Folha de S. Paulo
Sociedades diversas só se tornam viáveis se
pessoas e grupos tiverem casca grossa para suportar ideias que lhes desagradem
Quanto mais diversa e plural uma sociedade,
mais tolerante ela
precisa ser. É fácil ver isso olhando para as religiões, por exemplo. Se cada
fé ou denominação achar que pode impor seus credos a pessoas de fora do grupo,
instala-se o inferno na Terra.
Para um hinduísta ou qualquer outro seguidor de fé politeísta, a simples afirmação do Deus único das três religiões abraâmicas já tem algo de blasfemo, uma vez que nega um ponto nuclear de seu sistema de crenças. Se as pessoas não criarem uma espécie de casca grossa que as faça não se incomodar muito com as ideias dos outros, tanto as religiosas como as políticas e filosóficas, seguem-se atritos e eventuais explosões de violência.
Até aí, nenhuma novidade. John Locke defendia esse tipo de tolerância religiosa
já no século 17. Para o inglês, ela deveria abarcar não só membros de fés
cristãs mas também judeus, maometanos e pagãos. Só os pérfidos ateus deveriam
ser excluídos desse círculo.
O que se afigura contraditório é que, embora
saibamos dessa necessidade de educar cidadãos para a tolerância, não é o que
fazemos com nossas crianças.
Em vez de ensiná-las a aceitar críticas,
mesmo as injustas, nós estimulamos uma hipersensibilidade a tudo o que possa
incomodá-las. Em vez de deixar que aprendam a resolver sozinhas diferenças que
tenham com seus pares, fazemos com que todos os seus relacionamentos sejam
intermediados por adultos. Em vez de treiná-las para desenvolver a casca
grossa, criamos ambientes em que tudo é considerado microagressão a ser
remediada por "safe spaces" (espaços seguros) e "trigger
warnings" (avisos de gatilho).
Como se isso fosse pouco, ainda tomamos o
cuidado de nunca ferir-lhes a autoestima e fazemos de tudo para instilar-lhes
idealismo. É uma combinação perigosa. O excesso de autoestima é uma causa
prevalente de conflito interpessoal. Quando acrescentamos o idealismo, isto é,
a convicção de estar a serviço do bem, aí já caminhamos perigosamente perto das
violências do fanatismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário