segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Os desafios para a atividade econômica em 2025 - Sergio Lamucci

Valor Econômico

PIB deve ter desaceleração mais forte a partir do segundo trimestre, num ambiente marcado pelo quadro externo adverso e incertezas fiscais que pressionam juros

A economia brasileira terminou 2024 num ritmo mais fraco do que nos três trimestres anteriores, e a desaceleração da atividade tende a continuar ao longo de 2025, embora a agropecuária deva levar o PIB a um crescimento expressivo no período de janeiro a março. Juros altíssimos e o esgotamento dos estímulos fiscais e de crédito afetarão especialmente os segmentos mais cíclicos da economia, como a indústria de bens de consumo duráveis e grande parte dos serviços, avalia a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Como pano de fundo, além do cenário externo mais adverso, as incertezas sobre as contas públicas tendem a manter o dólar e os juros de longo prazo em níveis ainda muito elevados, turvando o quadro econômico neste ano.

A perda de fôlego da atividade ficará mais clara no segundo trimestre, e o risco de uma recessão técnica em 2025 - com queda do PIB por dois trimestres consecutivos - é considerável. É um ambiente de muita imprevisibilidade para as empresas, com dólar vólátil e juros básicos muito altos, e em que a inflação se mantém distante da meta de 3%. Projetos de modernização e ampliação da capacidade produtiva podem ser adiados, afetando a retomada do investimento observada em 2024.

O cenário externo será marcado por muita indefinição. Na semana passada, Donald Trump mostrou a que veio, elevando as tarifas de importação sobre México, Canadá e China, depois de algumas semanas em que se criou a expectativa de que o presidente dos EUA poderia ser brando na política comercial. Novas pressões sobre o dólar no mercado global podem aparecer a partir deste mês, o que é negativo para moedas de emergentes como o Brasil.

Ao longo de janeiro, o dólar cedeu por aqui, recuando 5,54% no mês, para R$ 5,8372. Além de o forte fluxo de saída de recursos de dezembro ter ficado para trás, a moeda perdeu força porque Trump não anunciou de imediato aumentos de tarifas de importação sobre os principais parceiros comerciais. O dólar se enfraqueceu no mercado global e a moeda no Brasil caiu abaixo de R$ 6. Esse quadro, porém, tende a mudar. Além de taxar mais as compras provenientes de México, Canadá e China, os EUA devem fazer o mesmo com a União Europeia dentro de um mês ou dois e também planejam implementar uma tarifa universal em abril, diz a Capital Economics, em relatório. Para a consultoria, a imposição de tarifas de 25% para as importações do México e do Canadá e uma taxa extra de 10% para as da China “são apenas o primeiro golpe do que pode se tornar uma guerra comercial global muito destrutiva”. Na visão da Capital, o impacto dessas tarifas e de outras medidas sobre a inflação nos EUA deve ser mais rápido e maior do que se esperava inicialmente. Com isso, a janela para cortes dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) nos próximos 12 a 18 meses acabou de se fechar, diz a consultoria.

Nesse cenário, é possível que o dólar por aqui volte a subir, ou pelo menos interrompa a queda que levou a cotação abaixo de R$ 5,85. Para evitar um quadro mais negativo, seria fundamental que o governo reduzisse as incertezas sobre as contas públicas, ainda o maior fator de pressão sobre o câmbio e sobre os juros de longo prazo. Sem isso, a desaceleração da economia pode ser ainda mais expressiva do que já se desenha.

Nas contas de Silvia Matos, o PIB cresceu no quarto trimestre de 2024 0,7% em relação ao trimestre anterior, depois de ter avançado 0,9% de julho a setembro. Para o primeiro trimestre deste ano, ela espera um crescimento de 1%, mas esse desempenho se deverá principalmente à agropecuária, que poderá ter alta de 10% no período.

O resultado tende a piorar significativamente a partir de abril. Para Silvia, o PIB ficará estável no segundo trimestre, recuando 0,1% no terceiro e crescendo 0,3% no quarto, em todos os casos na comparação com os três meses anteriores, feito o ajuste sazonal. Como os percentuais são baixos, é possível que haja recessão técnica, diz ela.

O mercado de trabalho deu sinais de desaceleração no fim de 2024, como mostraram os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados na semana passada. Silvia observa ainda que já há “indicação das sondagens setoriais e do consumidor sinalizando perda de fôlego. “As atividades mais cíclicas crescem menos, com desaceleração do consumo de duráveis, impactando a indústria, e os serviços ficam mais fracos também”, afirma ela. Entre os setores não cíclicos, a indústria extrativa deve ir bem, além da agropecuária. Para 2025, há o impacto sobre a atividade da Selic elevada, que poderá superar 15% ao ano, menores estímulos fiscais da União e de crédito e piores condições financeiras (o conjunto formado por indicadores como juros de longo prazo, câmbio, risco-país e ações).

O FGV Ibre estima que a economia cresceu 3,6% em 2024, devendo avançar 1,8% neste ano, com uma variação do PIB bem fraca a partir do segundo trimestre. O número “cheio” de 2025 deverá ser muito influenciado pela herança estatística de 2024, que Silvia estima em 1,3%. Isso significa que, se o PIB não crescer nada em relação ao quarto trimestre do ano passado, o crescimento de 2025 será de 1,3%. Para comparar, a herança estatística de 2023 para 2024 foi de apenas 0,2%, nota Silvia.

A desaceleração da economia em 2025, desse modo, será mais forte do que sugere a previsão de um crescimento para o ano um pouco inferior a 2%. Num momento em que o cenário externo será marcado por grande imprevisibilidade, seria ainda mais importante o governo atuar para reduzir as incertezas, concentradas no front fiscal. Nesse ambiente, é desanimadora, ainda que nada surpreendente, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na entrevista coletiva na semana passada, afirmando que não pretende adotar novas medidas de contenção de gastos neste ano.

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