sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desafio fiscal das prefeituras será maior que o previsto

O Globo

Gastos das capitais cresceram como proporção das receitas — e logo será inviável fechar as contas

No mandato iniciado em 2020, os prefeitos das 26 capitais tiveram uma oportunidade ímpar de melhorar a saúde fiscal de seus municípios. Com a pandemia, o caixa foi reforçado por transferências extraordinárias da União, e foram impostas restrições a gastos com pessoal. Passada a emergência, a recuperação do setor de serviços — principal fonte de arrecadação municipal — superou as expectativas. Só entre janeiro e outubro de 2024, a arrecadação cresceu 7,2% descontada a inflação, na comparação com o período no ano anterior, segundo dados da Aequus Consultoria. O fôlego maior era um momento propício para melhorar a gestão financeira e evitar instabilidade no futuro. Infelizmente não foi o que aconteceu. Houve uma profusão de gastos eleitoreiros. Agora, os prefeitos que assumem seus mandatos nesta semana — 16 deles reeleitos — terão pela frente um desafio fiscal bem mais complicado que o sugerido nas promessas de campanha.

As políticas que definirão nosso futuro - Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

A eleição de 2026 é a bússola daqui para diante. O desafio será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas

O ano novo político começará cheio de expectativas. Qual será a agenda dos novos presidentes da Câmara e do Senado? Qual será a feição da reforma ministerial do governo Lula? Que pauta legislativa aproximará e qual afastará os Poderes (incluindo o STF)? Haverá novos ajustes fiscais? O orçamento das emendas será provavelmente modificado, mas em que medida? Tantas questões antecedem a bússola principal daqui para diante: a eleição de 2026. O desafio, neste caso, será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas. Sem isso, o avanço do país será lento, ou haverá retrocesso.

As últimas duas eleições presidenciais foram contra algo, e não a favor de uma agenda de políticas públicas. O programa de governo de Bolsonaro em 2018 era risível, feito por gente inexperiente e radicalizada por chavões que não eram capazes de dar o suporte a uma gestão presidencial. Não por acaso seu mandato foi marcado pela ausência de políticas estruturadas na maior parte dos setores, perdendo-se em debates sobre valores e se propondo, como disse o próprio ex-presidente em frase célebre, mais a desconstruir do que a construir novos paradigmas de ação governamental. O resultado foi a piora substancial em áreas como Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Meio Ambiente, Relações Internacionais e Direitos Humanos.

José de Souza Martins - Incertezas do rescaldo de 2024

Valor Econômico

Um fato de certo modo novo aconteceu. A mentalidade de senzala está escapando da chibata do capitão do mato. Ganhou visibilidade na direita e na esquerda

Dezembro de 2024 foi bem diferente de dezembro de 2023. Provavelmente, foi a primeira vez em nossa história que a passagem de ano foi algo bem diverso da mera festa de mudança na numeração cronológica das eras.

Em dezembro de 2022 o país se defrontara com a possibilidade de que nada mudaria com a passagem de ano, não obstante a eleição de um novo presidente da República, em outubro. Havia sinais de que algo estava errado.

O presidente da República se evadira do país, ausentando-se sem permissão do Congresso Nacional. Fê-lo para não passar a faixa presidencial ao sucessor legítimo. Um conjunto extenso de boatos e de inverdades circulava pelas redes a contestar a legitimidade do voto na urna eletrônica e do resultado eleitoral.

EUA ruma ao imprevisível - Vera Magalhães

O Globo

Impacto será maior quando maquinações de Trump atingirem China e Rússia, onde há líderes dispostos a responder na mesma moeda

Quando a principal potência econômica, política e bélica do mundo escolhe mergulhar na imprevisibilidade, o mundo tem razões concretas para prender a respiração. E os Estados Unidos avançam de forma vertiginosa nessa direção.

Falta pouco mais de duas semanas para a volta de Donald Trump ao poder. Sua saída da Casa Branca foi marcada pela invasão do Capitólio, e seu regresso se dá poucos dias depois dos eventos ainda não esclarecidos, com grandes suspeitas de ser ataques terroristas de alguma forma conectados, em Nova Orleans e Las Vegas.

Trump, é claro, se apressou em tirar conclusões antes mesmo de o FBI iniciar as investigações, associando sem nenhuma evidência os ataques a imigrantes ilegais. Essa forma descuidada de lidar com questões sérias é apenas uma das muitas características que representam motivos reais para apreensão global com um presidente que os americanos conhecem bem e, ainda assim, decidiram reconduzir ao poder.

Pedras no caminho – Flávia Oliveira

O Globo

A ONG Rio de Paz escolheu o último sábado de 2024 para ratificar a luta travada contra a violência que, em quatro anos, ceifou a vida de 49 crianças no Estado do Rio. Instalaria na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais da capital fluminense, fotografias de cada menina e cada menino mortos por bala perdida desde 2020. Dias antes, exibira as mesmas imagens em ato nas areias da Praia de Copacabana, cenário igualmente marcante de atuação da organização. O fim de ano seguiria seu curso, não fosse a decisão do prefeito Eduardo Paes de mandar retirar, sem aviso prévio, os cartazes de uma manifestação que, há quase uma década, ocupa o mesmo endereço sem licença oficial.

A psicologia do futuro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pesquisa Datafolha flagra contraste entre otimismo local e pessimismo global, um dos muitos vieses cognitivos de nossa espécie

A lógica e o pensamento racional são só um efeito colateral da miríade de impulsos cognitivos com que a evolução natural nos dotou. A melhor prova disso está na lista telefônica de vieses e erros sistemáticos que marcam nossos raciocínios.

Nutrimos um excesso de confiança em relação a nós mesmos e nossas capacidades (otimismo local) pareado com um irrazoável catastrofismo no que diz respeito ao mundo exterior (pessimismo global).

O auto do vale-peru - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Magistrados e tribunais exibiram contorcionismo para descumprir regra do teto salarial

Nos dias finais de 2024, os tribunais brasileiros encenaram mais um espetáculo de exibição de privilégios. Em três atos, magistrados da primeira à última instância, mostraram o contorcionismo que fazem todos os anos para preservar auxílios, gratificações e indenizações que se somam a seus salários.

A abertura ficou por conta do presidente do STF. Quando a questão dos supersalários tomou forma na discussão sobre o ajuste fiscal, Luís Roberto Barroso reagiu a uma proposta que não deveria ofender ninguém: seguir o que está na Constituição e limitar o valor pago a qualquer servidor público, incluindo juízes.

Violência policial expõe direita tosca - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Melhor fariam governadores do Sudeste, a começar por Tarcísio de Freitas, se contivessem abusos e matança

A reação de governadores de direita ao decreto do governo federal sobre uso da força pela polícia é mais um atestado da estupidez que vem ganhando projeção num país cada vez mais ignaro, violento e abandidado.

Em São Paulo, Tarcísio de Freitas, o preferido do bolsonarismo, das finanças e do ruralismo para disputar a Presidência em 2026, insiste em dar provas de truculência. Não apenas na segurança pública, embora com especial afinco nesta área.

Nomeou como seu secretário um ex-policial que se orgulha de ter matado "vagabundos" e gosta de repetir, em seu chocante despreparo, a retórica do apologista da tortura que o inspira, o famigerado Jair Bolsonaro.

Roubança nas emendas parlamentares - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Auditorias e PF mostram baderna, desperdício e bandalheira; buraco deve ser mais fundo

Ainda que não se furte ou se desperdice o dinheiro das emendas parlamentares, sabe-se que o modo pelo qual senadores e deputados modificam o Orçamento muita vez não tem planejamento, cálculo de eficiência, de prioridade ou picota recursos escassos em investimentos que podem até ser um campo de futebol society.

Sim, mas se furta. A comissão pode ser de 12%, segundo conversas captadas pela Polícia Federal, relatadas pela revista piauí. O resultado do trabalho da PF, de auditorias da Controladoria-Geral da União e, mais recentemente, do ministro Flávio Dino, do STF, são amostras de um buraco profundo, que começa com desperdício e ineficiência.

A saga do Papai Noel de Brasília – Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

A verdade é que todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldades de cortar gastos e chegar a um nível de austeridade compatível com as necessidades do País

Todos os setores, governo, STF e Parlamento, têm dificuldade para chegar ao nível de austeridade de que o País precisa.

Um pouco ofuscado pelas festas de fim de ano, Brasília viveu mais um drama em torno das emendas parlamentares. O ministro Flávio Dino bloqueou um lote de R$ 4,2 bilhões em emendas por não cumprirem os requisitos básicos de transparência e rastreabilidade. Para finalizar, Dino pediu à Polícia Federal (PF) que abrisse um inquérito sobre o tema. O maior suspeito é Arthur Lira, que articulou a aprovação das emendas e destinou grande parte do dinheiro para Alagoas.

O que se sucedeu foi um vaivém de notas e reuniões entre os Poderes, encerrando o ano com uma autêntica reprise do que vivemos ao longo desses últimos meses. O Parlamento se apossou de uma parte substancial do Orçamento e a utiliza de forma que nem as instituições nem a sociedade possa controlá-la.

Diplomacia para diplomatas - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

2025: com a COP 30 e a presidência dos Brics e sem Nicolás Maduro e Daniel Ortega

O governo Lula inverteu sua posição: se entrou em 2024 bem na economia e mal na política externa, começa 2025 titubeando na economia e firme na política externa, depois de uma atuação positiva e elogiada na presidência rotativa do G20, assumindo a presidência também rotativa dos Brics e se preparando para um evento que tem tudo a ver o Brasil, mas deixa um frio na barriga sobre como vai ser: a COP 30.

O que comunicar e não se estrumbicar - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

O presidente Lula decidiu substituir o ministro Paulo Pimenta pelo publicitário e marqueteiro Sidônio Palmeira para comandar a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom).

A falha recorrente que o governo quer agora corrigir é a de que a área de Comunicação não está funcionando bem, porque não consegue transmitir para a sociedade os bons resultados obtidos na economia e na política social do governo.

Também estão escancaradas, para o governo e para as principais alas do PT, as falhas de comunicação nas redes sociais, que os políticos da direita conseguem utilizar melhor.

A questão principal está longe de ser de incompetência do ministro Paulo Pimenta, embora ela também possa pesar no desempenho da Secom.

É preciso, sim, colocar um filtro nas bobagens que o presidente Lula tem dito, como a de que a democracia na Venezuela se resume a mudanças de narrativa, e não às práticas ditatoriais do governo Maduro. Ou, então, a de que o governo de Israel esteja submetendo a população de Gaza a um genocídio equivalente ao do Holocausto colocado em prática pelos nazistas comandados por Hitler.

Desejo amor ao Brasil - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Apesar de tardio, agora é ainda mais necessário o desejo de que os brasileiros coloquem o Brasil acima dos interesses de grupos corporativos

Neste primeiro dia do ano, desejo que meu país seja descoberto por seus cidadãos. Isso deveria ter ocorrido há décadas, ou séculos, para que o Brasil tivesse seu berço: um sistema nacional único de educação com qualidade e equidade para todas as nossas crianças, independentemente de renda e endereço. Mas não aconteceu. Por isso, apesar de tardio, agora é ainda mais necessário o desejo de que os brasileiros coloquem o Brasil acima dos interesses de grupos corporativos. 

Desde o início, somos divididos socialmente entre escravos e senhores, ricos e pobres, doutores e analfabetos, favelas e condomínios e, politicamente, em sindicatos, partidos, igrejas, municípios, estados, cada um se colocando acima do país. No último mês, esse divisionismo se mostrou descaradamente diante da constatação de que esgotamos os recursos fiscais do país. Mas, quando o ministro da Fazenda apresenta proposta para equilibrar as contas, cada setor da sociedade se levanta e diz: "Não no meu pedaço do orçamento".

Parlamentares extrativistas - José Pastore*

Correio Braziliense

À intenção do governo de dificultar as remunerações inconstitucionais, os parlamentares responderam com a criação de uma aprovação facilitada — de costas para a Carta Magna e para o povo

O leitor deve estar estranhando esse título. Explico. Fiquei espantado com o desfecho final do pacote de corte de gastos recentemente aprovado. O que foi apresentado pelo governo era de baixa potência para reequilibrar as contas públicas. E o que saiu do Congresso Nacional, ficou pior. 

Refiro-me especificamente à proposta de eliminação dos supersalários e demais penduricalhos dos altos funcionários da República, em especial, os do Poder Judiciário, Ministério Público e órgãos fiscalizadores. 

O tempo e a democracia - José Sarney

Correio Braziliense

A democracia é um regime que é melhor do que os outros porque sobrevive às crises e sabe absorvê-las. O Brasil vive as excelências de um regime democrático, pluralista e aberto

A liberdade tem grande poder criativo. Até mesmo os excessos o seu exercício corrige. É necessário, para entendê-la, compreender o que é o tempo. Leonardo da Vinci escreveu, numa noite, em seus angustiados cadernos, que "a justiça é filha do tempo". Um dia, em Hong Kong, em companhia do embaixador Miguel Osório, que naqueles anos procurava desvendar o mistério do que ocorria com a Revolução Cultural na China, ouvi a afirmativa de um velho poeta, com o sabor de sabedoria milenar, de que nós, do Ocidente, não sabíamos o que era o tempo.

Quando, em 1989, eu me encontrei com Deng Xiao Ping, em Pequim, ele mencionou o mesmo conceito e me falou entusiasmado de seu país dali a 100 anos como se dissertasse sobre o dia seguinte. Descreveu-me empolgado as metas dos próximos 20 anos como se comentasse a madrugada que viria.

Poesia | A Vida Bate, de Ferreira Gullar

 

Música | Heitor Villa Lobos - Rasga o coração Choros Nº10