Folha de S. Paulo
A teoria do louco e os novos líderes
populistas que recolocam na agenda questões sobre racionalidade na política
O surgimento de novos líderes populistas recoloca na agenda questões sobre a racionalidade na política. Líderes como Trump, Chávez e AMLO apelam para a retórica grandiloquente e/ou tradições que se julgava sepultadas desde o pós-guerra: MAGA, bolivarianismo, quarta transformação. E fazem propostas tresloucadas. Mesmo quando derrotadas ou se mostram inexequíveis, elas sinalizam indignação com o statu quo e autenticidade. E assim geram ganhos políticos. Mas há mais em jogo, sobretudo no plano internacional.
Na interação estratégica e hostil entre
líderes mundiais, parecer volátil e imprevisível garante vantagens porque
intimida adversários, levando-os a fazer concessões. Aqui a questão da
racionalidade é fundamental: agentes racionais esperam que outros agentes sendo
racionais não levem a cabo ameaças, o que garante o equilíbrio, como
argumentou Thomas Schelling. Esta é a base da teoria da dissuasão
(deterrence).
O argumento quanto ao valor estratégico da
loucura é conhecido como teoria do louco (madman theory), devido a ter sido
expresso desta forma por Nixon a seu chefe de gabinete: "Eu chamo isso de
Teoria do Louco, Bob. Quero que acreditem que eu cheguei ao ponto no qual faria
qualquer coisa para acabar com a guerra. A gente vaza a mensagem: ‘não podemos
segurá-lo quando está furioso e ele tem o dedo sobre o botão nuclear’."
Essa loucura não é genuína, é fabricada, como
sugeriu Maquiavel, nos Discursos sobre Lívio ("Muitas vezes é coisa sábia
simular a loucura"). Os loucos —estratégicos ou não— , no entanto,
representam uma porcentagem pequena —8% entre 1986 e 2010— dos líderes
mundiais, segundo uma pesquisa minuciosa sobre o tema, mas tem tido mais sucesso
político recentemente na nova onda populista.
Mas a teoria tem limitações. A principal é
que há trade-offs envolvidos na estratégia: ganhos de suposta irracionalidade
implicam também em perdas de credibilidade. Atores irracionais não podem
oferecer garantias quanto às promessas e propostas que fazem, como argumenta
Roseanne McManus, em "The Limits of Madman Theory: How Trump’s
Unpredictability Could Hurt His Foreign Policy", publicada na Foreign
Affairs, 2025. É a incapacidade de ofertar compromissos críveis em virtude de
sua própria instabilidade e volatilidade que debilita tais líderes. E, claro, a
irracionalidade está sempre sob suspeita.
Mais especificamente McManus adverte que
ações imprevisíveis podem levar a mal-entendidos, fazendo com que os
adversários tomem medidas preventivas que intensificam os conflitos, em vez de
resolvê-los. Os parceiros estratégicos também importam: terão cautela diante de
um líder imprevisível, o que resulta em enfraquecimento de alianças e redução
da cooperação em questões globais. Trump, por exemplo, não opera em um vazio
institucional.
As instituições democráticas e a opinião
pública estabelecem restrições ao quanto ele pode parecer irracional em um
contexto de incertezas. O tiro também pode assim sair pela culatra para quem
diz "se eles rezam muito, eu já estou no céu", (Balada do
Louco, Os
mutantes).
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