segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

‘Se eles são famosos, sou napoleão’ - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

A teoria do louco e os novos líderes populistas que recolocam na agenda questões sobre racionalidade na política

O surgimento de novos líderes populistas recoloca na agenda questões sobre a racionalidade na política. Líderes como Trump, Chávez e AMLO apelam para a retórica grandiloquente e/ou tradições que se julgava sepultadas desde o pós-guerra: MAGA, bolivarianismo, quarta transformação. E fazem propostas tresloucadas. Mesmo quando derrotadas ou se mostram inexequíveis, elas sinalizam indignação com o statu quo e autenticidade. E assim geram ganhos políticos. Mas há mais em jogo, sobretudo no plano internacional.

Na interação estratégica e hostil entre líderes mundiais, parecer volátil e imprevisível garante vantagens porque intimida adversários, levando-os a fazer concessões. Aqui a questão da racionalidade é fundamental: agentes racionais esperam que outros agentes sendo racionais não levem a cabo ameaças, o que garante o equilíbrio, como argumentou Thomas Schelling. Esta é a base da teoria da dissuasão (deterrence).

O argumento quanto ao valor estratégico da loucura é conhecido como teoria do louco (madman theory), devido a ter sido expresso desta forma por Nixon a seu chefe de gabinete: "Eu chamo isso de Teoria do Louco, Bob. Quero que acreditem que eu cheguei ao ponto no qual faria qualquer coisa para acabar com a guerra. A gente vaza a mensagem: ‘não podemos segurá-lo quando está furioso e ele tem o dedo sobre o botão nuclear’."

Essa loucura não é genuína, é fabricada, como sugeriu Maquiavel, nos Discursos sobre Lívio ("Muitas vezes é coisa sábia simular a loucura"). Os loucos —estratégicos ou não— , no entanto, representam uma porcentagem pequena —8% entre 1986 e 2010— dos líderes mundiais, segundo uma pesquisa minuciosa sobre o tema, mas tem tido mais sucesso político recentemente na nova onda populista.

Mas a teoria tem limitações. A principal é que há trade-offs envolvidos na estratégia: ganhos de suposta irracionalidade implicam também em perdas de credibilidade. Atores irracionais não podem oferecer garantias quanto às promessas e propostas que fazem, como argumenta Roseanne McManus, em "The Limits of Madman Theory: How Trump’s Unpredictability Could Hurt His Foreign Policy", publicada na Foreign Affairs, 2025. É a incapacidade de ofertar compromissos críveis em virtude de sua própria instabilidade e volatilidade que debilita tais líderes. E, claro, a irracionalidade está sempre sob suspeita.

Mais especificamente McManus adverte que ações imprevisíveis podem levar a mal-entendidos, fazendo com que os adversários tomem medidas preventivas que intensificam os conflitos, em vez de resolvê-los. Os parceiros estratégicos também importam: terão cautela diante de um líder imprevisível, o que resulta em enfraquecimento de alianças e redução da cooperação em questões globais. Trump, por exemplo, não opera em um vazio institucional.

As instituições democráticas e a opinião pública estabelecem restrições ao quanto ele pode parecer irracional em um contexto de incertezas. O tiro também pode assim sair pela culatra para quem diz "se eles rezam muito, eu já estou no céu", (Balada do Louco, Os mutantes).

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