Queda no desemprego traz sensação ilusória
O Globo
Apesar do número auspicioso de 2024, cenário
futuro não será bom para o Brasil nem para o governo
A taxa média de desemprego no Brasil em 2024
foi de meros 6,6%, a menor da série histórica iniciada pelo IBGE em 2012. A
medida do bom momento do mercado de trabalho no ano passado fica evidente
quando se constata que o menor índice até então eram os 7% registrados em 2014,
antes de a economia mergulhar em dois anos de recessão profunda. Entre os
avanços de 2024 estão o aumento no número de empregados com carteira assinada e
a alta no rendimento médio entre trabalhadores formais e informais.
A pesquisa Quaest divulgada no início desta
semana captou o efeito do mercado de trabalho aquecido na opinião pública. Em
agosto de 2023, a economia era o tema que mais preocupava 31% dos brasileiros.
De lá para cá, houve queda de 10 pontos percentuais, e a economia deixou de ser
apontada como o principal problema do país.
Mas tal quadro é ilusório e dificilmente será duradouro. Infelizmente, as análises mais confiáveis apontam para reversão dessa tendência. Olhando para a frente, é difícil acreditar que os números auspiciosos de 2024 serão mantidos neste ano. Se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiver um mínimo de responsabilidade, eles arrefecerão. Por ter crescido nos últimos dois anos acima do potencial, a economia brasileira está superaquecida. Um dos sintomas é a alta nos preços.
A inflação ficou acima do teto da meta
(4,50%) do Banco Central (BC) no ano passado, e a previsão é que repita o
desempenho neste ano. Mais grave é que, a cada nova consulta, economistas e
analistas preveem um índice maior para 2025. Para enfrentar o descontrole
inflacionário, o BC se vê obrigado a promover sucessivas altas na taxa básica
de juros. Em dezembro, a Selic foi de 11,25% ao ano para 12,25%. Nesta semana,
subiu mais 1 ponto. O BC informou que deverá haver aumento equivalente em
março. Como intervenções da política monetária demoram a ter efeito nos
mercados, a desaceleração da economia se tornará mais evidente a partir do
segundo semestre, e o mercado de trabalho tenderá a se contrair.
Uma das dúvidas de 2025 é como Lula se
comportará diante do cenário menos auspicioso. Como reagirá quando ficar claro
que o desemprego aumentará faltando pouco mais de um ano para as eleições de
2026? A valer o dito e feito desde a posse, o governo dobrará a aposta no gasto
público para manter a economia em alta rotação. O BC não terá opção a não ser
continuar subindo os juros. E o crescimento assustador da dívida pública se
tornará mais grave. Primeiro, pela relutância do governo em equilibrar as contas
públicas (sempre que o gasto é superior às receitas, o endividamento cresce).
Segundo, pelo efeito dos juros mais altos sobre o estoque da dívida.
O problema ainda pode aumentar se o Executivo
pressionar os diretores do BC a reduzir os juros e puser em xeque sua
independência. A estratégia da política fiscal irresponsável e da intromissão
na política monetária já foi adotada pelo PT no passado, com tristes
consequências para os brasileiros. Os pobres foram os mais afetados pela
recessão provocada por Dilma Rousseff entre 2015 e 2016, logo depois de momento
de euforia no mercado de trabalho. O pior é que o PT já demonstrou não ter
aprendido nada com os erros do passado.
Combate ao comércio ilegal de arte sacra
exige mais das autoridades
O Globo
Iphan faz bem em atualizar cadastro de peças
furtadas, mas só isso não será suficiente para deter criminosos
Há inúmeros relatos de furto de objetos de
arte sacra. Para facilitar a recuperação das peças, o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan)
está atualizando o banco de Bens Culturais Procurados (BCP) com informações,
imagens e descrições dos objetos furtados. Há 20 anos não havia atualização do
cadastro. O Iphan precisará agora mantê-lo sempre em dia.
Há no BCP 1.800 peças cadastradas. Supõe-se
que sejam apenas uma pequena parcela do que se extraviou. Desviadas
principalmente no Rio, em Minas, Bahia e Pernambuco, as obras precisam ser
inventariadas por institutos públicos, colecionadores, museus e igrejas. Não se
trata de tarefa fácil. Ainda são procurados objetos tombados, vendidos em
inúmeros leilões on-line que, apesar da obrigação legal, não foram informados
ao Iphan. Há ao redor de 3 mil vendas por ano no Rio, e apenas entre 5% e 10%
da arte sacra tombada está inventariada, pela estimativa do museólogo Rafael
Azevedo, da superintendência do Iphan no Rio. Por isso o instituto e a
arquidiocese do Rio têm procurado fazer novos inventários.
Em outubro de 2023, o colecionador Claudio
Castro encontrou em cinco peças de prata, anunciadas em leilão no Rio, um
brasão com as iniciais AM (auspice Maria, sob a proteção de Maria) e uma coroa
real, símbolo do acervo da Igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, onde
Castro havia sido nomeado provedor. Um par de tocheiros e três peças de prata
com orações inscritas eram parte do acervo de 300 itens tombados que haviam
desaparecido da igreja, construída em 1750 no centro histórico do Rio. Depois
que o Iphan e a Polícia Federal foram chamados, o conjunto voltou para a
igreja. No mesmo leilão, Castro encontrou um par de tocheiros da Catedral de
Belém e três peças da Ordem Terceira do Carmo, do Rio. Estas estavam nos
registros do BCP. “O mercado de arte precisa tomar mais cuidado”, diz ele.
O desvio das peças sacras deve ter ocorrido
entre anos 1970 e 1990, pois ainda há fotos, feitas no período, em que os
objetos aparecem. Foi a partir de um restauro feito em 1996 que centenas de
peças desapareceram, por falta de controle dos responsáveis pela igreja. Não
basta, portanto, apenas modernizar o banco de dados de peças extraviadas.
O mercado de arte sacra foi abastecido nos
anos 1960 graças à interpretação equivocada de uma determinação do Vaticano
para evitar a repetição de imagens de santos nas missas, distribuindo as obras
entre casas paroquiais e sacristias. Isso levou vários padres a vender peças.
Portanto nem toda obra tem origem ilegal. Há também peças com tombamento apenas
estadual. Nesses casos, a fiscalização é driblada com a venda noutros estados.
Além da atenção redobrada no comércio de arte sacra, é preciso haver contato mais
próximo com as autoridades policiais para proteger um acervo valioso do
patrimônio histórico e cultural brasileiro.
Farra dos supersalários precisa acabar
Folha de S. Paulo
Contabilidade criativa gera remunerações
acima do teto, elevado neste sábado; Congresso deve fazer valer a Constituição
Enquanto a população brasileira se queixa do
preço dos alimentos nos mercados, os ocupantes dos principais cargos da
República não têm do que reclamar: a partir deste sábado (1º), passarão
a receber vencimentos de R$ 46.366,19 por mês, o equivalente a mais de 30
vezes o salário
mínimo nacional.
Beneficiam-se desse aumento de 5,4% na
remuneração o presidente, o vice-presidente, ministros de Estado, deputados
federais, senadores, o procurador-geral da República e os ministros do Supremo
Tribunal Federal, cujo contracheque estabelece o teto constitucional do
funcionalismo.
Ou seja, a valer o artigo 37 da Constituição,
ninguém dentro da máquina pública deveria ganhar subsídio mensal superior ao
dos membros do STF.
Na prática, porém, não são poucas as carreiras que transformam a determinação
em reles letra morta.
Manobras de toda sorte abrem brechas pelas
quais as mãos privilegiadas alcançam, sorrateira e reiteradamente, o bolso do
contribuinte —pois é do cidadão comum o dinheiro que, no fim das contas, irriga
os supersalários.
O truque é antigo. Valendo-se de portarias,
resoluções, atos normativos e outras canetadas burocráticas, as corporações
enquadram como verbas indenizatórias os mais diversos recursos pagos a seus
integrantes, o que eleva sobremaneira a remuneração média que recebem por mês.
Conhecidos como penduricalhos, esses valores
adicionais são tratados como extraordinários e, assim, ficam de fora dos
cálculos não só do limite constitucional mas também, em boa parte dos casos,
do Imposto
de Renda.
Com alguma frequência, a contabilidade
criativa enfrenta questionamentos nos tribunais, mas o obstáculo costuma ser de
somenos: não faltam magistrados dispostos a conferir legalidade a regalias que
o próprio Poder Judiciário sabe aproveitar.
Exemplos não faltam. Em dezembro, 26 dos 27
ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) receberam
mais de R$ 240 mil líquidos; a média, já com descontos, chegou a R$ 357 mil
por magistrado.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), 22 ministros
aposentados ganharam mais de R$ 150 mil em algum mês do ano.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP),
a desfaçatez é ainda maior. Com o caixa fortalecido por juros de depósitos
judiciais, uma prática em si absurda, os desembargadores se mimaram com
pagamentos mensais médios de R$ 75 mil ao longo de 2024, quando o teto
constitucional estadual era de R$ 37,6 mil.
Muda o tamanho do abuso, mas não o
mecanismo: ao
salário fixo se somam valores retroativos e benefícios diversos, como
abonos e auxílios.
Passa da hora de o Congresso dar um basta
nessa farra com o dinheiro público e reafirmar, com ainda mais clareza, o que
já estatui a Constituição. Nem só pela economia que gerará, mas porque a
moralidade administrativa em uma República exige que se elimine esse tipo de
privilégio.
O melhor do emprego
Folha de S. Paulo
Trabalho fecha 2024 com dados favoráveis, mas
há sinal de desaceleração; pior será se governo Lula adotar ação populista
O mercado
de trabalho teve um bom desempenho no ano passado, mas nos últimos
meses há sinais incipientes de desaceleração. Não é uma surpresa, diante da
escalada do dólar e
dos juros,
com consequente arrocho nas condições de financiamento para famílias e
empresas, dinâmica que ocorre por culpa da gestão econômica do governo.
É o que se vê no Caged, pesquisa do
Ministério do Trabalho que coleta os dados de criação de emprego formal: em
dezembro, houve perda líquida de 535 mil vagas, mais do que o esperado.
No caso da Pnad, pesquisa domiciliar
conduzida pelo IBGE que
abrange postos formais e informais, a ocupação no ano subiu 2,8% e atingiu o
recorde de 103,3 milhões de pessoas empregadas.
No trimestre encerrado em dezembro, porém,
nota-se certa redução de ímpeto. Embora o desemprego tenha
ficado em 6,2% na média do período, na medida ajustada pelos fatores
sazonais houve alta para 6,6%, um retorno ao patamar de agosto.
A renda continuou a crescer, 4,3% na
comparação com o mesmo mês de 2023, já descontada a inflação. É um
bom ritmo, mas o aumento recente dos preços, sobretudo nos itens de maior
necessidade, como alimentos, é um obstáculo para a continuidade do bom
desempenho do consumo.
A coletânea de dados sugere que começa a se
esgotar o impulso dos últimos anos. Em 2024, boa parte da surpresa positiva na
atividade econômica —o Produto Interno Bruto deve ter encerrado o ano com alta
próxima a 3,5%— se deve à expansão exacerbada dos gastos públicos.
O dispêndio federal cresceu 12% acima da
infração entre 2022 e 2024, em razão de despesas com precatórios federais e do
aumento de transferências sociais, seja pelo número maior de beneficiários ou
pela correção do salário mínimo acima da inflação
Daí resulta a carestia mais acelerada. O
IPCA terminou o ano em 4,83%. Mais grave é a dinâmica dos segmentos
mais estruturais, como serviços, que rodaram em alguns cortes acima de 8%
anuais no último trimestre.
A resposta do Banco Central é a
elevação dos juros para 13,25% ao ano. As projeções apontam para cerca de
15%, mas alguma acomodação na atividade pode pôr fim ao aperto antes.
De todo modo, parece contratado um crescimento econômico menor para este ano, na casa dos 2%. Cumpre ao governo petista não se desesperar com medidas populistas e artificialismos voltados a sustentar a popularidade. Prudência na gestão do Orçamento é o mais fundamental para evitar estragos maiores.
A sinceridade de Lula
O Estado de S. Paulo
O petista avisa que não haverá novas medidas
para conter gastos, acabando com a fantasia criada pela equipe econômica e
deixando o BC mais uma vez sozinho para controlar a inflação
O presidente Lula da Silva anunciou em
português cristalino que, no que depender dele, “não tem outra medida fiscal”.
Como tudo no governo depende dele, estão oficialmente encerradas as fantasias
da equipe econômica, criadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que
haveria medidas adicionais para conter gastos porque, em suas palavras, o
pacote fiscal apresentado “não é suficiente”.
A sinceridade do presidente não só
constrangeu Haddad (de novo), como deixou na chuva o novo presidente do Banco
Central (BC), Gabriel Galípolo – que terá de levar em conta a evidente falta de
disposição de seu padrinho para equilibrar as contas e facilitar o controle da
inflação. Como já vinha acontecendo na gestão de Roberto Campos Neto, o BC
seguirá sozinho na briga com a inflação, já que o governo decididamente não
quer colaborar.
Mas Lula se esforçou para aparentar otimismo.
Demonstrando uma confiança que raramente exibe diante de jornalistas, o
presidente Lula comemorou o registro de um déficit fiscal de 0,09% do Produto
Interno Bruto (PIB) no ano passado. “Isso é déficit zero. Não é 2,5% como
recebemos do governo anterior”, disse.
Há ao menos dois problemas nessa declaração.
A primeira é que o cálculo mencionado pelo presidente desconsidera despesas com
o combate a enchentes no Rio Grande do Sul e a incêndios na Amazônia e no
Pantanal. Se esses dispêndios forem incluídos, o rombo sobe de R$ 11 bilhões
para R$ 43 bilhões, ou 0,36% do PIB, acima, portanto, do limite inferior da
meta, que permitia um déficit de até 0,25% do PIB.
A segunda é que seria injusto culpar o
ex-presidente Jair Bolsonaro pelo déficit que Lula da Silva diz ter herdado.
Bolsonaro, por óbvio, nunca foi um exemplo na área fiscal, mas o fato é que sua
administração deixou um superávit de R$ 54 bilhões nas contas públicas em 2022.
É bem verdade que o resultado teria sido
negativo não fosse o calote nos precatórios. Mas até nisso – na busca de
manobras para ampliar gastos sem contabilizá-los na meta alardeando um alegado
compromisso fiscal – os dois políticos são mais parecidos do que gostariam de
admitir.
Quem elevou o déficit para R$ 228,5 bilhões
em 2023 foi o governo Lula da Silva, por meio da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) da Transição e do pagamento das dívidas da União já
reconhecidas pela Justiça represadas por seu antecessor.
Dito isso, a redução do rombo de 2023 para o
de 2024 é falaciosa. Não seria factível diminuir o déficit em cerca de R$ 200
bilhões em apenas um ano e sem qualquer medida mais dura. O que houve foi uma
ginástica financeira para jogar receitas e despesas de um ano para outro para
piorar o resultado de 2023 e assim melhorar o de 2024.
Se fosse mera retórica política, vá lá. Mas o
problema é que o presidente parece realmente acreditar que fez muito na área
fiscal e que não será preciso fazer mais nada nessa seara. Os petistas costumam
torturar os números para fazê-los exprimir o que lhes convém. Em outras
palavras, o que importa, para o petista, é parecer que o arcabouço fiscal está
sendo cumprido.
Não importa que vários gastos tenham sido
contabilizados fora da meta, como o Pé-de-Meia, que as receitas que engordaram
o caixa do Tesouro tenham sido extraordinárias ou que a trajetória da dívida
pública esteja longe da estabilidade que a âncora fiscal deveria proporcionar.
Tampouco importa que as despesas com
Previdência tenham sido quase R$ 30 bilhões maiores do que o governo estimava
no ano passado, nem que os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC)
tenham sido subestimados em R$ 7,6 bilhões. Não importa que os dispêndios com
as duas rubricas tenham tido aumento real de 3,8% e de 14,9%, bem acima do
limite do arcabouço fiscal.
Lula acha que só seu palavrório é suficiente
para comprovar seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Será sob essas
condições, e de olho no horizonte eleitoral de 2026, que o petista diz que quer
entregar “o menor déficit possível”, o que literalmente significa qualquer
coisa. O País que lide com as consequências dessa decisão.
Justiça Eleitoral não é fiscal de discurso
O Estado de S. Paulo
Cassação de Carla Zambelli pelo TRE-SP é mais
um caso que se insere no rol de abusos da Justiça Eleitoral, que não tem entre
suas competências servir de bússola moral das lides políticas
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
(TRE-SP) cassou o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e a condenou à
inelegibilidade por oito anos. Em sessão realizada no dia 30 passado, o TRE-SP
concluiu, por 5 votos a 2, que a parlamentar cometeu “abuso de poder político”
e “uso indevido dos meios de comunicação” ao disseminar suspeitas sobre as
urnas eletrônicas, um discurso superado até entre alguns bolsonaristas. Nem por
isso a decisão, da qual cabe recurso, deixa de ser abusiva. A Corte Eleitoral
extrapolou seus limites de atuação e, como se isso não bastasse, afrontou a
vontade dos milhares de paulistas que, em 2022, votaram em Zambelli como sua
representante na Câmara dos Deputados.
A competência da Justiça Eleitoral é muito
bem definida. Basicamente, cabe a esse ramo do Poder Judiciário garantir a
lisura das eleições, assegurando que os cidadãos possam exercer em paz e
segurança seu direito-dever de votar e, ademais, que todos os candidatos possam
competir em igualdade de condições. Entretanto, de uns anos para cá, alguns
juízes eleitorais, inclusive com assento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
têm se arvorado em fiscais de discurso político, ora interpretando de forma
expansiva a legislação eleitoral, ora inventando crimes que não estão previstos
em lei, como “desinformação”.
Uma Justiça que deveria se orientar pela
objetividade e pelo princípio da intervenção mínima – in dubio pro
sufragio – tem agido de forma cada vez mais subjetiva, como se lhe
coubesse tutelar os eleitores, como se estes formassem uma massa de incapazes
de decidir por si mesmos conforme suas afinidades político-ideológicas e a
partir das informações de que dispõem para definir seus votos. A cassação de
Zambelli é mais um caso que se insere nesse lamentável rol de abusos da Justiça
Eleitoral.
Que fique claro: para este jornal, a sra.
Carla Zambelli é uma deputada desqualificada para o exercício da representação
parlamentar à luz de suas palavras e ações frontalmente contrárias aos
princípios liberais democráticos que o Estadão defende. Contudo, seu
comportamento por vezes leviano, ofensivo e violento não é um problema deste
jornal nem tampouco da Justiça Eleitoral; é um problema dos 946.244 eleitores
paulistas que sufragaram o número da parlamentar nas urnas na eleição geral
passada.
O mandato popular tem de ser rigorosamente
respeitado em uma democracia que se pretende séria, tanto pelo mandatário como
por aqueles que detêm o poder de cassar sua representação política. A vontade
dos eleitores manifestada nas urnas é sagrada, passível de ser subvertida
somente quando houver provas irrefutáveis de abusos e crimes cometidos por seus
representantes. Não parece ser o caso envolvendo a parlamentar paulista.
O desembargador José Antonio Encinas Manfré,
relator da ação contra Zambelli, afirmou em seu voto que “não é demasiado se
reconhecer que as condutas da representada alcançaram repercussão e gravidade
aptas a influenciar a vontade livre e consciente do eleitor e em prejuízo da
isonomia da disputa eleitoral”. Ora, “aptas a influenciar” não significa que
influenciaram. Logo, deveriam constar dos autos as provas desse suposto nexo
causal entre os vídeos publicados por Zambelli, nos quais ela dissemina suspeitas
sobre a segurança das urnas eletrônicas em Itapeva (SP), e a repercussão dessas
postagens no resultado do pleito, o que não restou demonstrado. A juíza Maria
Cláudia Bedotti, primeira a divergir do relator, sustentou, com razão, que “é
essencial que se analise o número de programas veiculados, o período da
veiculação, o teor deles e outras circunstâncias relevantes que evidenciem a
gravidade da conduta”.
É evidente que, diante de casos comprovados
de abuso de poder político ou econômico, além de crimes eleitorais, a Justiça
Eleitoral não só pode, como deve intervir. Mas espanta a facilidade com que a
vontade dos eleitores tem sido subvertida por decisões judiciais parcamente
fundamentadas e que mal escondem um vezo moralista. Assim, não se pode condenar
quem veja a Justiça Eleitoral como um instrumento de perseguição política.
FGTS para toda obra
O Estado de S. Paulo
Há tempos o Fundo é usado para estimular
consumo; agora, vai garantir consignado privado
O governo Lula convocou os bancos privados
para discutir uma proposta de utilização do FGTS como eventual garantia extra
na concessão de crédito consignado, uma roupagem nova para a velha estratégia
petista de estimular o consumo via crédito “barato”.
Os bancos passariam a ter acesso direto aos
dados das folhas de pagamento dos cerca de 40 milhões de trabalhadores em
regime CLT. Em contrapartida, esses bancos se comprometeriam a respeitar um
“teto” de juros para este novo tipo de empréstimo, tal como no consignado INSS
– ideia que por óbvio rechaçam.
Como a Selic não para de subir para tentar
conter a inflação que teima em ficar acima da meta, o governo busca opções para
reduzir os juros ao trabalhador, aquele que perde cada vez mais poder de
compra.
Para tentar baratear o crédito, entrou em
ação o voluntarioso ministro do Trabalho, Luiz Marinho, com mais uma engenhosa
proposta de utilização do FGTS.
Inicialmente contrário ao chamado
saque-aniversário do fundo, criado durante o governo de Jair Bolsonaro, Marinho
defendia a extinção dessa modalidade que, segundo ele, desvia o fundo de sua
missão: garantir uma poupança ao trabalhador e financiar o setor de habitação.
Curiosamente, agora Marinho não vê desvio de
finalidade do FGTS no consignado para celetistas, projeto que teria a marca
dele, o que demonstra que seu real interesse nunca foi o de proteger a missão
expressa do fundo.
Não é exatamente uma novidade. Desde que o
governo de Michel Temer liberou o saque de contas inativas do FGTS para
reaquecer a economia, não param de surgir ideias de utilização desses recursos
para fins que nada têm a ver com a função para a qual eles foram concebidos.
Como a eliminação do saque-aniversário é
improvável – já se popularizou e é atraente para os bancos –, o governo evitou
tocar no assunto após a reunião com as instituições financeiras. Estas, por sua
vez, têm “antecipado” a parcela do FGTS que os trabalhadores podem resgatar
anualmente, quando fazem aniversário, obviamente cobrando juros.
Para os bancos, o saque-aniversário é um
negócio de baixo risco. Por essa razão, não veem necessidade de que tal
modalidade seja substituída pelo consignado FGTS. Ao contrário, entendem que
ambas podem conviver, pois atenderiam públicos distintos.
Já o segmento de construção, crítico de longa
data do saque-aniversário, não tem interesse em ver compartilhados mais
recursos do FGTS, uma fonte consolidada e mais barata de financiamento para
esse setor.
Os arroubos criativos em torno do FGTS, que
ampliam o escopo de utilização do fundo, acabam por diminuir os recursos
disponíveis para a poupança do trabalhador e para a construção de moradias.
A verdade é que o principal interessado nesse imbróglio segue sem voz. Forçado a investir em um fundo ao qual não tem acesso e que remunera muito mal, o trabalhador vê governos abusarem da criatividade sobre a utilização do FGTS. Estivessem verdadeiramente interessados nos proprietários do fundo, permitiriam que os trabalhadores realmente ao menos pudessem decidir o que fazer com ele.
Gargalos fiscais são desafio
para Lula
Correio Braziliense
Lula aposta no discurso
político para manter sua popularidade e credibilidade, mas a realidade
econômica pode testar os limites dessa abordagem
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva adotou a estratégia de se dirigir diretamente à população,
dispensando intermediários. Esse movimento reforça sua conexão com a sua base
eleitoral, mas também o expõe mais diretamente às cobranças sobre a condução da
economia. O desafio fiscal é um dos maiores obstáculos do governo. São
objetivas as dificuldades para cumprir as metas na área: crescimento econômico
modesto, arrecadação que pressiona o orçamento das empresas e dos consumidores
e maior demanda por gastos públicos.
Os juros elevados,
consequência do aumento da dívida pública, restringem o espaço para manobras
financeiras, tornando mais difícil equilibrar as contas sem comprometer
investimentos e programas sociais. Lula aposta no discurso político para manter
sua popularidade e credibilidade, mas a realidade econômica pode testar os
limites dessa abordagem. Sua capacidade de enfrentar esses desafios sem perder
apoio popular já está sendo testada. O copo não está vazio, mas já não está
pela metade.
As maiores dificuldades de
Lula não estão nas novas ameaças que rondam o país após a posse do presidente
dos Estados Unidos, Donald Trump, nem nas iniciativas da oposição liderada pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro, que sonha com um impeachment do petista. São os
gargalos fiscais que dificultam o equilíbrio das contas públicas. O governo
bate recordes de arrecadação, porém, cresce o descontentamento social com a
carga tributária, que bateu no teto e repercute nas pesquisas de opinião.
Criar taxas e impostos
deixou de ser solução, virou um problema político. Até agora, o governo tem
apostado em medidas para elevar a receita, como a reoneração da folha de
pagamento e a taxação de fundos exclusivos e offshores, mas o impacto pode ser
insuficiente para cobrir as despesas. Além disso, a revisão de benefícios
tributários enfrenta forte resistência no Congresso e no setor produtivo.
Outro gargalo fiscal do
governo são as despesas obrigatórias, como previdência, salários do
funcionalismo e repasses a estados e municípios, que reduzem a margem para
cortes de despesas. O cumprimento do arcabouço fiscal, assim, depende do
crescimento robusto da arrecadação. Ao mesmo tempo, o governo enfrenta demandas
por mais investimentos em infraestrutura, saúde e educação. O aumento do
salário mínimo e dos programas sociais, como o Bolsa Família, eleva as despesas
ainda mais. Além disso, segurança pública e defesa pressionam por mais
recursos.
A dívida pública virou uma bola de neve, porque cresce com os juros elevados, o que encarece o serviço da dívida e consome parte significativa do orçamento. Mesmo que o Banco Central reduza a taxa Selic, os efeitos sobre o custo da dívida somente serão sentidos a médio e longo prazos. Para aumentar as dificuldades, propostas de aumento de arrecadação e contenção de gastos enfrentam dificuldades no Congresso, que tem uma base governista instável. Lula precisa se convencer de que austeridade e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
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