racing Club de Paris e o ­Mônaco. As imagens, preservadas no YouTube, mostram o goleiro do Racing reagindo muito lentamente a um chute cruzado desviado, deixando a bola entrar no gol rente à trave mais próxima. A câmera corta para a arquibancada, onde Camus é questionado sobre o erro do goleiro. Ele pede leniência para o jogador.

Leniência não é um benefício que os torcedores do Jogo Bonito concedem habitualmente aos atletas. Escritor uruguaio que cuidou das Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeano era um apaixonado pela bola correndo nos gramados.

Em seu livro O Futebol Entre o Sol e a Sombra, Galeano narra o crepúsculo dos deuses dos estádios.  “A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar, e, nesse diálogo entre os dois, milhões de mudos conversam. Os zés-ninguém, os condenados a ser para sempre ninguém, podem sentir-se alguém por um momento, por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham zês na grama, esses golaços de calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga, o time tem doze jogadores.

Poesia | Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo - Sabiá