sábado, 11 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Posse ilegítima de Maduro exige mais pressão do Brasil

O Globo

Em conjunto com a comunidade internacional, país precisa reforçar a defesa da democracia no continente

A posse de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela nesta sexta-feira confirma seu desprezo pela vontade popular. Diante de derrota humilhante no pleito presidencial de julho do ano passado, escondeu os boletins de urnas, se declarou vencedor e assumiu, sem disfarces, ser um ditador. Não satisfeito em roubar as eleições, mandou a Justiça prender Edmundo González, o oposicionista consagrado pelo voto que acabou saindo do país. De lá para cá, a repressão sistemática se manteve intacta. Apoiado pelas Forças Armadas, Maduro desistiu de parecer legítimo.

Como lidar com um vizinho desse tipo é um dos maiores problemas da política externa. A embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia Oliveira, esteve na cerimônia de posse na presença de diplomatas de México, Colômbia e representantes de ditaduras como Cuba, Rússia e Nicarágua. Estados Unidos e União Europeia não compareceram. Se a participação da embaixadora representar a volta da fracassada política de apaziguamento, o Itamaraty estará cometendo um erro enorme. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recusou o convite, mas comitivas do PT viajaram para a Venezuela. Dois dias depois da defesa da democracia nos eventos do 8 de Janeiro, integrantes do partido festejaram a posse de um tirano.

Duas armadilhas - Cristovam Buarque

Revista Veja

Os desencontros: renda média baixa e renda mínima permanente

Por décadas, perdurou a ideia de que a renda do crescimento econômico se espalharia do topo para a base da pirâmide social em quantidade suficiente para abolir a pobreza. A história mostra que essa distribuição não ocorreu e sabe-se que a renda chegada aos pobres não seria suficiente para comprar no mercado os bens e serviços essenciais: educação, saúde, segurança. Dessa constatação surgiu a ideia do “keynesianismo social e produtivo”: renda mínima condicionada à produção para atender às necessidades, sobretudo educação. O Bolsa-Escola foi o mais reconhecido desses incentivos: pagar à mãe para que assegure a frequência dos filhos à escola. Previa-se que em poucas décadas a pobreza seria superada, não pela pequena renda, mas pelas consequências da educação, desde que a frequência ocorresse com aprendizado em escolas de qualidade. E que, paralelamente, fossem feitas as reformas adequadas para livrar o país da armadilha da baixa renda média.

Compromisso com a segurança - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O país tem criado políticas ineficientes e muitas vezes contraproducentes, mas que têm mais apelo eleitoral

A negligência com a segurança pública levou à morte de cerca de 1 milhão de pessoas nas últimas duas décadas no Brasil. Essa é a face mais dramática de um fenômeno mais amplo, que dilacera famílias, esgarça o tecido social, compromete nosso desenvolvimento, além de brutalizar o cotidiano de milhões de pessoas, submetidas ao domínio arbitrário e violento do tráfico, de milícias e mesmo de agentes do Estado que, por definição, teriam a função de proteger os cidadãos.

A incapacidade do Estado brasileiro de assegurar o direito à segurança aos seus cidadãos gera ainda um outro efeito adverso que é ampliar a desconfiança da população nas suas instituições, abrindo espaço para discursos de lideranças populistas e descomprometidas com o Estado de direito.

Apesar de a criminalidade se encontrar entre as principais preocupações dos brasileiros, desde a década de 1990, as respostas oferecidas pelos sucessivos governos, sejam eles de direita, centro ou esquerda, tanto no âmbito dos estados, como no plano federal, não apenas se demonstraram insuficientes para conter o crescimento da criminalidade, em especial a criminalidade organizada, como em muitos aspectos têm contribuído para sua expansão.

Incertezas reais - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O produto que começa a ser fabricado hoje chegará ao mercado dentro de algum tempo. Qual será a inflação?

Eis um assunto diário: as incertezas em relação a juros altos, dólar caro e inflação subindo. Pode parecer que se trata de um problema restrito ao mercado financeiro. Mas como isso se manifesta na vida das empresas e das pessoas?

Eis alguns casos.

Imaginem uma empresa que vende produtos importados — carros, eletrônicos etc. — e precisa repor os estoques. Essa empresa tem de fechar os contratos de importação, em dólares. É melhor fechar o câmbio agora, temendo alta maior da moeda americana? Ou esperar um pouco, na expectativa de que a cotação se acomode num nível mais baixo?

Oscar? Não, obrigado - Eduardo Affonso

O Globo

O belo, comovente, primoroso ‘Ainda estou aqui’ ficou no meio do fogo cruzado entre os nossos radicais e os extremistas deles

De quem terá sido a infeliz ideia de dividir o país entre “nós” e “eles”? (A pergunta é retórica: todo mundo sabe de quem foi; é só um desabafo, antes de começar o texto.) Essa proposição pode ter rendido votos e mobilizado as torcidas organizadas — mas nos fez (e ainda faz) um mal danado.

O conceito até que tem lá seu apelo: evoca o Gênesis, quando Deus viu que “nós” (a luz) éramos bons e nos separou “deles” (as trevas) — sem dar um pio sobre a penumbra. Retoma a doutrina bíblica de que “quem não está comigo está contra mim” — sem possibilidade de seguir o voto do eminente relator, divergindo só na dosimetria da pena. Tampouco é questão de múltipla escolha — que, eventualmente, admite “nenhuma das alternativas anteriores”: só tem “falso ou verdadeiro”. É, como no poema infantil da Cecília Meireles, ou isso ou aquilo. Mais rudimentar, impossível. E, talvez por isso, tão eficiente.

Zuckerberg é oportunista – Pablo Ortellado

O Globo

O recente anúncio de Mark Zuckerberg, presidente da Meta, sobre mudanças nas políticas de moderação de conteúdo gerou mais polêmica por suas implicações políticas — um alinhamento com Donald Trump e setores conservadores — do que por suas implicações práticas. Em sua defesa, Zuckerberg argumenta que as plataformas digitais não deveriam proibir debates que estão em curso na sociedade. Mas será que a Meta está realmente aplicando esse princípio?

No anúncio, Zuckerberg disse que, a partir de agora, a Meta “abandonaria um monte de restrições em temas como imigração e gênero que estão em descompasso com o discurso dominante”. Avaliou também que “o que começou como um movimento para ser mais inclusivo foi usado cada vez mais para calar opiniões e calar pessoas com ideias diferentes”. Em paralelo, o diretor de assuntos globais da Meta, Joel Kaplan, explicou, numa publicação, que a Meta estava “se livrando de um monte de restrições em assuntos como imigração e identidade de gênero, que são objeto de intenso debate político”. E, completou:

— Não é certo que certas coisas possam ser ditas na TV ou na tribuna do Congresso, mas não nas nossas plataformas.

De que democracia falamos? - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

PT vai à posse de Maduro três dias depois de reger ato em defesa da legalidade

É difícil compreender o que quis dizer o presidente da República em sua nova estratégia de comunicação ao patrocinar um ato estreito na praça dos Três Poderes para marcar a passagem dos idos de 8 de janeiro de 2023.

Bandeiras vermelhas, convocação dos movimentos da base social do governo, um abraço na democracia escrita em flores, com as ausências significativas dos que não foram à cerimônia de pouco antes no palácio e outros que lá estavam, mas não desceram a rampa porque o ritual tinha um lado marcado.

Era uma festa da esquerda, assim foi dito e assim foi feito numa apropriação indevida do que ali deveria se assinalar: a celebração da resistência democrático/institucional, valor pertencente a todos os brasileiros.

Big techs na corrida presidencial - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Redes no modo terra de ninguém deixam mais indefinida disputa entre Lula, governadores e influencers

Os principais governadores de oposição – Tarcísio de FreitasRonaldo Caiado, Ratinho Júnior, Eduardo LeiteRomeu Zema – só pensam naquilo: chegar à Presidência. Caiado é declaradamente candidato. Fazendo cena e cera, Tarcísio rechaça a ideia.

Não se pode esquecer os representantes do clã. Eduardo Bolsonaro, o filho 03, está louco para entrar no páreo, estribado na extrema direita internacional e na suposta amizade com Trump. A ex-primeira-dama Michelle aguarda a distribuição das peças, orando.

Dois Pravdas para Trump - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Zuckerberg e Musk buscam hegemonia da Casa Branca na arena do debate público

Zuckerberg decidiu imitar o X e, como Musk, eliminou as ferramentas de checagem factual externa do Facebook e do Instagram, plataformas da Meta. Antes do anúncio oficial, ajoelhou-se diante do rei, oferecendo a informação a Trump. Fora dos círculos extremistas, a notícia provocou algum escândalo, pelas razões menores. A novidade relevante quase passou desapercebida: os dois veículos de mídia global baseados nos EUA pretendem ser agências semi-oficiais.

Ideologia dissolve-se no ar. A conexão de Musk com Trump é sólida como aço: os negócios multibilionários da SpaceX com a Nasa e a proteção estatal da Tesla diante da concorrência chinesa. A elevação do magnata a assessor do presidente eleito e a chefe de um poderoso departamento governamental desenha os contornos de um capitalismo de Estado pós-moderno.

Quando a violência veste farda - José Natal

Correio Braziliense

Quem usa uma farda deve saber fazer uso dela e não utilizá-la como escudo que o credencie a bater ou humilhar pessoas

A estatística não falha, é precisa e verdadeira. Nunca na história de São Paulo e do Brasil, um índice tão alto de registro de casos de violência policial contra pessoas de todas as classes foi comprovado. Predominam chutes, pontapés, socos no estômago e nas costas de gays, pobres e pessoas negras. Entre as vítimas, também muitos marginais e desocupados que perturbam a comunidade e devem ser punidos, sim. Mas não espancados e tratados como sacos de batatas. Nos últimos dias, as imagens de câmeras de rua e de celulares mostraram ao Brasil o comportamento absurdo e inaceitável de um elemento da PM paulista atirando uma pessoa do alto de uma ponte. O policial foi preso, diz a PM.

Destino manifestoou imperialismo - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Quando Trump, num acesso de sinceridade, manifesta seu objetivo de comprar a Groenlândia, anexar o Canadá e retomar o Canal do Panamá, ele apenas dá sequência ao que os pioneiros pensaram

Donald Trump ainda não iniciou seu mandato, que promete ser movimentado, e já retrocedeu mais de 100 anos na história de seu país. Ele retomou o discurso que justifica o chamado destino manifesto (manifest destiny) como uma benção de Deus e entrega aos norte-americanos brancos a missão de expandir seu país para garantir território capaz de prover suas necessidades. Não é retórica. Os Estados Unidos, no seu início, resumiam-se às 13 colônias situadas na costa do Atlântico. Após sucessivas expansões, o país chegou ao Pacífico e ao golfo do México, que pode mudar de nome para Golfo da América. 

Futuro próximo - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lula escolheu o marqueteiro para ministro da Secretaria de Comunicação. Não viria o homem, nesta altura, com a intenção de explicar por que o governo precisará cortar gastos. Lula escolheu o cara da propaganda de campanha eleitoral para lhe tocar a comunicação.

É como a imposição do mundo real tenta prevenir o emocionado do mercado financeiro que já quer se enamorar novamente do “futuro próximo” prometido por Haddad.

O fantasma da dominância fiscal - Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Temos ainda na memória as consequências do descontrole fiscal dos anos 80 e 90

Todo início de ano é de renovação de esperanças e somos tomados pelo otimismo. Mas o fechamento do ano passado nos trouxe alguns dados pouco estimulantes – a inflação subiu mais que o esperado, as ações caíram, o dólar subiu e a Bolsa perdeu mais de R$ 30 bilhões em investimentos estrangeiros.

As projeções iniciais para 2025 mostram recrudescimento da inflação, menor crescimento do PIB e, aparentemente, o dólar em um novo patamar de preços. Enfim, os cenários interno e externo para o ano não mostram que a vida será fácil. No ambiente externo, as preocupações são várias, mas por obviedade não estão sob nosso controle. Assim, resta-nos fazer a lição de casa internamente.

Donald Trump, um imperialista do século 19 - Fareed Zakaria

Washington Post / O Estado de S. Paulo

Retórica imperialista afasta aliados dos EUA, prejudica interesses americanos no mundo e ajuda Rússia e China

O que Trump diz sobre o Canadá é o mesmo que Putin diz sobre fronteira entre Rússia e Ucrânia

Depois de fazer campanha com a política de acabar com as guerras, estabelecer a paz, colocar os EUA em primeiro lugar e isolar o país do mundo, Donald Trump decidiu esta semana ressuscitar o imperialismo do século 19. Em coletiva de imprensa, ele ponderou sobre a possibilidade de tornar o Canadá um Estado e tomar a Groenlândia e o Canal do Panamá, sem descartar o uso de força militar.

Os líderes republicanos, que Trump treinou apenas recentemente para denunciar a antiga política externa de expansionismo e internacionalismo de seu partido, rapidamente mudaram de opinião e adotaram a nova linha, e agora estão elogiando a visão grandiosa e o pensamento de Trump. Onde isso vai parar?

Alguns dizem que estamos de volta à “teoria do louco” da política externa, que postula que é bom para o presidente, às vezes, parecer imprevisível, até mesmo irracional, porque isso deixa os adversários desprevenidos. Vale a pena lembrar que Trump tentou essa jogada em seu primeiro mandato, mais obviamente com Kim Jong-un, da Coreia do Norte.

Ele começou ameaçando-o com uma guerra nuclear (“fogo e fúria como este mundo nunca viu antes”) e depois mudou abruptamente para um romance com cartas de amor. Nada disso funcionou. A Coreia do Norte continuou a construir seu arsenal nuclear, a realizar testes de mísseis (após uma breve pausa) e a ameaçar seu vizinho do sul.

Liberdade e tolerância - Marcus Pestana

Ao final do século XX, com a dissolução da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, parecia que as ideias vitoriosas eram a da liberdade e da democracia, como valores universais e permanentes. Alguns chegaram a decretar o “fim da História” (Fukuyama), com o domínio absoluto da sociedade liberal. A fatura política e ideológica estaria liquidada. Estaria instalada a “Pax Democrática”.

Mas o mundo dá voltas e a vida apronta as suas. O capitalismo perdeu boa parte de sua capacidade de distribuir bem-estar. As desigualdades sociais se agravaram. Os efeitos da globalização e da revolução tecnológica geraram um espiral nacionalista e xenófoba. As frustrações com o sistema se avolumaram. Como descreveu Fernando Henrique Cardoso (Um intelectual na política, 2021):

“A democracia representativa é cada vez mais percebida como um sistema elitista, disfuncional, minado pela corrupção, insensível às necessidades e demandas das pessoas comuns. Quanto mais distante a pessoa está dos centros do poder, mais desconfia deles”.

Um réquiem à luz de uma democracia desafiada - Pacelli Lopes

Voto Positivo

À luz de uma democracia desafiada¹ vimos uma frente democrática vencer as últimas eleições presidenciais, por conta disso, há dois anos vimos regressistas e extremistas se sublevarem contra o sistema democrático, para subverter a dinâmica da democracia. Por meio de instituições fortes e de uma cultura cívica que se tem aprendido dia após dia, demonstramos a força do nosso ordenamento democrático.

Discutir os desafios da nossa democracia, destacando que a falta de política programática pode aprofundar o declínio gradual de partidos e governos. Isso é demonstrado aqui e alhures pela falta de programas e projetos, estratégias econômicas inadequadas e a ausência de uma coordenação política que contemple a frente democrática vitoriosa.

Esse fator advém da ausência de leitura correta do último processo eleitoral. Resultados eleitorais não devem ser lidos como válvulas de escape, aos quais não se deve gerar concorrência, mas quiçá sejam capazes de prevenir a boa governança. Nos períodos eleitorais, vemos nascer ciclos de esperança e desilusão, que dão voz a um nós coletivo. Esse processo deixa claro o caráter fluido da democracia, sempre mutável.

A ausência de política, muitas vezes confundida com falha de comunicação, atrai os spins doctors – profissionais que moldam narrativas (campo da ficção) para influenciar a opinião pública. Confrontar esses profissionais e os especialistas em Big Data requer um forte compromisso com a democracia e a república na ação política.

Poesia | Tenho fome da tua boca, de Pablo Neruda

 

Música | Martinho da Vila - Roda Ciranda / Quem É Do Mar Não Enjoa / Canta, Cant...