Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
Governo só leiloou nove das 35 rodovias que pretende licitar. Resultado: manutenção deficiente — e tragédias
A sexagenária ponte Juscelino Kubitschek,
ligando os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), dava sinais de que
poderia cair a qualquer momento, mas eles foram ignorados. No dia 22, enquanto
um vereador filmava os indícios de degradação, parte da estrutura que integra a
BR-226 veio abaixo, arrastando veículos que passavam. A queda causou a morte de
pelo menos dez pessoas — outras sete permanecem desaparecidas — e gerou
preocupação sobre a contaminação da água do Rio Tocantins pelas
cargas tóxicas nas carretas que se acidentaram.
Ninguém pode se dizer surpreso. Um documento do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela administração da rodovia, apontou em 2020 problemas como inclinações nos pilares, rachaduras e fissuras. Os últimos reparos de vulto ocorreram entre 1998 e 2000. Em maio deste ano, o Dnit abriu licitação para reformar a estrutura, lhe dar “melhores condições de segurança e trafegabilidade”, além de “reabilitar e aumentar a sobrevida”. As empresas que se apresentaram não preencheram os requisitos exigidos. A tragédia foi mais rápida.
Cuidado: Ano-Novo à frente - Fernando Gabeira
O Globo
Investidores querem austeridade, muita
austeridade. Mas já vimos, na Grécia, que essa fórmula tem limites
Tenho uma modesta bola de cristal. Às vezes
ela embaça e perde o foco. Ainda assim, sugiro cuidado com o ano que entra.
Nos Estados
Unidos, Trump promete deportação em massa e aumento das tarifas,
além de uma pesada campanha contra a mídia. Dificilmente brasileiros escaparão
da rede da deportação num bonde cheio de outras nacionalidades. O aumento de
tarifas visa à China,
mas Trump já mencionou outros países que estão na sua mira: Brasil e Índia.
Aqui dentro, o ano termina em sobressalto econômico. Há uma divergência entre as visões do governo e do mercado. Os investidores querem austeridade, muita austeridade. Mas já vimos, como na Grécia, que essa fórmula tem limites. O governo acha que a presença do Estado — gastando dinheiro, abrindo empregos, aumentando salários, aumentando consumo — faz rodar a máquina da economia. Lord Keynes aprovaria tudo isso, em certa conjuntura. O problema é que não estamos nela. Portanto, apesar de suas pretensões eleitorais, o governo tem limites.
Decisão não estrangula Congresso, mas o mantém nas cordas - César Felício
Valor Econômico
A decisão do ministro do Supremo Tribunal
Federal Flávio Dino de manter suspensa a liberação de emendas parlamentares,
com exceção das empenhadas até 23 de dezembro e das destinadas à Saúde, deve
sedimentar na Câmara dos Deputados a convicção de que o magistrado é funcional
ao Palácio do Planalto, mas tende a garantir às lideranças parlamentares o
mínimo para a sobrevivência: preserva os acordos feitos na reta final da
votação das propostas de ajuste fiscal apresentadas pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad.
O ofício assinado pelos líderes da Câmara no dia 12 de dezembro pedia a liberação de recursos para pagamentos emendas de comissão, ou seja, não impositivos, em uma soma que atingia R$ 4,2 bilhões. Ocorre que essas emendas não eram "de comissão", mas sim ferramentas do desde 2021 proscrito orçamento secreto, manejadas por 17 líderes de bancada, coordenados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Companheiros de viagem – Miguel de Almeida
Muitos permanecem, mesmo passadas décadas,
como se fossem amigos queridos
Encontrei duas ou três vezes com Paul Auster,
sempre nas ruas arborizadas do Brooklyn nova-iorquino. Com Mario Vargas Llosa,
somente num regabofe paulistano — o conhecido pé de valsa peruano se aproximou
sorrateiro e simpático enquanto eu conversava com Bruna Lombardi. Infelizmente,
nunca esbarrei em Javier Marias ou Ismail Kadaré.
O que os une, além da indesejada das gentes
(exceto o peruano, que vive na Espanha), é termos nos acostumado às suas obras,
quase sempre seminais, levados num mergulho pelo afeto de suas criações;
enquanto muitos permanecem, mesmo passadas décadas, como se fossem amigos
queridos. De Vargas Llosa, difícil esquecer o enlouquecido novelista Pedro
Camacho, de “Tia Júlia e o escrevinhador”, ou do início de “Conversa na
Catedral” quando perguntam ao narrador, desolado com a história política do
Peru (substitua por Brasil):
— Onde nos fodemos?
Vale lembrar que a “Catedral” do título é um boteco.
Narrativas econômicas podem iludir – Irapuã Santana
O Globo
Ano após ano, vemos um governo com uma
política econômica desastrada, defendida por sua bolha
A economia do país sempre afeta as Festas e,
desta vez, o fim de ano veio com a guerra de narrativas sobre a explicação para
a alta do dólar.
Para evitar vieses, examinemos os dados e os argumentos dos dois lados.
O PIB do Brasil cresceu 0,9% no terceiro
trimestre de 2024, segundo o IBGE,
chegando ao patamar de crescimento da China. Com isso, houve
alta de 4% em relação ao mesmo período do ano passado. Nesse mesmo terceiro
trimestre, o desemprego caiu para 6,1%, como aponta a Pnad Contínua.
Entretanto esses números positivos não refletem o sentimento da população. Em pesquisa Genial/Quaest, 40% dos brasileiros acham que a economia piorou nos últimos 12 meses. Em seguida, revelou-se que 68% das pessoas responderam que seu poder de compra está menor que há um ano.
O ano fiscal em retrospecto (parte 1) - Bruno Carazza
Valor Econômico
2024 foi o ano em que demos um salto para frente e muitos passos para trás e para o lado na agenda fiscal
Os dias se sucedem, e em meio ao sobe e desce do dólar e das bolsas, às crises no Congresso e às disputas eleitorais deste ano, perdemos a noção dos avanços e retrocessos do país. Aproveitando o clima de final de ano, e recorrendo ao caderninho de registros e ao arquivo de newsletters de notícias acumuladas na caixa de mensagens, vai abaixo a primeira parte de um apanhado de alguns dos principais fatos da agenda fiscal e tributária deste 2024.
Qual é o juro necessário para baixar a inflação? - Alex Ribeiro
Valor Econômico
Tão importante quanto colocar os juros em nível restritivo o suficiente é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período necessário
O futuro presidente do Banco Central, Gabriel
Galípolo, resumiu assim a sua estratégia de política monetária, na entrevista
de divulgação do Relatório de Inflação: “Buscar a taxa de juros necessária, no
patamar restritivo necessário, pelo tempo que for necessário, para atingir a
meta de inflação”.
O Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que vai elevar a Selic dos atuais 12,25% ao ano a 14,25% ao ano até março. Segundo Galípolo, para saber “o que vai acontecer dali para a frente”, será preciso “aguardar para ver como é que tudo vai se desenrolar”.
Lula como pato manco - Marcus André Melo
Folha de S. Paulo
Para garantir governabilidade o governo terá
que garantir mais proporcionalidade partidária na distribuição dos ministérios
O malogro de Lula 3
estava escrito na pedra, como já examinei aqui. Aqui não há nenhuma surpresa, como
veremos a seguir. Houve surpresas, mas de outra natureza: o 8/1 gerou onda de solidariedade nacional que beneficiou
o governo. O mesmo vale, em grau menor, após as evidências que vieram à tona em
2024 de planos golpistas. Os ganhos políticos advindos destes eventos
estão se dissipando.
Três fatores estavam presentes —alguns antes mesmo da posse— que prenunciavam
claramente o que viria. O primeiro deles é o caráter hiperminoritário do
Executivo, levando-o a formar coalizão frouxa de 18 partidos, mais do que o dobro dos
seus mandatos anteriores (8 e 9 partidos, respectivamente). A coalizão mais
heterogênea da série histórica implica elevado custo de gerenciamento.
Os dez passos da moderação - Diogo Schelp
O Estado de S. Paulo
O antídoto para os radicalismos é a moderação
política, não é ficar em cima do muro
O porre da polarização extrema de 2022 foi além das festas de fim de ano e avançou 2023 adentro, culminando nos atos de 8 de janeiro, que quase colocaram o País em coma político. A ressaca que se seguiu foi duradoura. Parecia que os brasileiros iam optar de vez pela abstinência dos radicalismos. Mas 2024 tinha outros planos. A violência política e o discurso maniqueísta reapareceram na eleição municipal, com direito a cadeiradas e troca de sopapos diante das câmeras. Em outra frente, os sentimentos que intoxicaram as mentes dos que participaram da quebradeira em Brasília voltaram a aflorar pouco a pouco, abastecidos pelas fake news de sempre e por arbitrariedades judiciais cometidas em nome do nobre fim de combatê-los.
Redesenho do Oriente Médio - Denis Lerrer
O Estado de S. Paulo
Derrota da agressão iraniana a Israel produziu uma reacomodação política e militar naquela região, exibindo a fragilidade da Síria
A agressão iraniana a Israel, visando à exterminação desse país – seja indiretamente, por via do Hamas, do Hezbollah, do regime do ex-ditador Bashar alAssad, dos Houthis e de milícias iraquianas xiitas, seja diretamente por ataques próprios –, terminou numa derrota acachapante. O colonialismo iraniano sofreu um duro golpe, ficando os seus líderes religiosos apenas com uma narrativa belicosa, sem força militar efetiva. Nesse contexto, Israel surge incontestavelmente como vitorioso. Ocorre que esse evento terminou por produzir uma reacomodação política e militar naquela região, exibindo a fragilidade da Síria.
O racha dentro da coalizão trumpista - Oliver Stuenkel
O Estado de S. Paulo
Grandes divergências ideológicas tornam o
novo governo americano muito menos previsível
A vitória de Donald Trump no mês passado foi possível graças a uma ampla coalizão envolvendo atores com visões de mundo profundamente distintas – entre eles: bilionários libertários do Vale do Silício, nacionalistas econômicos que defendem políticas protecionistas, movimentos xenófobos de extrema direita e conservadores tradicionais do Partido Republicano dispostos a barrar numerosas propostas do presidente eleito.
Senadores republicanos como Lisa Murkowski, do Alasca, Susan Collins, do Maine, e Mitch McConnell, do Kentucky, por exemplo, representam a ala tradicional e defendem a continuação da política externa americana das últimas décadas, envolvendo uma ampla presença militar e política na Europa ena Ásia, enquanto o vice-presidente J.D. Vance representa a ala mais isolacionista.